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3. O desenvolvimento do conceito de Justo Valor

3.1. Origens do Justo Valor

3.1.3. União Europeia

A UE é uma união económica e política, composta por países maioritariamente europeus, que representa uma fatia muito significativa do mercado global face ao seu considerável dinamismo económico. As suas políticas têm como objetivos essenciais assegurar a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, legislar assuntos judiciais comuns e instituir e manter políticas comuns a todos os países integrantes relativas a diversas áreas económicas. A regulamentação relativa à informação financeira é também uma das suas competências, sendo estabelecida, por conseguinte, pelas instituições da Europa (Palea, 2015).

A este respeito, o principal instrumento usado pela UE para assegurar a harmonização contabilística são as Diretivas Contabilísticas, que são propostas pela Comissão Europeia e

91 posteriormente aprovadas pelo Conselho da UE (ou simplesmente Conselho), ou pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho (Bastos, 2009, pp. 92-95). Estas Diretivas têm como alvo os estados-membros da UE, que têm necessariamente que transpô-las para o seu ordenamento jurídico respetivo, podendo usar, para o efeito, os caminhos e medidas que acharem mais adequadas para incorporá-las nos seus países, tendo, no entanto, prazos estipulados para atingir determinado resultado, aos quais devem obedecer.

De entre as várias Diretivas Contabilísticas emitidas pela UE, são de salientar a Quarta Diretiva do Conselho (78/660/CEE), de 25 de julho de 1978139, e a Sétima Diretiva do

Conselho (83/349/CEE), de 13 de junho de 1983140, que, resumidamente, procuraram

harmonizar a elaboração das demonstrações financeiras das sociedades e dos grupos de empresas pertencentes à UE (Bastos, 2009). Nestes atos legislativos estão não só estipuladas as regras comuns à preparação da informação financeira, a ser divulgada ao público por parte das sociedades que sejam obrigadas a fazê-lo, mas também as regras referentes à proteção dos interesses dos sócios, acionistas e terceiros. Em concreto, a Quarta Diretiva refere-se às contas individuais, exigindo a todas as empresas de responsabilidade limitada a elaboração de contas anuais, e a Sétima Diretiva encontra-se orientada para as contas consolidadas, exigindo que as empresas-mãe elaborem não só contas individuais, mas também contas consolidadas, assim como um relatório anual consolidado, onde seja descrita a situação financeira do grupo como se este fosse uma única entidade.

Estas Diretivas, por um lado, vieram introduzir nos países anglo-saxónicos modelos de demonstrações financeiras uniformes, prática que não era comum nesses países até então (Bastos, 2009). Por outro lado, após serem implementadas, as Diretivas possibilitaram a introdução de conceitos provenientes desses países nos países de influência continental, que, até esse momento, não eram utilizados, de que é exemplo a implementação do conceito de “imagem verdadeira e apropriada” (do inglês, “true and fair view”), que visava harmonizar a apresentação das demonstrações financeiras a uma escala internacional (Abreu et al., 2009).

139 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Bastos (2009) é a seguinte:

CONSELHO DA COMUNIDADE ECONÓMICA EUROPEIA (CCEE). (1978). Contas Anuais de Certas Formas de Sociedades. Directiva 78/660/CEE. 25 de Julho. Bruxelas: Quarta Directiva, publicada no Jornal Oficial n.º L 222 de 14/08/1978.

140 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Bastos (2009) é a seguinte:

CONSELHO DA COMUNIDADE ECONÓMICA EUROPEIA (CCEE). (1983). Relativa às Contas Consolidadas. Directiva 83/349/CEE. 13 de Junho. Bruxelas: Sétima Directiva, publicada no Jornal Oficial n.º L 193 de 18/07/1983.

92 O grande objetivo da emissão destas Diretivas prendeu-se com o aumento da qualidade das normas contabilísticas, designadamente a necessidade de incrementar a comparabilidade da informação financeira entre as várias empresas existentes na UE (Bastos, 2009). Pese embora as Diretivas tenham providenciado os mesmos princípios básicos e um conjunto de regras contabilísticas a seguir minimamente por todos os países, permitiram aos mesmos escolher, de entre um vasto leque de opções, as que se aproximavam mais às suas práticas correntes (Bastos, 2009; Palea, 2015). Assim, ao dar esta flexibilidade de escolha no caminho a seguir para atingir esses objetivos, as Diretivas permitiram que cada país implementasse na sua respetiva legislação soluções conexas com as suas origens históricas, culturais, legislativas e económicas, e, por conseguinte, o seu efeito nas leis nacionais foi diferente de país para país (Palea, 2015). Deste modo, o objetivo desejado de harmonização do relato financeiro entre diversos países não foi devidamente concretizado, levando a que a Comissão Europeia debruçasse esforços adicionais na elaboração de uma nova estratégia para atingir tal propósito (Bastos, 2009).

