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3. O desenvolvimento do conceito de Justo Valor

3.5. Rivalidade entre Custo Histórico e Justo Valor

3.5.3. Outras considerações sobre o Custo Histórico e o Justo Valor

3.5.3.2. Interpretação da informação financeira

Por outro lado, adotando-se uma contabilidade conservadora, as demonstrações financeiras são caracterizadas por antecipar más notícias (Magnan, 2009). Dito isto, segundo o autor, o valor de um ativo decairá se for considerado que este sofreu uma imparidade permanente ou se for equacionado que as condições económicas futuras impossibilitem que a empresa recupere o seu valor. Essa avaliação para baixo do ativo é tratada como sendo permanente, ou seja, mesmo que haja uma mudança positiva nas expectativas sobre a envolvente económica, o seu valor permanecerá o mesmo. Como explica o autor, as boas notícias apenas serão refletidas sob circunstâncias pontuais nas demonstrações financeiras num modelo conservador. Por exemplo, como relata Magnan, oscilações para cima no valor de um ativo só serão retratadas nas contas da empresa quando esse ativo for realmente vendido ou convertido em rendimentos através da sua atividade. De forma contrária, no modelo do justo valor, quer as boas, quer as más notícias, são incorporadas nas demonstrações financeiras. Além disso, existe uma consideração não só pelos ganhos ou perdas realizados, mas também pelos não realizados, acrescentando-se também que, inversamente a métodos conservadores, ativos que sejam avaliados para baixo podem vir a ser objeto de uma revalorização no futuro, caso haja mudanças económicas que expliquem tal avaliação. Deste modo, como apontam Martín e Osma (2009), a única crítica que pode ser feita ao justo valor, por comparação ao custo histórico, nesta matéria, refere-se ao reconhecimento de ganhos não realizados nas demonstrações financeiras. Vamos ver de seguida algumas questões importantes sobre este tema, adicionalmente ao problema da volatilidade.

245 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de So e Smith (2009) é a seguinte:

International Accounting Standards Committee Foundation. (IASCF). (2008c). IASC Basis for Conclusions on IAS 40 Investment Property. International Accounting Standards. London: IASCF.

169 Como refere Rashad Abdel-Khalik (2011), independentemente da metodologia usada para determinar o justo valor de um ativo ou passivo, a mensuração com base neste critério assenta em preços expectáveis, ou seja, os preços a que a empresa poderia ou não conseguir vender os ativos durante o decurso normal da sua atividade caso pretendesse, de facto, vendê-los no momento da sua avaliação. Deste modo, o justo valor representa apenas uma expectativa, cuja concretização depende de uma panóplia de fatores, que normalmente estão associados ao mercado e, por essa via, são pouco influenciáveis pela gestão. Como tal, as eventuais mudanças nesse valor serão, na sua visão, também elas, hipotéticas, traduzindo- se, resumidamente, na antecipação de ganhos ou perdas que ainda não ocorreram até ao momento da elaboração das contas da empresa. Contudo, para Rashad Abdel-Khalik, poderão existir ganhos ou perdas com uma probabilidade mais elevada de serem realizados e outros poderão ter apenas uma probabilidade remota de realização. Para o autor, um dos problemas subjacentes reside no facto de serem reportadas nas demonstrações de resultados ganhos e perdas não realizadas de uma maneira em que não é possível discriminar a sua probabilidade de realização, sendo atribuída uma importância idêntica a todos os ganhos e perdas antecipados, quer estes sejam mais ou menos propícios a, efetivamente, concretizar- se, levando, naturalmente, a uma certa confusão por parte dos stakeholders na leitura do resultado da empresa.

Adicionalmente, Rashad Abdel-Khalik (2011) refere que o registo de ganhos ou perdas não realizados poderá acentuar a assimetria de informação entre usuários internos e externos. Em concreto, o autor menciona que, sendo utilizado o método do justo valor, “as mudanças nos valores esperados recebem o mesmo peso e fiabilidade que as mudanças realizadas nos ativos e passivos que resultam das trocas entre a empresa e entidades externas” (p. 266). Assim, para além do problema anteriormente referido, o autor argumenta que existe uma agregação de ganhos e perdas não realizados com os realizados na demonstração de resultados de uma maneira em que não se torna nada acessível para os investidores externos percecionarem a parte do resultado que já foi realizada e a que ainda não foi. Yuan e Liu (2011) e Mala e Chand (2012) também abordam este lado negativo do justo valor, destacando que os seus opositores defendem que este critério deturpa o processo de criação de valor da empresa, misturando o lucro presente com ganhos e perdas que ainda

170 estão por realizar. Como aponta Heckman (2004246, citado em Rashad Abdel-Khalik, 2011,

p. 266), “o público que procura tal informação olhará em vão nas demonstrações financeiras e deverá inspecionar diretamente as contas ou confiar no serviço de uma das agências de rating”.

