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3. O desenvolvimento do conceito de Justo Valor

3.5. Rivalidade entre Custo Histórico e Justo Valor

3.5.3. Outras considerações sobre o Custo Histórico e o Justo Valor

3.5.3.1. Volatilidade das demonstrações financeiras

Face a todas as vantagens e desvantagens já expostas anteriormente, existem também outras considerações que são relevantes para a posterior discussão da viabilidade do justo valor na Contabilidade enquanto base adequada para a mensuração de ativos e passivos. Um aspeto muito importante apontado pelos críticos deste modelo prende-se com a consequente introdução de volatilidade nas demonstrações financeiras (André et al., 2009; Barth & Landsman, 2010; Beatty, 2007; Bignon et al., 2009; Brousseau, Gendron, Bélanger & Coupland, 2013; CFA, 2005231; Chen, Tan & Wang, 2013; Hitz, 2007; Magnan, 2009;

Magnan et al., 2015; Martín & Osma, 2009; McEnally, 2007a; Palea, 2015; Palea & Maino, 2013; Ronen, 2012; So & Smith, 2009) , fruto de uma maior orientação para o curto prazo (Allen & Carletti, 2008; André et al., 2009), pois acreditam que oscilações momentâneas no mercado possam conduzir a grandes flutuações numa base relativamente corrente no valor dos ativos e passivos das organizações, nomeadamente do setor bancário, onde o justo valor é mais utilizado (Walton, 2004232, mencionado em André et al., 2009, p. 6), efeitos que podem

ser mais amplos nos casos em que os mercados são ilíquidos e os preços dos ativos são, por natureza, mais voláteis (Chen et al., 2013; Ronen, 2012).

A este respeito, Barth (2004233, mencionado em Barth & Landsman, 2010, p. 404)

esclarece que existem três fontes primárias de volatilidade relacionadas com o uso do justo valor, adicionalmente às existentes na utilização do custo histórico modificado. A primeira consiste na “verdadeira volatilidade económica subjacente que é refletida nas mudanças nos justos valores dos ativos e passivos” (Barth & Landsman, 2010, p. 404). Por outras palavras,

231 Mencionado em Walton (2006, p. 341). A referência bibliográfica completa apresentada no seu

trabalho é a seguinte: CFA (2005). A Comprehensive Business Reporting Model: financial reporting for investors. Center for Financial Market Integrity, CFA Institute, Charlottesville, Va. USA.

232 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de André et al. (2009) é a seguinte: Walton,

P. (2004) IAS 39: Where Different Accounting Models Collide, Accounting in Europe, 1, pp. 5–16.

233 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Barth e Landsman (2010) é a seguinte:

Barth, M. E. (2004) Fair values and financial statement volatility, in: C. Borio, W.C. Hunter, G.G. Kaufman and K. Tsatsaronis (Eds) The Market Discipline Across Countries and Industries, pp. 323–333 (Cambridge, MA: MIT Press)

164 traduz-se na volatilidade inerente à atividade da empresa e alterações no contexto económico, correspondendo, portanto, à volatilidade do ativo, em específico, não a uma volatilidade derivada de forças contabilísticas (Palea & Maino, 2013). Segundo Barth (2004), esta é a volatilidade que torna os resultados informativos para os investidores. Continuando o seu raciocínio, a autora refere que outro tipo de volatilidade está associado à utilização de bases de mensuração diferentes no modelo contabilístico, como, por exemplo, a utilização do justo valor para certos ativos e o custo histórico para outros, criando, por esta via, oscilações artificiais nos números (Beatty, 2007; Magnan, 2009). Por fim, a autora indica que poderá existir um terceiro tipo de volatilidade, também ela indesejada, ligada à ocorrência de erros de mensuração nas estimativas do justo valor. Como vimos atrás, a determinação do justo valor de um ativo pode ser demasiado subjetiva e complexa, sobretudo se for utilizado o nível 3, onde não é possível observar diretamente o preço de mercado de um ativo e é necessário recorrer a estimativas, aumentando, como tal, a margem para erros de mensuração (Palea & Maino, 2013).

Assim, como apontam Hitz (2007) e Brousseau et al. (2013), a volatilidade adicionada pelo justo valor tanto pode ser benéfica como prejudicial no processamento da informação financeira por parte dos investidores. Utilizando os termos de Brousseau et al. (2013, p. 2), a contabilidade a justo valor tanto poderá “ajudar os investidores ao refletir a “verdadeira” volatilidade dos resultados da empresa nas suas demonstrações financeiras”, como poderá “impedir a sua capacidade de avaliar a volatilidade fundamental (operacional) da empresa ao adicionar ruído aos números da demonstração de resultados”. Deste modo, existem elementos a apoiar tanto um argumento como o outro.