Dando mais ênfase ao conteúdo das Quarta e Sétima Diretivas, especialmente no que diz respeito ao tema da mensuração, a Quarta Diretiva estabelecia no seu nº3 do artigo 2º que “as contas anuais devem dar uma imagem fiel do património, da situação financeira, assim como dos resultados da sociedade” (citada em Bastos, 2009, p. 93), declaração semelhante à realizada na Sétima Diretiva no seu nº3 do artigo 16º, desta feita referindo-se às contas consolidadas. Tanto uma como a outra abordavam não só os requisitos associados à apresentação das contas, mas também os princípios a serem cumpridos pelas empresas pertencentes à EU na valorização dos diversos itens que constassem nas suas contas anuais e consolidadas.

Deste modo, no que diz respeito aos critérios de mensuração, a Quarta Diretiva salientava no seu artigo 32º que a mensuração dessas rubricas devia ser suportada em preços de aquisição, obtidos através da soma do preço de compra com as despesas acessórias à mesma (artigo 35º, nº2), ou em custos de produção, resultantes da adição do preço de aquisição das matérias-primas e de consumo e dos custos diretamente imputáveis ao produto em causa (artigo 35º, nº3), replicando-se o mesmo na Sétima Diretiva. Assim, ambas as Diretivas destacavam o custo histórico como método nuclear de avaliação de ativos e passivos, caracterizado pela prudência na elaboração das contas, embora dessem a permissão aos estados-membros de autorizar ou obrigar as empresas a usarem, em determinados contextos e relativamente a alguns elementos, outros critérios, visando acolher diferentes

93 sensibilidades que os países pudessem ter (Bastos, 2009). Um desses outros critérios seria, por exemplo, o justo valor ou manifestações deste conceito. Neste domínio, enquanto que os países da Europa Continental se encontravam totalmente voltados para uma contabilidade a custo histórico, o Reino Unido, por exemplo, permitiu a aplicação do justo valor em alguns itens (Palea, 2015).

No entanto, as Diretivas não foram alvo de modificações durante muito tempo, o que levou a que estas não contemplassem o tratamento contabilístico de certas situações, o que, por si só, complicou o objetivo de harmonização desejado (Bastos, 2009). Assim, sendo reconhecida simultaneamente a falta de eficácia das Diretivas e a relevância da harmonização do relato financeiro das empresas dos estados-membros, a UE procurou encontrar soluções para resolver estes problemas. Uma das soluções ponderadas foi a possibilidade de ser criado um organismo autónomo, responsável pela criação, desenvolvimento e difusão de normas contabilísticas, mas que não passou de um projeto, devido, por um lado, à necessidade de criar legislação específica e, por outro lado, à morosidade associada ao desenvolvimento de normas de Contabilidade.

Esta, bem como outras soluções analisadas pela Comissão Europeia, constam de uma comunicação feita em 1995, denominada de “Harmonização Contabilística: uma Nova Estratégia Relativamente à Harmonização Internacional” (COM 95 (508) PT141, mencionado

em Bastos, 2009, pp. 95-96), que, como se pode ver no nome, aborda a nova estratégia da Comissão com o intuito de atingir a harmonização contabilística. De entre o conteúdo diverso presente nesta comunicação, é de referir a ênfase colocada pela UE na necessidade de fortalecer o seu contributo no âmbito da normalização internacional e de facilitar o acesso dos operadores europeus aos mercados de capitais internacionais, sem que haja infrações no quadro contabilístico da comunidade. Entre as várias soluções propostas, a que mais agradava à UE era a imposição de um normativo comum a todos os países baseado nas IAS, emitidas pelo IASC. Neste sentido, em junho de 2000 foi emitida uma comunicação intitulada de “Estratégia da UE para o Futuro em Matéria de Informações Financeiras a Prestar pelas Empresas” (COM (2000) 359 final PT142, mencionado em Bastos, 2009, p. 96),

141 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Bastos (2009) é a seguinte:

COMISSÃO EUROPEIA (CE). (1995). Harmonização Contabilística: uma Nova Estratégia Relativamente à

Harmonização Internacional. COM 95 (508) PT. Disponível em:

http://ec.europa.eu/internal_market/accounting/docs/com-95-508/com-95-508_pt.pdf , 03-03-2008.

