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2. Estrutura concetual

2.3. Mensuração contabilística

2.3.5. Lacunas na estrutura concetual do IASB

Como já foi dito várias vezes, a Contabilidade depende do contexto em que é desenvolvida. Como tal, a EC do IASB, assim como as de outras entidades de normalização, será sempre um projeto de esforço progressivo, no sentido em que terá sempre como missão adaptar-se a essas novas circunstâncias e necessidades dos utilizadores de informação. A este respeito, o IASB tem conhecimento de que alguns aspetos da sua EC poderiam ser mais desenvolvidos e clarificados (Barker & Teixeira, 2018). Sendo uma visão utópica presumir

29 que qualquer EC possa ser perfeita (Macve 201036, mencionado em Barker e Teixeira, 2018,

p. 155), é pelo menos possível, na opinião dos autores, encontrar maneiras de tornar a EC do IASB mais organizada para o efeito. A este nível, é de salientar que este organismo, juntamente com o FASB, estão a desenvolver um projeto conjunto para aperfeiçoar e convergir as suas ECs (Barth, 2007; Zijl & Whittington, 2006), sendo uma das fases desse projeto relativa à etapa de mensuração, que foi iniciada em 2004 e terminou recentemente em 2018 (IAS Plus, 2004), o que já é algo notável para tornar mais claro este processo.

Tal como surge na EC do IASB (2010, §OB2), o grande propósito das demonstrações financeiras é o de proporcionar informação acerca dos ativos, passivos, capitais próprios, gastos e rendimentos da entidade de reporte, que seja útil a um extenso conjunto de utentes na tomada de decisões económicas, designadamente auxiliando-os na avaliação de perspetivas de geração de fluxos de caixa no futuro e da qualidade da gestão no que concerne à administração dos recursos da entidade. Contudo, como consta no parágrafo OB7, fica claro que não é função do relato financeiro determinar o valor exato de uma entidade, mas antes fornecer informação útil aos stakeholders para que seja possível estimar esse valor. Todavia, como apontam Barker e Teixeira (2018), a EC não é suficientemente clara sobre qual o tipo de informação que cumpre melhor com esse propósito. Esta é vaga ao ponto de tanto ser possível proporcionar informação útil através de um modelo completamente baseado em transações, como o custo histórico, ou um modelo mais orientado para o balanço, como o justo valor.

Neste âmbito, os autores afirmam que a EC “faz surpreendentemente pouco para ajudar o IASB (ou preparadores) a determinar quais os ativos, passivos, rendimentos e gastos que devem ser reconhecidos e como devem ser mensurados” (p. 153). Barth (2007) partilha a mesma opinião. Na sua perspetiva, a componente da mensuração tem um peso fundamental nas decisões acerca da definição de normas, mas declara que “infelizmente, a presente estrutura praticamente não contém orientações sobre mensuração” (p. 14). Zijl e Whittington (2006) também concordam que a mensuração é um aspeto essencial do relato financeiro que ainda não foi adequadamente tratado nas ECs de qualquer organismo normalizador. Para os autores, o principal motivo deve-se ao foco tradicional do relato financeiro na base de mensuração do custo histórico, sendo a aplicação do justo valor apenas

36 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Barker e Teixeira (2018) é a seguinte:

Macve, R. (2010). Conceptual frameworks of accounting: Some brief reflections on theory and practice.

30 algo recente na Contabilidade. Assim, enquanto as normas contabilísticas, no passado, visavam, sobretudo, dar apoio à utilização do custo histórico no relato financeiro, com o passar do tempo, fruto do desenvolvimento dos mercados e da evolução das necessidades de informação dos seus utilizadores, outras bases de mensuração, assentes em valores correntes, começaram a ganhar importância, passando a estar também contempladas nas mesmas, como nas relativas aos instrumentos financeiros. Contudo, como dão a entender os autores, apesar de estas, individualmente, passarem a prever procedimentos que englobavam a utilização tanto de valores correntes como de valores históricos no relato financeiro, tal mudança não foi devidamente transmitida para as ECs, que, por esta via, estando essencialmente concebidas para orientar a aplicação de um modelo baseado no custo histórico, deixaram de estar ajustadas a esta nova realidade, caracterizada, como se viu, pela adesão cada vez maior ao uso de valores atuais na Contabilidade. Além disso, apesar das entidades de normalização estarem a dedicar muitos esforços em resolver o debate entre custo histórico e valor corrente, para os autores, o debate não se resume a qual dos dois deve ser mais utilizado no relato financeiro. Adicionalmente, existe também o dilema de como o valor corrente deve ser definido e medido. Assim, enquanto as ECs não proporcionarem uma orientação específica sobre a etapa de mensuração, a ambiguidade ligada a este processo continuará a existir (Barth, 2007).