Magnan et al. (2015) complementam a opinião do autor supracitado, acrescentando que, no caso de existir volatilidade que reflete verdadeiramente as circunstâncias económicas atuais, o justo valor pode representar uma mudança permanente no valor dos ativos, ou seja, um fenómeno económico que afetará os resultados continuamente, ou uma mudança apenas transitória isto é, oscilações no risco de mercado que afetarão os resultados no curto prazo, mas que eventualmente reverterão a longo prazo. Dito isto, além de ser difícil identificar a probabilidade da realização dos ganhos e perdas, bem como qual a parte do resultado que já foi ou não realizada, os autores argumentam que esta volatilidade poderá também prejudicar a capacidade de previsão dos resultados futuros da empresa por parte dos participantes dos mercados financeiros, na medida em que estes poderão ter uma certa complexidade na tarefa de separar a parte do resultado que se deve a mudanças permanentes da que se deve a mudanças passageiras.

Além disso, como informa Rashad Abdel-Khalik (2011), a assimetria de informação ainda é mais evidente quando não é possível averiguar nitidamente as origens dos ganhos ou perdas não realizados dos instrumentos financeiros nas contas das empresas, nomeadamente quando não existe divulgação nas notas anexas, tópico que será explorado com mais detalhe para a frente. Por enquanto, é apenas de salientar que os ganhos ou perdas não realizados associados às dívidas de uma empresa podem ser agregados entre eles de uma forma em que se torna possível a ocultação dos verdadeiros problemas resultantes do seu risco de crédito. Em síntese, uma deterioração no risco de crédito (situação adversa para a empresa) pode permitir que esta reconheça ganhos e vice-versa. Na perspetiva do autor, o dilema do justo valor aqui evidenciado reside na eventual falta de transparência das origens dos ganhos ou perdas não realizados, que pode conduzir a que os investidores não consigam discriminar as fontes de tais ganhos ou perdas, levando a que decidam de forma errada.

Não obstante, o facto do resultado, numa ótica de uso do justo valor, incorporar não só ganhos/perdas realizados, mas também ganhos e perdas não realizados, que podem não

246 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Rashad Abdel-Khalik (2011) é a

seguinte: Heckman, P. E. 2004. Credit standing and the fair value of liabilities: A critique. North American

171 ser concretizados durante vários anos, pode criar uma presunção na mente dos acionistas de que este se encontra inteiramente disponível para o pagamento de dividendos (Bignon et al., 2009; Elad, 2004). Assim, como referem Bignon et al. (2009, p. 25), “parece difícil prever a inclusão de potenciais valorizações de capital nesses ganhos sem arriscar colocar os credores em desvantagem e prejudicar a continuidade da própria entidade produtiva”. Os autores acrescentam que uma distribuição de ganhos potenciais sob a forma de dividendos pode ser consideravelmente fictícia se, após a sua realização, o valor do ativo for bastante distinto daquele reconhecido nas demonstrações financeiras. Deste modo, os autores alertam não só para a gravidade de distribuir lucros com base num resultado fictício, mas também para os problemas que poderão existir nas relações de agência, designadamente a aparente redução da proteção dos credores, que normalmente têm prioridade nos pagamentos que a empresa faz e, que, por esta via, podem ser prejudicados, na medida em que pode ser distribuído mais dinheiro aos investidores do que o que devia normalmente ser distribuído e, consequentemente, abalar a tesouraria da empresa no futuro.

Por fim, Reis (2003247, mencionado em Bastos, 2009, p. 52) refere que o justo valor,

dado refletir ganhos não realizados, vai contra o princípio da prudência, um princípio já existente há muitos anos na Contabilidade e que corresponde a um dos pilares na elaboração do relato financeiro, contemplando apenas o registo de perdas potenciais. Contudo, Bandeira e Ferreira (1998248, mencionados em Bastos, 2009, p. 52) destacam que a

contabilização de ganhos potenciais, na hipótese de existirem mercados líquidos, não afeta significativamente as barreiras de precaução a ser tidas em conta na elaboração de estimativas em situações de incerteza, considerando que sempre é melhor proceder ao registo de tais ganhos do que ignorá-los, pois tal poderá contribuir para a deturpação da imagem verdadeira e apropriada tanto da posição financeira como dos resultados da empresa.