142 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Bastos (2009) é a seguinte:

94 onde foi proposto que todas as empresas da UE com cotação em mercados regulamentados passassem a preparar as suas demonstrações financeiras consolidadas tendo por base um único referencial contabilístico, no caso, as IAS, o mais tardar a partir de 2005. Desde aí, a UE começou a dar suporte aos esforços conjuntos do IASB e da IOSCO, no sentido de ser criado um conjunto de normas contabilísticas que fosse uniformemente utilizado pelas diferentes empresas dos vários estados-membros e que fosse igualmente aceite pelos diversos mercados de capitais a nível global (Bastos, 2009).

No entanto, para que tal fosse possível, era necessário assegurar que não só as IAS existentes até à data, mas também as futuras normas que viessem a ser desenvolvidas, fossem compatíveis com a legislação comunitária. Assim, em 2001, foi elaborado pelo Comité de Contacto das Diretivas Contabilísticas um documento, a ser usado internamente pela Comissão Europeia, seguindo os esforços da comunicação feita em 1995, denominado de “Análise da Conformidade entre as Normas Internacionais de Contabilidade (IAS) 1 a 41 e as Diretivas Contabilísticas da União Europeia”143, mencionado em Bastos (2009, pp. 96-

97). O seu propósito passava por examinar o grau de conformidade entre os requisitos contabilísticos das IAS e das Diretivas Contabilísticas, de maneira a que a aplicação das IAS não conflituasse com as Diretivas. Desse documento foi possível concluir que, genericamente, não havia diferenças consideráveis entre as duas, com a exceção de assuntos ligados à adoção do justo valor como forma de mensuração de ativos e passivos.

Contudo, como aponta Bastos (2009, p. 97), pese embora “as Directivas Contabilísticas permaneçam na base das regras contabilísticas aplicáveis às empresas de responsabilidade limitada na UE, o facto é que as mesmas deixaram de se adequar às exigências dos mercados financeiros internacionais”. As empresas da Europa que visassem obter capital em mercados internacionais ou dispor os seus títulos para negociação nesses mercados, estavam obrigadas a elaborar dois modelos de contas, um a obedecer aos requisitos das Diretivas Contabilísticas da UE e à legislação do seu país e outro mais voltado para as exigências dos mercados de capitais do mundo inteiro. Tal representava um entrave tanto para as empresas, que suportavam custos acrescidos na preparação de informação para diferentes destinatários,

Prestar pelas Empresas. COM (2000) 359 Final PT. Disponível em:

http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2000:0359:FIN:PT:PDF , 03-03-2008.

143 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Bastos (2009) é a seguinte: COMITÉ

DE CONTACTO DAS DIRECTIVAS CONTABILÍSTICAS. (2001). Análise da Conformidade entre as Normas

Internacionais de Contabilidade (NIC) 1 a 41 e as Directivas Contabilísticas da União Europeia. Disponível em:

95 como para os seus stakeholders, que poderiam ter mais dificuldades na compreensão e interpretação da informação proveniente de documentos distintos.

Como já foi referido, as Diretivas Contabilísticas comportavam uma grande flexibilidade de escolha por parte dos estados-membros, no sentido de acolher contextos específicos inerentes a cada sistema contabilístico. No entanto, o fenómeno da globalização, o surgimento de novos produtos financeiros, o esplêndido desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, assim como outros fatores, vieram ressaltar o desajustamento das opções permitidas pelas Diretivas Contabilísticas face à realidade económica corrente, estando, portanto, desatualizadas em relação aos desenvolvimentos ocorridos na normalização internacional, designadamente os avanços técnicos registados nas IAS e nos US GAAP (Bastos, 2009).

Neste sentido, com o propósito de ajustar as Diretivas Contabilísticas às práticas económicas recentes, bem como à evolução das normas contabilísticas reconhecidas a um nível internacional, foi proposta pela Comissão Europeia uma modernização das mesmas. Esta proposta visava minimizar eventuais divergências entre as Diretivas e as IAS e assegurar a consistência das primeiras com a realidade contabilística atual (Bastos, 2009). Em termos práticos, para as empresas cujas operações tinham impacto a nível internacional, o objetivo era possibilitar que estas conseguissem adaptar-se às exigências mais complexas dos mercados de capitais, em termos de qualidade da informação financeira, evitando, por conseguinte, a reexpressão das suas demonstrações financeiras.

