• Nenhum resultado encontrado

O financiamento de longo prazo

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 110-115)

6 O FINANCIAMENTO DAS EMPRESAS EM CRISE:

6.6 O financiamento de longo prazo

O financiamento de longo prazo se destina a revigorar o balanço patrimonial da empresa e a fornecer meios para o cumprimento do plano de recuperação. Também se

402 O Tribunal de cassação francês tentou identificar a noção de atos de gestão corrente, destacando-se da

tradicional distinção entre atos de disposição e atos de administração, ligando-a mais à atividade desenvolvida pela empresa. De um modo mais preciso, a noção é razoavelmente identificada pelo caráter repetitivo e habitual, ou até mesmo, embora com maior cuidado, deve-se considerar o elevado montante envolvido. Incluem-se nessa noção, e.g., a venda de produtos fabricados pelo devedor em condições habituais, os pedidos de bens a fornecedores e a venda de apartamentos por sociedades imobiliárias, pois consiste de sua atividade corrente. Contudo, a celebração de novos contratos de trabalho durante os primeiros estágios da recuperação judicial não é, via de regra, objeto de gestão ordinária (cf. JACQUEMONT, André. Droit des entreprises en difficulté. 3. ed. Paris: Litec, 2003, p. 137-138).

403 A jurista aduz que a empresa deve indicar pormenorizadamente como pretende utilizar os novos recursos,

ao menos na hipótese de constituição de garantia prevista no art. 66 da LRE, a qual será analisada adiante. Para tanto, deve atestar que fez pesquisa de preço e que as condições do crédito foram as melhores obtidas no mercado (A Recuperação..., p. 148).

presta a restaurar a confiança dos credores e conferir incentivos aos gestores, quando apropriado.404

Conforme aventamos antes, o financiamento de longo prazo pode ser destinado, ainda, à realização dos investimentos necessários à recolocação competitiva da empresa no mercado. Uma vez aprovado o plano de recuperação judicial, o devedor pode obter novos recursos para realizar ou continuar os investimentos necessários a uma reestruturação industrial, o que se mostra viável graças à renegociação entabulada com os credores por meio do plano.

Além disso, os empréstimos desembolsados após a aprovação daquele instrumento pelos credores podem ser direcionados à execução do próprio plano de recuperação, para pagamento dos credores por ele abrangidos ou mesmo dos que não sofrem os efeitos da recuperação judicial.405

Nesses casos, o financiamento concedido à empresa pode completar a recuperação e a saída da crise. Todavia, um problema pode surgir na medida em que o plano de recuperação apenas se mostre viável graças ao financiamento a ser concedido após sua homologação. Ocorre que, em muitos casos, não se sabe de antemão se o devedor terá acesso a esse crédito, pelo que o plano não poderia ser considerado a prior viável. Porém, se a concessão do empréstimo já estiver expressamente prevista no plano, o problema pode ser mitigado, inclusive com a possibilidade de estipulação do negócio antes mesmo do procedimento concursal ou na pendência deste, embora com eficácia condicionada à aprovação e homologação do plano.406

Propugna Lorenzo Stanghellini,407 no contexto da lei concursal italiana, mas aplicável ao caso brasileiro, que se o financiamento é condição imprescindível à sobrevivência da empresa, o plano de recuperação pode ser explicitamente condicionado à obtenção desse financiamento, como também pode sê-lo o laudo de viabilidade

404 Cf. SLATTER,Stuart; LOVETT, David. Como recuperar..., p. 287.

405 Cf. STANGHELLINI, Lorenzo. Linee-guida..., p. 45. No Brasil, há ao menos um caso relevante de

financiamento concedido após a aprovação do plano de recuperação judicial. Trata-se do Frigorífico Independência, que captou US$ 165 milhões com a emissão de títulos no exterior, mediante colocação privada. Os recursos teriam sido utilizados para pagar parte expressiva de dívidas com criadores de gado e fornecedores, bem como capital de giro, viabilizando a retomada do processo de reabertura de plantas industriais previsto no plano de recuperação. A operação foi facilitada pelo fato de grande parte dos ativos da empresa estar desonerada e pela adesão, ao plano de recuperação, de um percentual mínimo de credores por ACC. Entretanto, a operação é extremamente cara, seja pelo pagamento de honorários dos diversos profissionais envolvidos, a maioria no exterior, seja em virtude das altas taxas de remuneração cobradas pelos investidores. Por isso, essa alternativa tenderia a ser limitada a poucos casos de recuperação judicial (cf. PAIVA,Luiz Fernando Valente de; COLOMBO, Giuliano. Financiamento...).

406 Nesse sentido, cf. STANGHELLINI, Lorenzo. Linee-guida..., p. 46. 407 Linee-guida..., p. 42-43.

apresentado pelo devedor. Para dar maior sustentabilidade à sua homologação, o plano e o laudo devem indicar o montante necessário ao soerguimento da empresa e a existência de credores dispostos a concedê-lo. Embora a mera disposição para conceder o financiamento não constitua, por si, elemento que comprove a viabilidade da empresa, já que poderia não ser vinculativa, ela pode evidenciar aos credores e ao juiz que há interessados em conceder crédito ao devedor, o que reforça a seriedade da tentativa de recuperação.

