A POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO: AS ALTERAÇÕES NO

Para a realização da pesquisa proposta nesta dissertação, às condições originais para a determinação do salário no modelo MKS foram feitos acréscimos e alterações necessárias para que se procurasse representar regras governamentais de reajuste mínimo anual dos salários. Estas regras procuraram simular a intervenção do governo na determinação de um

salário mínimo a ser pago aos trabalhadores, e foi baseada nos parâmetros da regra usada no Brasil desde 2007, conforme a Política de Valorização do Salário Mínimo (PVSM).

Tal regra garante que o salário mínimo anualmente sofra um reajuste equivalente à soma da inflação do ano anterior mais o crescimento do produto de dois anos anteriores. A regra de salário mínimo nos moldes da PVSM pode ser analisada do ponto de vista da problemática abordada na teoria econômica acerca da eficiência do mercado como mecanismo de distribuição de renda e remuneração dos fatores.

Nessa perspectiva teórica, o pressuposto a partir da regra de cálculo dessa política é que, ao contrário do que defende o pensamento ortodoxo, não há garantias de que os mecanismos de mercado assegurem:

1) A incorporação dos ganhos de produtividade ao salário, sendo a intensidade da força política por parte dos trabalhadores o que de fato possibilita estes ganhos, a depender da taxa de desemprego, como discutido em Kalecki (1943);

2) A manutenção do poder de compra, o que em Keynes (1936) importa para a sustentação da demanda agregada, impactando o emprego.

O MKS quando trata da determinação dos salários do modelo, como visto no capítulo 4, reconhece que é o poder político dos trabalhadores o que permite a incorporação dos ganhos de produtividade e a recuperação da corrosão inflacionária. Desta forma o modelo MKS, por sua organização lógica e teórica, permite o tratamento analítico do impacto da introdução de uma política de salário mínimo nos termos da PVSM, analisados sob o ponto de vista teórico aqui considerado. Para tal, contudo, foi necessário desenvolver três novas equações e quatro condicionalidades formais para produzir a adaptação do MKS à PVSM, as quais serão apresentadas e discutidas a seguir.

Inicialmente pode-se decompor a regra de reajuste da PVSM em um componente de ganho real (y) e um componente de ganho nominal (p). Referente ao primeiro, chame-se y a taxa de crescimento do produto interno bruto de dois anos anteriores ao período em que se definirá o novo valor do salário mínimo. Pode-se atribuir a esse termo a função exercida de captar ganhos de produtividade ocorridos na economia. Na ausência deste termo na regra da PVSM, não haveria garantias de aumentos reais dos salários, ele seria apenas corrigido monetariamente pela taxa de inflação, o que poderia refletir numa queda da participação dos salários na renda.

yt =

Y

– Y

Y

Sendo:

Yt-1 = PIB real do ano anterior Yt-2 = PIB real de dois anos anteriores

Da mesma forma, seja p o termo referente ao componente de ganho nominal, a que se atribui a recuperação do poder de compra do salário mínimo por meio da correção pela taxa de inflação do último anoanterior ao período de definição do novo salário mínimo:

pt =

Pmediob

– Pmediob

Pmediob

Sendo:

Pmediobt = preço médio dos bens de consumo básico do ano t42

Pmediobt-1 = preço médio dos bens de consumo básico do ano anterior.

O período “t” considerado nas equações acima está definido em termos cronológicos anuais, de acordo com o que especifica a PVSM. Nos termos da temporalidade adotada no MKS, para o qual 1 período t equivale a 1 trimestre, é necessário ajustar os termos acima, obtendo:

yt =

Y

– Y

Pmediob

– Pmediob

Y

Pmediob

42_{Referente ao mês imediatamente anterior ao mês de reajuste. Por exemplo, se o reajuste ocorre em Abril de} 2015, Pmediobt refere-se ao preço médio dos bens de consumo básico em Março de 2015.