Tal como foi mencionado na parte do Reconhecimento, é necessário que os itens sejam passíveis de serem mensurados com fiabilidade e que seja provável que fluam benefícios económicos pelos mesmos no futuro para que estes sejam reconhecidos nas demonstrações financeiras. Adicionalmente, o resultado é visto como uma medida dos recursos existentes numa empresa num dado período, aumentando em função de um acréscimo nos ativos ou redução nos passivos (Bullen & Crook, 200537, mencionado em Barker & Teixeira, 2018, p.

154), e vice-versa. Na opinião de Barker e Teixeira (2018, p. 154), “tal abordagem implica uma suposição de que um foco no reconhecimento e mensuração de um ativo (ou passivo) é concetualmente suficiente para atender à procura por utilidade, pese embora, na prática, essa suposição parece nem sempre ser válida e, por conseguinte, oferece orientação concetual incompleta”.

Como foi relatado nessa secção, por vezes um item não cumpre com a definição de ativo, dado o seu valor não ser passível de ser estimado com fiabilidade, mas a informação

37A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Barker e Teixeira (2018) é a seguinte:

31 relativa ao mesmo, apesar de ser subjetiva, é relevante. Assim, por força dessa limitação, o item pode não ser reconhecido, o que pode ser visto como um entrave à utilidade da informação para os decisores (tendo sido referenciado o capital intelectual como grande exemplo). Além disso, a EC, ao focar nos conceitos de ativo e passivo, dá a entender que a Contabilidade pode (e deve) ser determinada com base na demonstração da posição financeira (Barker & Teixeira, 2018). Contudo, os autores constatam que vários critérios subjacentes à elaboração do relato financeiro estão orientados inicialmente para a demonstração de resultados, não estando em linha de conta com a EC. Consequentemente, devia ser feita, na sua visão, uma reconciliação desses critérios com os princípios da estrutura.

Uma outra lacuna apontada à EC do IASB é que existem vários conceitos importantes que estão presentes em normas individuais emitidas pelo IASB, mas que não constam na EC (Barker & Teixeira, 2018), sendo exemplo disso o conceito de justo valor, que surge definido em algumas IAS, mas não é referido em nenhum lugar na EC, apesar de, como vimos, serem apresentadas manifestações desse conceito, como o valor presente, o valor realizável e o custo corrente. Como explicam os autores, tal sugere que questões conceituais são pensadas especificamente ao nível de cada norma individual e, posteriormente, são (ou poderão ser) traduzidas para a EC, quando devia ser feito o contrário, isto é, ser desenvolvida uma EC abrangente, traduzindo princípios gerais que funcionassem como um guia global para cada uma das normas. Assim, a EC estaria apta a ajudar o IASB a desenvolver as suas normas, através da “aplicação consistente de uma lógica subjacente” (p. 154-155).

De forma geral, a ambiguidade descrita pelos autores deve-se em muito a uma especificação incompleta do objetivo de uma contabilidade por accruals, que aparece apenas referenciada no parágrafo OB17 da EC do IASB (2010), em que é dito o seguinte: “A contabilidade por accruals descreve os efeitos de transações e outros eventos e circunstâncias sobre os recursos económicos e reivindicações de uma entidade de relato nos períodos em que esses efeitos ocorrem, mesmo que os recebimentos e pagamentos de caixa resultantes ocorram num período diferente. Isto é importante porque informação sobre os recursos económicos e reivindicações de uma entidade de relato e alterações nos seus recursos económicos e reivindicações durante um período fornecem uma base melhor para avaliar o desempenho passado e futuro da entidade do que as informações exclusivas sobre recebimentos e pagamentos em caixa durante esse período”. Na visão de Barker e Teixeira (2018), perante a leitura deste parágrafo, não é possível entender os motivos, dados os

32 objetivos de investimento e de administração do relato financeiro, de a contabilidade por

accruals ter vantagens informacionais que a tornem numa forma de avaliar os desempenhos

passados e futuros das entidades melhor do que a informação relacionada com fluxos de caixa.