Face à utilização crescente dos instrumentos financeiros, quer primários, como as ações e obrigações, quer derivados, como os swaps, os futuros e as opções, resultante do dinamismo significativo dos mercados financeiros mundiais, as principais entidades de normalização internacionais começaram a deslocar as suas atenções para um modelo de mensuração desses instrumentos assente no justo valor, afastando-se do modelo tradicional baseado no custo histórico. A este respeito, não querendo ficar para trás e desejando assegurar a viabilidade da adesão às IAS por parte de todas as empresas cotadas em bolsas europeias, a Comissão Europeia aprovou, em 2001, alterações às Quarta e Sétima Diretivas, através da publicação de uma nova diretiva, a Diretiva 2001/65/CE, também conhecida como “Diretiva do Justo Valor”144, que constituiu um marco importante para a modernização das mesmas, que, como

144 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Bastos (2009) é a seguinte:

PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA (2001). Altera as Directivas 78/660/CEE, 83/349/CEE e 86/635/CEE Relativamente às Regras de Valorimetria Aplicáveis às Contas Anuais e Consolidadas de Certas Formas de Sociedades, bem como dos Bancos e de Outras Instituições

96 referido atrás, já não eram atualizadas há bastante tempo (Bastos, 2009, pp. 98-101). É de salientar que as modificações à Sétima Diretiva são resultantes diretamente das modificações feitas na Quarta Diretiva, dado estarem interligadas, visando garantir a sua coerência.

De forma semelhante, a Diretiva 2001/65/CE também constituiu uma etapa importante no desenvolvimento do paradigma do justo valor, pois essa Diretiva passou a acolher este critério no tratamento contabilístico de determinados ativos e passivos financeiros. Além disso, esta Diretiva viria a ser um contributo essencial para a aprovação do Regulamento n.º 1606 do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia, por parte da UE, em 2002, que será mais detalhado para a frente, mas que, em síntese, permitiu a certas empresas comunitárias a adoção das IAS, que já faziam menção ao conceito de justo valor.

Em particular, à Quarta Diretiva foi adicionada uma nova secção, chamada de “Avaliação pelo Justo Valor”, que dava a opção aos países pertencentes à UE de autorizarem ou obrigarem todas as empresas, ou determinadas categorias de empresas, a mensurar todos os instrumentos financeiros pelo justo valor, nomeadamente os derivados, à exceção de alguns itens especificados no diploma (Lemos & Rodrigues, 2007145, mencionados em

Conceição, 2009, p. 31). As formas de determinar o justo valor surgem no seu artigo 42º B da mesma secção, onde é indicado, embora de forma muito genérica, como se deve apurar o justo valor para os instrumentos financeiros (Bastos, 2009). Para tal, seria necessário ter como referência um mercado para o qual se pudesse obter um valor fiável do instrumento financeiro em causa. Contudo, caso não fosse possível estabelecer essa ligação, dever-se-ia recorrer a modelos e técnicas de avaliação comummente aceites e que fornecessem um valor aproximado do seu valor de mercado. Não obstante, caso as práticas previamente mencionadas não resultassem, ou seja, caso não fosse possível chegar a um valor fiável do instrumento financeiro, dever-se-ia utilizar o método tradicional do custo histórico para a atribuição de valor aos elementos. Ainda neste âmbito, se os instrumentos financeiros fossem avaliados pelo justo valor, as variações associadas ao mesmo deviam ser refletidas na demonstração de resultados, embora essas alterações de valor também pudessem ser evidenciadas diretamente no capital próprio, em determinadas circunstâncias.

Financeiras. Directiva 2001/65/CE. 27 de Setembro. Bruxelas: publicada no Jornal Oficial n.º L 283 de 27/10/2001.

145 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Lemos,

K. M. e L. L. Rodrigues (2007), “Divulgação de Informação sobre Operações com Instrumentos Derivados: Evidência Empírica no Mercado de Capitais Português”, Revista de Estudos Politécnicos, Vol. 4, Nº7, pp. 149-188.

97 Face ao exposto, conclui-se mais uma vez que as Diretivas Contabilísticas continuavam a fornecer aos estados-membros um conjunto considerável de opções, como, por exemplo, autorizar ou simplesmente exigir um certo procedimento, o que em nada facilitava a melhoria da comparabilidade da informação financeira (Bastos, 2009).

