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4. O MODELO MKS

4.4 OS PRINCÍPIOS TEÓRICOS PÓS-KEYNESIANOS DO MODELO MKS

Quanto à dinâmica do modelo MKS, cada mecanismo está fundamentado em princípios teóricos que explicam e definem o seu modo de operação. Neste tocante. A instabilidade estrutural do nível de emprego, inerente a uma economia monetária de produção, está presente na dinâmica financeira do modelo, relacionada à preferência pela liquidez que determina a demanda entre bens produzíveis e àqueles que não geram emprego e renda. Essa

34O que não implicaria prejuízos à proposta da Tese da qual o MKS é objeto, uma vez que o salário é o mesmo para todos os setores.

35Ver: MARX, K. O Capital : Crítica da Economia Polítical.São Paulo: Difusão Editorial Ltda.1985.Tradução de Reginaldo Sant‟Anna da quarta edição do original em alemão: DAS KAPITAL: Kritik der politischen Ökonomie .1890.

dinâmica financeira irá resultar da articulação entre a decisão de investimento das firmas (sujeita às expectativas do poder de mercado e lucro que este investimento proporcionará no futuro), frente aos ativos alternativos, e o risco de iliquidez resultante das posturas financeiras. Estas expectativas sobre o lucro futuro dependem dos preços, custos e competitividade relativa „esperados‟, e estes, são alterados microdinamicamente pela co-evolução das firmas, indústrias e sistema financeiro.

O comportamento dos agentes irá obedecer à interpretação minskyana da teoria da preferência pela liquidez de Keynes. Em Keynes, mediante um aumento da incerteza, as empresas preferem os ativos líquidos aos ilíquidos. Os ativos líquidos não são produzidos (não geram emprego e renda diretamente – bens irreproduzíveis). Assim, a oscilação da preferência pela liquidez das empresas entre ativos líquidos e ilíquidos regula o nível de emprego da economia . Minsky chama a atenção para o fato de que os agentes econômicos também exercem a preferência pela liquidez na escolha dos seus passivos: a incerteza também influencia os empresários no gerenciamento dos passivos que financiam seus ativos.

Assim, considerando a existência de ativos alternativos aos bens de capital, e de formas de valorização financeira (ou o retorno não monetário implícito na liquidez da moeda) alternativas ao investimento produtivo, a análise feita por Minsky do comportamento dos agentes se dá na “forma de passivo” escolhida para financiar os seus ativos, e na alteração que esta escolha sofre ao longo do ciclo econômico.

É este gerenciamento de passivos, que financiam ativos que, na interpretação de Minsky, faz parte do conceito de “preferência pela liquidez”, que se manifestará através de posturas financeiras (posições de financiamento), admitindo a ocorrência transitória de três diferentes posturas, para um mesmo agente econômico, no decorrer do ciclo econômico, bem como, diferentes agentes assumindo diferentes posturas, em um dado ponto do tempo. Estas posturas são denominadas em Minsky (1992) como Hedge, Especulativo e Ponzi.

Quanto ao agente com posição de financiamento Hedge, Minsky (1992) define:

Hedge financing units are those which can fulfill all of their contractual payment obligations by their cash flows: the greater the weight of equity financing in the liability structure, the greater the likelihood that the unit is a hedge financing unit.” (MINSKY, 1992, p. 6)

O agente com posição Hedge de financiamento avalia que as condições futuras, do mercado financeiro, para reestruturação de seus passivos, não serão favoráveis, ou seja, que não haverá facilidade para renegociar possíveis parcelas de dívidas em atraso. Desta forma,

para não correr risco de iliquidez, que considera elevado, opta por financiar os seus ativos com recursos próprios, ou ainda, caso seja estritamente necessário, com recursos de terceiros sob as seguintes condições:

Qt≥ (a + i)t Qt = rendimento esperado

a = amortização do principal i = fluxo de pagamento de juros t = tempo

Para o Hedger, o rendimento esperado do ativo adquirido deve ser superior (ou no mínimo igual) ao compromisso financeiro firmado para adquiri-lo, esperando ele honrar tanto o pagamento do principal quanto os serviços da dívida (juros).

O especulativo aceita financiar um ativo ainda que espere não honrar com a amortização do principal por pelo menos um período, contanto que espere não se encontrar ilíquido para os serviços da dívida em todos os períodos. As decisões de um agente com postura especulativa admitem uma margem de segurança menor do que admitiria um Hedger. Isto não significa que este agente possua qualquer tipo de “propensão ao risco”. Ao contrário, sua postura se justifica por avaliar que o risco de enfrentar dificuldades de liquidez no futuro, por conta de renegociações de seus passivos, é baixa, ao contrário da postura Hedger, que avalia que este risco é elevado. Desta forma, o que muda de uma postura para a outra não é a disposição em correr riscos, mas sim, a avaliação quanto à magnitude dos riscos.

Qt < (a+i)t para pelo menos 1 período Qt≥ it

Na postura Ponzi, o agente avalia o risco de iliquidez como sendo baixo, permitindo- se financiar ativos com recursos de terceiros, ainda que espere encontrar-se insolvente para o pagamento do principal por alguns períodos, e também ilíquido para os juros da dívida por pelo menos um período. Assim, o agente com postura Ponzi se permite realizar financiamentos com descasamento de maturidades, e aceita que a dívida cresça, tranqüilizado pelas perspectivas favoráveis das condições de crédito para a „rolagem‟ da dívida, pois acredita que o valor presente dos rendimentos esperados será superior aos débitos totais.

Assim, o comportamento no gerenciamento de passivos de um Ponzi pode ser expresso da forma seguinte:

QT+1 >> (a+ i)T+1 para t ≥ T+1 até N

Qt < (a+i)t para alguns períodos para t = 1 até T Qt < it para pelo menos 1 período

Sendo T = período futuro a partir de quando o fluxo de caixa se torna positivo

Neste caso o agente precisará refinanciar não apenas o principal, mas também os juros, e sua dívida crescerá.