Segundo os autores, os accruals tanto podem alocar um preço de transação a um ou mais períodos contabilísticos ou mensurar um ativo ou passivo a um valor atual. Os primeiros estão sobretudo associados a uma contabilidade baseada no custo histórico, enquanto os últimos são caracterizados como contabilidade a justo valor ou focada no balanço (Penman, 2007). O primeiro tipo de contabilidade não visa dar um valor específico a um ativo ou passivo, seja ele um preço de troca, de saída ou de reposição. Devido à ênfase da EC nos conceitos de ativo e passivo, essas formas de mensuração apenas se relacionam com itens do balanço que cumpram com os requisitos de reconhecimento desses elementos. Assim, as IAS que abordam o custo histórico normalmente debruçam-se sobre a mensuração de rendimentos e gastos, sendo a atribuição de valor a um ativo ou passivo uma consequência da mensuração inicial (Basu & Waymire, 201038; Sprouse 196639, mencionados em Barker &

Teixeira, 2018, p. 156). De maneira distinta, as normas focadas em valores atuais, como o justo valor, procuram dar uma resposta específica a como mensurar os ativos e os passivos, sendo o valor do respetivo rendimento ou gasto um resultado dessa mensuração. Na opinião de Barker e Teixeira (2018), a contabilidade por accruals pode ser aplicada de maneiras distintas, o que resulta de fatores diversos, que não são adequadamente explorados na EC. Para os autores, “a questão crucial é quando os accruals devem ser baseados em preços de transação e quando devem alterar para valores correntes” (p. 156).

Na perspetiva de Barker e Teixeira (2018), os accruals possuem um papel muito importante na contabilidade. O reconhecimento de qualquer ativo nas demonstrações financeiras, que não seja puramente dinheiro, é uma consequência dessa contabilidade. Os autores salientam também que os critérios de mensuração existem meramente por causa da contabilidade por accruals. Posto isto, na sua opinião, qualquer EC devia ser suficientemente precisa e esclarecedora sobre o seu funcionamento, de forma a indicar e clarificar o modo como as mensurações iniciais e subsequentes de transações deviam ser feitas, globalmente,

38 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Barker e Teixeira (2018) é a seguinte:

Basu, S., & Waymire, G. (2010). Sprouse’s what-you-may-call-its: Fundamental insight or monumental mistake? Accounting Historians Journal, 37(1), 121–148

39A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Barker e Teixeira (2018) é a seguinte:

33 para que o IASB pudesse, a posteriori, aplicar tais orientações nas suas normas, em termos individuais.

Como já foi dito, o objetivo das demonstrações financeiras não é fazer conjeturas acerca do valor de uma empresa, mas sim proporcionar informação relevante que seja capaz de auxiliar na previsão da geração de fluxos de caixa no futuro. As questões que se colocam no âmbito da contabilidade por accruals são quais os aspetos do processo de criação de valor de uma entidade que devem ser revelados nas mesmas, bem como quais as diferenças que existem relativamente a uma contabilidade baseada no apuramento de cash (Black, 198040,

mencionado em Barker & Teixeira 2018, p. 155).

Relativamente à contabilidade por accruals, é apontada como principal omissão da EC o facto de negligenciar as diversas maneiras pelas quais o valor de uma empresa pode ser criado, mediante modelos de negócio distintos, o que faz com que os utilizadores exijam informação que tenha uma ligação concreta com a entidade de relato (Barker & Teixeira, 2018). Na sua perspetiva, a EC do IASB “faz pouco para explorar a finalidade pela qual uma entidade realiza uma transação. Isso implica que o modelo de negócio pode ser útil na seleção de atributos de mensuração, mas não diz porquê ou como. Também não considera as condições sob as quais se supõe que as transações sejam celebradas, embora as diferenças nessas condições sejam consequenciais para a conceção de informação contabilística útil.” (p. 156). Para os autores, este é um aspeto importante, pois os stakeholders precisam de tomar decisões fundamentadas, tendo, para o efeito, de conhecer a natureza, a finalidade e o contexto do negócio da entidade em causa. O que é importante, na visão de Barker e Teixeira, não são os fluxos de caixa gerados no próprio período, mas antes a forma como a informação sobre as transações e eventos ocorridos na entidade podem servir de input para os modelos de avaliação de empresas por parte dos investidores, permitindo-lhes tomar decisões mais refletidas em contextos de incerteza.