Posto isto, em julho de 2002, a UE emitiu o Regulamento Nº 1606 do Parlamento Europeu e do Conselho, que exigia a adoção obrigatória das IFRS por parte de todas as empresas cotadas em bolsa que elaborassem contas consolidadas, o mais tardar a partir de 2005, dando também a possibilidade a outras entidades de reporte a opção de as adotar (Bastos, 2009; Palea, 2015). Como é referido por Chiapello e Medjad (2009146, mencionados

em Palea, 2015, p. 4), esta solução foi essencialmente motivada pela incapacidade da UE em promover a aceitação de um sistema contabilístico uniforme pelos diferentes estados- membros e, portanto, para suprir esta necessidade, foi decidido pela UE a delegação do processo de definição de normas contabilísticas ao IASB, ficando esta apenas com um papel secundário neste âmbito (Palea, 2015).

Os grandes objetivos associados à obrigatoriedade de adoção das IFRS prendiam-se fundamentalmente com (i) a promoção de uma maior harmonização contabilística no seio dos países pertencentes à UE, nomeadamente a padronização da linguagem contabilística a uma escala europeia e a introdução de um conjunto de normas que fossem reconhecidas internacionalmente, (ii) com o reforço da qualidade do relato financeiro das empresas que fazem parte da união e, por fim, (iii) com a necessidade de melhorar a transparência e a comparabilidade entre as demonstrações financeiras de empresas provenientes de diversos países que anteriormente desenvolviam as suas normas com base em princípios contabilísticos nacionais, resultante da flexibilidade permitida pelas Diretivas Contabilísticas, o que, por conseguinte, se traduziria num funcionamento mais eficaz e eficiente do mercado

146 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Palea (2015) é a seguinte: Chiapello,

E., & Medjad, K. (2009). An unprecedented privatisation of mandatory standard-setting: the case of European accounting policy. Critical Perspectives on Accounting, 20(4), 448–468

98 de capitais da Europa (Barlev et al., 2007147; Cordazzo, 2007148; Jermakowicz, 2004149; Palea,

2015; Tarca, 2005150).

Tanto o Regulamento, como a entidade desenvolvedora das IFRS, o IASB, estão muito direcionados para os mercados de capitais. Neste âmbito, como já foi dito mais atrás, o IASB considera que os investidores têm necessidades de informação acrescidas face a outros

stakeholders, dado não terem a possibilidade de exigir diretamente informação às empresas.

Além do mais, como também já tinha sido dito, o IASB assume que, dado os investidores assumirem riscos inerentes ao financiamento das empresas, ao satisfazer as suas necessidades de informação, também estar-se-ia a satisfazer as necessidade de outros utentes (IASB, 2010, §OB5). Assim, enquanto que antes o método mais comum de avaliação de ativos e passivos era o modelo do custo histórico, deduzido de depreciações/amortizações, usado essencialmente para efeitos de monitorização da gestão, após a introdução das IFRS nos países europeus, abraçou-se, para além deste critério, a introdução de um princípio de mensuração contabilística distinto, encaminhando-se, portanto, a contabilidade destes países para o princípio do justo valor, orientado para valores futuros, e, por esta via, mais útil para a tomada de decisão (Ball, 2006151; Bignon et al., 2009; Horton & Macve, 2000152, Richard,

2004153). Este princípio seria, portanto, coerente com a evolução dos mercados de capitais e

das suas necessidades, no sentido de acrescentar mais relevância à informação financeira,

147 Mencionado em Conceição (2009, p. 1). A referência bibliográfica completa apresentada no seu

trabalho é a seguinte: Barlev, B., D. Fried, J. R. Haddad e J. Livnat (2007), “Reevaluation of Revaluations: A Cross-Country Examination of the Motives and Effects on Future Performance”, Journal of Business finance and

Accounting, Vol. 34, Nº7-8, pp. 1025-1050(26).

148 Mencionado em Conceição (2009, p. 1). A referência bibliográfica completa apresentada no seu

trabalho é a seguinte: Cordazzo, M. (2007), “The Impact of IAS/IFRS on Accounting Practices: Evidences from Italian Listed Companies”, disponível no sítio da Internet: http://www.hec.unil.ch/ urccf/seminar/Michela%20Cordazzo%20-%20Dec07.pdf

149 Mencionado em Conceição (2009, p. 1). A referência bibliográfica completa apresentada no seu

trabalho é a seguinte: Jermakowicz, E. K. (2004), “Effects of Adoption of International Financial Reporting Standards in Belgium: The Evidence from BEL-20 Companies”, Accounting in Europe, Vol. 1 pp. 51-77.