A variável Yt-5 corresponde ao PIB real de cinco trimestres atrás, enquanto Yt-9 refere-

se ao PIB real de nove trimestres atrás. Do mesmo modo, Pmediobt-1 se refere ao preço médio

dos bens de consumo básico do trimestre precedente, e Pmediobt-5 corresponde a mesma

variável cinco períodos atrás. O intervalo de quatro trimestres corresponde a um ano.

Assim, para introduzir a política de salário mínimo, foi acrescentada à estrutura de equações do modelo MKS a seguinte equação:

wmin

= wmin

(1 + y

+ p

)

Isto é:

wmin

= wmin

[1 + ( Y

– Y

) + ( Pmediob

– Pmediob

)]

Y

Pmediob

Sendo:

wminct = salário mínimo nominal calculado, por trabalhador e por trimestre

wmint-5 = salário mínimo nominal efetivo, de cinco trimestres atrás (correspondente ao ano anterior).

Yt = produto real da economia, calculado por trimestre

Pmediobt = Preço médio43 dos bens de consumo básico por trimestre

Onde o salário mínimo nominal por trabalhador, calculado no período corrente, será igual ao salário mínimo nominal por trabalhador do ano anterior acrescido da taxa de variação do produto de dois anos atrás (oito trimestres, na temporalidade do MKS) (y), mais a variação dos preços do ano anterior (quatro trimestres) (p). Introduzida esta equação, estava representado no modelo o valor mínimo que deve assumir o reajuste dos salários na economia, como intervenção política.

1ª Condição: Reajuste anualizado

43_{A média dos preços praticados pelas firmas produtoras do setor de bens de consumo básico, ponderados pelo} market-share de cada firma no mercado naquele trimestre.

A equação acima leva a entender que o salário mínimo será corrigido a cada trimestre, e de fato seria se não fosse implementada nenhuma intervenção neste sentido. Assim, no âmbito das equações do modelo MKS, foi introduzida uma condicionalidade que impede que o salário mínimo seja alterado antes que tenha sido transcorrido o intervalo de um ano (quatro trimestres) desde o último reajuste44.

Podemos representar essa condicionalidade através da seguinte equação:

wmin

(1 + y + p), se wmin

= wmin

= wmin

= wmin

wmin

wmin

, em caso contrário

2ª Condição: irredutibilidade do salário mínimo

A institucionalidade pressuposta no modelo MKS é similar a que está legalmente instituída na economia Brasileira no tocante à irredutibilidade do salário mínimo. Contudo, a fórmula de wminc admite que eventuais retrações no nível de produto e/ou movimentos de deflação façam cair o valor nominal do salário mínimo, o que não é permitido no arcabouço legal brasileiro. Assim, havia necessidade de construir mais uma condicionalidade na determinação do valor de wmin, que determinasse a seleção do maior valor entre a resultante para salário mínimo do período (obedecida a primeira condicionalidade) e o salário mínimo legalmente vigente no período anterior.

3ª Condição: a condição inicial das simulações

Ainda, os modelos de simulação necessitam estipular um conjunto de condições iniciais para as variáveis que compõem as suas equações, de tal forma a permitir o cálculo dos valores que estas assumirão nos períodos subsequentes. O mesmo procedimento seria necessário ao cálculo de wmin, pois para que seja possível wmin entrar em operação no primeiro período das simulações (t=1), o maior desses valores supracitados precisaria exceder

44

Essa condicionalidade em linguagem C++ refere-se à segui te co dição “E : if(v[0]==v[1] && v[1]==v[2] && v[2]==v[3]).

o valor inicial que o MKS atribui ao salário nominal nas condições iniciais estabelecidas para o período “0” da trajetória a ser simulada.