Um elemento importante a ser considerado na concessão de créditos a empresas cujo plano de recuperação acaba de ser aprovado é a estrutura de capital resultante, especialmente quando ainda houver valores consideráveis de dívidas de risco – oriundas de intensas negociações e litígios com credores –, impasses em negociações subsequentes e conflitos de interesse entre sócios e credores que podem prejudicar a sobrevivência da empresa. Ademais, se a estrutura de capital resultar na manutenção de considerável endividamento, a obtenção de novos recursos pode ser obstada.408

Os fatores determinantes à concessão de financiamentos de longo prazo às empresas em crise geralmente são a estrutura de capital existente, as necessidades financeiras para manter as operações, o valor da empresa (atual e potencial), a credibilidade dos administradores, o poder de barganha de cada grupo de credores e o montante de dívidas tributárias.409 Durante o período da recuperação e mesmo depois dele, ainda no cumprimento das obrigações acordadas, é provável que muitos financiamentos sejam sucedidos por financiamentos adicionais. Por isso, a reestruturação financeira poderia vir acompanhada da possibilidade de conversão do crédito ou dos juros em participação societária, previsão para repactuação de dívidas e para a obtenção de novos empréstimos ou emissões de valores mobiliários.410

6.6.1 O exit financing

Estratégia bastante utilizada nos Estados Unidos, o exit financing consiste no empréstimo destinado à saída do processo de recuperação. Trata-se do dinheiro necessário quando do término da proteção legalmente garantida pelo automatic stay e pela moratória

408 Cf. ROE, Mark. J. Bankruptcy and debt..., p. 554-555.

409 Cf. SLATTER,Stuart; LOVETT, David. Como recuperar..., p. 289. 410 Cf. SLATTER,Stuart; LOVETT, David. Como recuperar..., p. 288.

das dívidas, servindo para auxiliar o devedor no estágio imediatamente posterior à recuperação.411 O montante emprestado é, por vezes, utilizado para pagar os créditos sujeitos à recuperação judicial e aqueles outorgados durante o processo. Frequentemente, a disponibilidade de exit financing é condição imposta pelos credores para que o plano de recuperação seja aprovado.412

O exit financing funciona, ainda, como um recurso, embora indesejável, ao financiador da empresa em crise que se depara com um inadimplemento. Nesse caso, o credor concorda em conceder outro empréstimo, que será total ou parcialmente utilizado para pagar o crédito previamente concedido ou outros créditos que, uma vez inadimplidos, poderiam levar a empresa à falência. Alternativamente, o credor pode alongar o prazo de vencimento de seu crédito ou, se considerar mais vantajoso, executá-lo, nesse caso podendo amargar a demora no recebimento ou mesmo a perda do crédito na falência do devedor.413

Por outro lado, o exit financing pode servir para solucionar litígios com outros credores, restaurar o balanço do devedor e, para os credores sujeitos à recuperação judicial, fornecer uma alternativa mais rentável no longo prazo do que a falência ou a venda dos ativos a terceiros.414

Comparando-se o DIP financing e o exit financing, é provável que o primeiro seja de valor menor e reduza significativamente o moral hazard relacionado ao débito.415 Além disso, o exit financing geralmente possui prazos de vencimento maiores e, consequentemente, maiores riscos ao financiador.416

No Brasil, o exit financing pode ser uma estratégia interessante tanto para o devedor como para seus credores, pois significa o pagamento de todas as dívidas renegociadas no plano de recuperação e o consequente encerramento do processo, ainda que não tenha transcorrido o prazo de dois anos previsto no art. 61 da LRE.417 Com isso, a empresa

411 Cf. SARRA, Janis. Financing..., p. 582.

412 Cf. FRIEDMAN, Penny G. Proper Exit Financing Is Key to Chapter 11 Emergence Challenges Abound

for Debtors, Lenders Alike, The Journal of Corporate Renewal, 01 July 2004. Disponível em: <http://www.turnaround.org/Publications/Articles.aspx?objectID=3431>. Acesso em: 01 fev. 2012.

413 Cf. MARTIN, Jarrod B. et al. Freefalling..., p. 1231. 414 Cf. FRIEDMAN, Penny G. Proper Exit…

415 Cf. AYOTTE, Kenneth; SKEEL, JR., David A. Bankruptcy..., p. 488. 416 Cf. MARTIN, Jarrod B. et al. Freefalling..., p. 1231.

417 Em verdade, diz o artigo que “o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação

judicial” (grifo nosso). Portanto, a condição para o encerramento do processo não é o decurso do prazo de dois anos, mas sim o cumprimento das obrigações que vencerem nesse período. Ademais, não faria sentido a permanência do devedor em recuperação judicial se os credores sujeitos aos seus efeitos já

economiza os valores que seriam pagos a título de honorários do administrador judicial; afasta o risco de falência advindo do descumprimento do plano; diminui os custos de transação relativos a eventual necessidade de renegociação do plano (realização de assembleias, negociações bilaterais com credores etc.); centraliza seus pagamentos em apenas um credor, o que diminui os custos de administração do passivo e os riscos de questionamento; e deixa de utilizar a expressão “em Recuperação Judicial”, melhorando sua imagem no mercado. Para os credores, há a vantagem de receber de imediato o valor repactuado no plano, diminuindo o risco de inadimplementos futuros e de decretação de falência, situação na qual provavelmente amargariam prejuízo ainda maior.

O inconveniente dessa estratégia está na falta de incentivos legais ao financiador, cujo crédito não será tratado como extraconcursal em eventual falência da empresa, já que a recuperação judicial terá sido encerrada. Portanto, a operação deverá contar com algum mecanismo contratual de proteção contra esses riscos, tal como previsão de conversão da dívida em capital, participação na gestão e intenso monitoramento das atividades da empresa. Fundamental será também o resultado das negociações com os credores envolvendo descontos nas dívidas e outros benefícios que tornem o investimento interessante, assim como a existência ou não de credores excluídos da recuperação.

foram pagos. Nesse sentido, pelo imediato encerramento do processo com o cumprimento integral do plano antes do prazo previsto na LRE, cf. MUNHOZ, Eduardo Secchi. Comentários..., p. 306.

7 O FINANCIAMENTO DAS EMPRESAS EM CRISE NO DIREITO

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 110-115)