Do lado das críticas ao justo valor, Palea e Maino (2013) evidenciam que, mesmo nos casos de utilização de múltiplos de transação e de mercado para o apuramento do valor de um determinado ativo ou passivo, considerados vulgarmente como inputs suficientemente objetivos, os valores de saída atuais e a volatilidade são frequentemente mais elevados do que o que deviam. Por esse motivo, Buffet (2003234, citado em Palea, 2015, p. 7) chega

mesmo a afirmar que a contabilidade mark-to-model pode ser “um prejuízo em larga escala”. Também o Banco Central Europeu faz abordagens à volatilidade artificial suscitada por este critério, enfatizando que esta pode afetar os requisitos de capital dos bancos, bem como implicar efeitos prejudiciais sobre um sistema financeiro estável para as empresas, que é um

234A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Palea (2015) é a seguinte: Buffet W.

165 indutor crucial para um crescimento equilibrado (Enria et al., 2004235, mencionado em Palea,

2015, p. 7).

Além disso, os opositores ao justo valor referem que este, definido como um preço de saída, acrescenta volatilidade aos resultados, pois ao refletir as condições económicas a cada momento, poderá estar na origem da introdução de expectativas futuras de aumento do preço de certos ativos na demonstração de resultados, que poderão ser contínuas e traduzir- se em price bubbles, dando eventualmente aos seus utilizadores uma imagem errónea do desempenho da entidade de relato (Benston, 2008; Magnan et al., 2015). Fruto desta reflexão permanente de mudanças de curto prazo nos mercados característica do justo valor, Allen e Carletti (2008) alertam para outro problema, neste caso no setor bancário. Os autores referem que, em períodos de crise financeira, os preços dos ativos dos bancos passam a refletir o montante de liquidez disponível, em detrimento dos fluxos de caixa subjacentes que se esperam vir a ser gerados no futuro. Por esta via, o justo valor dos ativos poderá decrescer a tal ponto que se tornará inferior ao valor dos passivos, tornando os bancos insolventes, embora demonstrassem capacidade de cumprir com os seus compromissos caso pudessem deter os ativos até à maturidade.

Neste sentido, a volatilidade associada à aplicação do justo valor pode não refletir a realidade, mas ser apenas uma consequência das normas contabilísticas, contribuindo para a distorção da tomada de decisões ao nível da gestão, pois é criado um risco supérfluo que pode eventualmente alterar o seu comportamento e capacidade de investimento (Beatty, 2007; Plantin et al., 2008; Bignon et al., 2009; Chen et al., 2013). Como diz um dos CFOs inquiridos no estudo feito por Dichev, Graham, Harvey e Rajgopal (2013236, citado em

Magnan et al., 2015, p. 568), “a contabilidade ao justo valor cria um nível de volatilidade e mudança, mesmo que nada no negócio pareça ter mudado. Essa é a nova fronteira da confusão”. Este comentário é consistente com a opinião de Givoly e Hayn (2000237,

mencionados em Magnan et al., 2015, pp. 568-569), que sustentam que o uso do justo valor vai de encontro ao reconhecimento de itens mais transitórios na demonstração de

235 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Palea (2015) é a seguinte: Enria, A.,

Cappiello, L., Dierick, F., Grittini, S., Haralambous, A., Maddaloni, A., Molitor, P. A. M., Pires, F., & Poloni, P. (2004). Fair value accounting and financial stability.. European Central Bank Occasional Paper No. 13, 13 April.

236 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Magnan et al. (2015) é a seguinte:

Dichev, I. D., Graham, J. R., Harvey, C. R., & Rajgopal, S. (2013). Earnings quality: Evidence from the field.

Journal of Accounting and Economics, 56(2–3), 1–33.

237 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Magnan et al. (2015) é a seguinte:

Givoly, D., & Hayn, C. (2000). The changing time-series properties of earnings, cash flows and accruals: Has financial reporting become more conservative? Journal of Accounting and Economics, 29(3), 287–320.

166 resultados, o que faz aumentar a sua volatilidade, assim como, possivelmente, reduzir o seu caráter preditivo, visão partilhada também por Christie (1992238), Wilson e Rasch (1998239) e

Poon (2004240), todos mencionados em Hitz (2007, p. 347)

Por fim, os oponentes do justo valor suportam-se em evidência empírica de que os resultados com base nesse critério são mais voláteis que os apresentados sob o custo histórico (ver, por exemplo, os estudos de Barth [1994] e Landsman [2007]), defendendo que esta última base de mensuração garante a transparência e a independência da informação em relação à volatilidade trazida pelo mercado, sendo este aspeto claramente uma vantagem. Do lado dos louvores em relação ao justo valor, os seus proponentes acreditam que este tem uma conotação económica e, como tal, a volatilidade associada a este critério é também ela economicamente real (CFA, 2005241; McEnally, 2007a; Rankin, 2009242; Sprouse, 1987243;

Wyatt, 1991244). À semelhança de McEnally (2007a), como comenta com alguma

profundidade o tema o instituto CFA (2005), “os oponentes do relato ao justo valor argumentam que a mensuração e o reconhecimento de ativos e passivos ao justo valor nas demonstrações financeiras introduzem volatilidade nas demonstrações financeiras. Nós argumentamos o contrário: se a mensuração ao justo valor resulta em maior volatilidade, então a mensuração apenas desmascarou a verdadeira realidade económica que já existia. Uma das avaliações mais importantes que os investidores devem fazer é averiguar o grau de risco ao qual um investimento está exposto: quanto maior a volatilidade, maior o risco. (…) Os métodos de relato que mascaram a verdadeira volatilidade fazem um grande desserviço aos investidores, prejudicam a sua capacidade de tomar decisões de investimento bem fundamentadas e podem resultar em alocações ineficientes de capital”.