O ciclo econômico em Keynes é, essencialmente, real. Assim, uma piora nas expectativas de LP seriam revertidas somente por algum fator exógeno, como por exemplo uma mudança na política econômica ou pelo processo de desgaste físico do capital, entre outros fatores. Uma vez que as expectativas piorem, os próprios indicadores econômicos (desemprego, falências, queda de lucros) farão os empresários permanecerem com expectativas pessimistas. A persistência desse processo induziria os agentes a refazer expectativas cada vez piores, e apenas a política econômica é capaz de promover a retomada do processo de „euforia‟.

Em Minsky (1975), mecanismos financeiros endógenos da economia que operarão durante a fase recessiva irão provocar alterações no comportamento do investidor privado, criando as condições para que um choque exógeno faça a economia retomar a trajetória de expansão. Já em Minsky (1990, 1991 e 1996, Apud Lourenço 2006, p. 458) choques exógenos deixam de ser condição necessária para explicar a reversão cíclica, admitindo-se a possibilidade de mecanismos endógenos decorrentes de não linearidades em sistemas complexos. O modelo MKS está baseado nos desenvolvimentos mais recentes de Minsky a respeito da hipótese de fragilidade financeira, ou seja, a tentativa da endogeneização da reversão cíclica.

Quando a incerteza se reduz e a preferência relativa pela liquidez está diminuindo (o peso dos ativos líquidos no portfólio diminui), isso significa que os agentes estão mudando de postura financeira e realizando financiamentos especulativos e ponzi predominantemente (crescendo o peso dos passivos de curto prazo no balanço), que viabilizam a expansão do investimento e o crescimento da economia. E quando a incerteza aumenta, a preferência

relativa pela liquidez está crescendo, o que leva os agentes a buscar aumentar o peso dos ativos líquidos no portfólio, e o peso dos passivos de longo prazo37.

É justamente esta mudança na composição entre ativos e passivos que está correlacionado com o ciclo econômico. O ciclo econômico poderá ser identificado analisando o balanço das empresas. Quando o balanço das empresas está focado em ativos mais líquidos e ela não apresenta endividamento significativo, o investimento é baixo, e consequentemente o nível de emprego e renda também. Quando as empresas financiam ativos de baixa liquidez com dívidas de LP, o investimento é maior que na situação anterior. Finalmente, se os ativos menos líquidos estão sendo financiados com dívidas de curto prazo (passivos mais líquidos) isto significa ainda mais altos níveis de investimento, e, portanto de emprego e renda.

O ciclo econômico no modelo MKS se manifesta conforme o ciclo minskyano, e obedecendo a transformação de posições de financiamento dos agentes ao longo do ciclo, e sujeito à influência de inovações financeiras, que regulam o ciclo - quando as empresas e bancos inovam financeiramente, fazem com que a economia acelere a sua expansão. Ocorrendo a generalização dessas novas práticas financeiras a economia fragiliza-se progressivamente até a ocorrência de uma quebra na bolsa de valores, cujos efeitos sobre empresas e consumidores levará à reversão cíclica.

O ciclo no MKS possui também as características do modelo schumpeteriano, no qual o ciclo econômico é regulado pelas inovações tecnológicas, de modo que, quando a inovação surge, gera expansão. Depois que ela se generaliza e deixa de ser uma inovação a economia entra em processo de recessão. Desse modo, à medida que na esfera financeira ocorre a transição minskyana de posturas financeiras, que evoluem de Hedger, para Especulativo e para Ponzi, conforme se reduz a percepção de incerteza dos agentes quanto ao futuro, a economia se fortalece em sua esfera produtiva, fomentada pela inovação tecnológica. Esta incerteza minskyana refere-se às condições de liquidez futuras, e não a variações na demanda (incerteza keynesiana).

No MKS ocorre a interação recíproca entre processos financeiros e econômicos, de tal forma que o desenvolvimento da esfera produtiva, com a melhoria da produtividade e competitividade empresarial, altera o estado de confiança, e a percepção de incerteza por parte dos agentes diminui, elevando a eficiência marginal do capital. Os agentes (consumidores e empresários) ficam mais propensos a tomar empréstimo, porque as condições da economia os levam a crer que as condições futuras de liquidez serão suficientes para pagar suas dívidas,

37

Apesar de tentar fazer esses ajustes nos seus balanços, os agentes podem não conseguir êxito nessa tentativa.

incentivando a „rolagem‟. Ao mesmo tempo, quanto a concessão de crédito por parte dos bancos, estes ficam também mais propensos a conceder crédito, porque as condições da economia os tranqüilizam quanto às condições de liquidez futuras de seus devedores para saldar as dívidas a partir de recursos próprios (salários e lucros), incentivando a renovação dos contratos.

Desse modo, o comportamento cíclico agregado da economia manifesta-se como uma propriedade emergente macroeconômica da transformação estrutural do sistema econômico modelado. Esta dinâmica cíclica resulta da operação de mecanismos de caráter minskyanos- schumpeterianos, no que diz respeito à integração entre os setores produtivo e financeiro, e às decisões de investimento das firmas. Temos, portanto, uma expressão do ciclo minskyano num ambiente schumpeteriano.

A dinâmica ainda apresenta um processo concorrencial fundamentado nos princípios evolucionários, sendo facilmente reconhecidos na busca e introdução de inovações, na seleção com preservação da diversidade tecnológica, na mudança da estrutura industrial e dos mercados, etc38.

4.5 A INSTABILIDADE ESTRUTURAL: MACROINSTABILIDADE