Desta forma, uma terceira condicionalidade seria necessária como adicional ao cálculo do wmin no primeiro período de simulação, ou seja, que o salário a ser fixado não poderia ser inferior ao valor definido por condição inicial. A mesma condição valeria à medida que wmin crescesse nos períodos consecutivos. Assim, as condicionalidades “2)” e “3)” foram organizadas numa mesma equação. Esta segunda equação foi inserida a fim de definir que o resultado para o salário mínimo nominal por trabalhador será o máximo entre 4 e o maior valor entre o wmin(efetivo) do período passado e o wminc (salário mínimo calculado pela regra da PVSM) para o período.

wmin

= max (4.0, max (wmin

, wmin

))

Assim, o salário mínimo nominal por trabalhador será o maior valor dentre as opções abaixo:

a) Ou o valor inicial atribuído ao salário nominal (w) de 4.0 unidades monetárias; b) Ou o maior valor entre:

i) O salário mínimo nominal por trabalhador do período anterior (wmint-1);

ii) O salário nominal por trabalhador calculado para o período (wminct).

4ª Condição: o salário de mercado x o salário mínimo

Agora, outro passo seria preciso: endogeneizar uma condição para que o modelo fizesse a seleção entre o wmin e o wmks, para que ficasse indicado qual desses dois será o salário nominal por trabalhador (w) do período. Mas que critério deveria ser adotado para que o modelo defina se o salário nominal por trabalhador do período deve ser ajustado pelo salário mínimo (wmin), ou pelo (wmks)?

O processo que determina wmks é um processo espontâneo da economia a partir da relação entre os determinantes envolvidos. Ou seja, a ocorrência ou não dos reajustes no salário a partir do aumento da produtividade ou do poder de barganha dos trabalhadores trata- se de uma relação privada entre trabalhadores e empresários, uma relação de mercado, como explicado no capítulo 4. Wmks é, portanto, um salário de mercado.

No caso do wmin, o reajuste reflete uma determinação legal definida por uma política pública, ou seja, extra mercado, que interfere na relação privada para que o salário dela resultante não fique abaixo do socialmente considerado suficiente ao bem estar do trabalhador. Assim, a regra de reajuste wmin não deveria substituir a regra wmks no modelo, mas ser introduzida de forma a operarem conjuntamente, sendo necessário propiciar ao modelo um padrão de seleção entre ambos.

Como nas economias reais, o salário de mercado wmks pode ser alterado ao longo do ano, independentemente da política governamental para o salário mínimo. Desta forma, durante os quatro trimestres em que o salário mínimo estiver fixado, o salário de mercado pode superá-lo. Portanto, a regra do wmin no modelo deve prevalecer como remuneração somente quando o salário de mercado estiver abaixo deste. Em vista do exposto, o padrão de seleção a que se julgou adequado condicionar o modelo foi estabelecer como salário nominal (w) o maior valor entre o salário de mercado (wmks) e o salário mínimo (wmin). Este padrão foi condicionado ao modelo através da introdução de uma terceira equação:

w

= max (wmin

, wmks

)

Sendo wt o salário nominal pago aos trabalhadores no período “t”.

Dessa forma, o salário nominal pago aos trabalhadores em dado período será o maior valor entre wmin e wmks.

A inserção do salário mínimo institucional baseado nas regras da PVSM, portanto, foi possível através de uma série de procedimentos teóricos, matemáticos e de programação, representados aqui por meio de três equações envolvendo quatro condicionalidades. A nova versão do modelo MKS passa agora a contar com um salário mínimo operando em sua dinâmica.

Feito isso, e vencidos os desafios de adaptação comuns aos modelos por simulação computacional, foram realizadas simulações para as duas versões do modelo:

i) Para o MKS em suas condições originais de reajuste salarial, coletando e tratando os resultados para as variáveis de interesse e,

ii) O mesmo procedimento para o modelo depois de implementada a política de salário mínimo, cujos procedimentos foram o objeto desta seção.

A ideia empreendida foi tornar possível a comparação dos resultados para observar os efeitos da introdução de uma regra de salário mínimo político, condicionada à inflação e ao crescimento do produto, analisando de que forma o emprego e a participação dos salários na renda serão impactados por esta intervenção.