238 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Hitz (2007) é a seguinte: Christie, A.

A. (1992) An analysis of the properties of fair (market) value accounting, in: K. Lehn and R. W. Kamphuis (Eds) Modernizing U.S. Securities Regulation: Economic and Legal Perspective, pp. 85– 109 (New York: Irwin)

239A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Hitz (2007) é a seguinte: Wilson, A.

C. and Rasch, R. H. (1998) New accounting for derivatives and hedging activities, CPA Journal, 68, pp. 22–27

240A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Hitz (2007) é a seguinte: Poon, W. W.

(2004) Using fair value accounting for financial instruments, American Business Review, 22(1), pp. 39 –41

241 Citado em Walton (2006, p. 341). A referência bibliográfica completa apresentada no seu trabalho é a

seguinte: CFA (2005). A Comprehensive Business Reporting Model: financial reporting for investors. Center for Financial Market Integrity, CFA Institute, Charlottesville, Va. USA.

242 Citado em Mala e Chand (2012, p. 34). A referência bibliográfica completa apresentada no seu trabalho

é a seguinte: Rankin, G., 2009, The heat is on. In The Black. CPA Australia 2, 10–11.

243 Mencionado em Hitz (2007, p. 347). A referência bibliográfica completa apresentada no seu trabalho

é a seguinte: Sprouse, R. T. (1987) Commentary on financial reporting, Accounting Horizons, 1(1), pp. 87– 90.

244Mencionado em Hitz (2007, p. 347). A referência bibliográfica completa apresentada no seu trabalho

167 No que concerne à volatilidade resultante de erros de mensuração nas estimativas do justo valor, Barth e Landsman (2010) salientam que este tipo de volatilidade pode emergir não só neste método, mas em qualquer outro modelo de mensuração que seja assente em estimativas, entre eles o custo histórico modificado. Além disso, os autores acrescentam que esta volatilidade só terá impacto negativo se os benefícios informacionais, como a sua relevância, forem inferiores aos custos e, neste âmbito, indicam existir evidência empírica a sugerir o contrário (p. 404).

Para finalizar, foi mencionado há pouco que uma das repercussões da volatilidade do justo valor se traduz na redução da capacidade de prever o futuro, na medida em que este se inspira muitas vezes em estimativas, tornando o valor dos ativos e passivos, naturalmente, mais incerto. Barth (2006) concorda que o resultado contabilístico das empresas se torne menos previsível com a adoção de bases de mensuração assentes em estimativas, como o justo valor, mas salienta que o objetivo do relato financeiro é o de proporcionar informação útil aos seus utentes para a tomada de decisão e, em concreto, ajudá-los a prever os fluxos de caixa que se esperam vir a ser gerados no futuro. Assim, na sua visão, o que importa é se os resultados da empresa conseguem informar os stakeholders sobre os cash-flows que a empresa poderá obter no futuro através dos seus ativos e passivos, não se o resultado é, ele próprio, previsível. A autora continua o seu argumento, esclarecendo que, embora menos previsível, o resultado derivado da mensuração de ativos e passivos com base num critério assente em estimativas, como o justo valor, fornece informação útil aos seus utilizadores, pois “as diferenças entre expectativas e realizações em qualquer período específico, bem como mudanças nas expectativas futuras, revelam mudanças nas circunstâncias económicas que ocorreram durante o período atual. Como o resultado também incluiria o retorno esperado sobre os ativos líquidos da entidade, o resultado agregado refletiria até que ponto a entidade ganhava mais ou menos que o esperado com base no risco dos seus ativos líquidos” (Barth, 2006, p. 282).

Paralelamente, So e Smith (2009) mostram no seu trabalho que, no caso concreto das propriedades de investimento, a inclusão e apresentação de ganhos e perdas não realizados na demonstração de resultados dá origem a críticas sobre a variabilidade dos resultados e, consequentemente, a uma maior confusão por parte dos investidores. Contudo, segundo a

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International Accounting Standards Committee Foundation (2008245, mencionado em So e Smith

2009, p. 104), no documento intitulado de “Basis for Conclusions on IAS 40”, já era referido que essa forma de representação era a maneira mais relevante e transparente de retratar contabilisticamente as propriedades de investimento. Como dizem So e Smith (2009, p. 104), “afinal, o objetivo das demonstrações financeiras não é suavizar os números dos resultados (…), mas refletir a realidade económica para a tomada de decisão económica”.