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Antes de ingressar propriamente no objeto central deste trabalho, cumpre traçar algumas breves notas sobre o crédito e sua importância na vida empresarial.

5.1 Conceito

Anota José Xavier Carvalho de Mendonça195 que muitas são as definições de crédito, porém sempre com alguma falha, conforme o ponto de vista do autor da definição. Contudo, todas elas partem da ideia de confiança. Assim, o vocábulo crédito, derivado do latim creditum, de credere (confiar, emprestar dinheiro), em sua acepção econômica, significa a confiança que uma pessoa deposita em outra, entregando-lhe algo de sua propriedade na expectativa de receber coisa equivalente no futuro.196 Nesse sentido mais amplo, trata-se da confiança alimentada pelas qualidades de uma pessoa ou entidade, traduzida pela segurança de que ela é ou será capaz de corresponder à expectativa originalmente formulada.197 Referida confiança, indicativa do crédito, é encontrada nas mais diversas relações comerciais envolvendo troca de coisas atuais por futuras, servindo de base para inúmeras operações mercantis, sob as modalidades de venda a prazo ou empréstimo.198

Ao lado da confiança, construída a partir das condições pessoais do devedor ou das garantias por ele oferecidas, outro elemento do crédito é o tempo, pois alguém empresta algo de imediato para receber outra coisa em tempo futuro determinado ou determinável.199

Além de possuir um elemento de escolha intertemporal, o crédito é um mecanismo de transferência de riqueza, pois permite a criação de valor por quem não teria meios para fazê-lo, e seus frutos, ou seja, os juros, são devidos ao credor. Por fim, o crédito somente

195 Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938. Vol. V. Livro

III. Parte II, p. 48-49.

196 Cf. DEPLÁCIDOESILVA. Vocabulário Jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, Vol. I, p. 454. 197 Cf. SADDI, Jairo. Crédito e Judiciário no Brasil: uma análise de Direito & Economia. São Paulo:

Quartier Latin, 2007, p. 33.

198 Cf. DEPLÁCIDOESILVA, Vocabulário..., Vol. I, p. 454.

se desenvolverá onde houver um mercado no qual a circulação do excedente e a contraprestação futura possam convergir.200

Fábio Konder Comparato201 ressalta que a ideia de confiança é extraída do crédito em sua acepção moral, enquanto a noção de tempo seria extraída da acepção econômica da palavra, caracterizada ainda pela troca de bens atuais por bens futuros, acrescida de uma prestação suplementar que são os juros.

Juridicamente, o crédito é “o direito de exigir o que se deve sob qualquer causa”, segundo a expressão latina creditum est id quod ex quacumque causa, debetur.202 Na teoria geral do direito privado, a noção jurídica de crédito designa o direito do sujeito ativo numa relação obrigacional, o direito à prestação do devedor.203 Todavia, essa noção jurídica não encerra necessariamente a noção moral de confiança, pois nem sempre o credor confia em seu devedor, nem a ideia econômica de tempo, pois diversas obrigações existem cujo cumprimento é imediato e simultâneo.204 Mas o crédito, em direito, possui ainda um sentido mais restrito, relacionado ao negócio de crédito, caracterizado como negócio bilateral em que há necessariamente um intervalo de tempo entre a prestação e a contraprestação, tal como no mútuo e na venda a crédito.205 Geraldo Vidigal206 denomina atos de crédito “aqueles pelos quais alguém transfere ou promete transferir coisas, presta ou promete prestar serviços, mediante estipulação de contraprestação futura”. E esse sentido é o que interessa para os fins do presente trabalho.

5.2 Breve histórico sobre o crédito

As origens do crédito remontam a épocas pré-aristotélicas, mas a ele se faz menção em diversas passagens bíblicas, embora tenha sido em Roma que ganhou uma roupagem jurídica no contexto do direito obrigacional. A partir do século XI, com o aumento do comércio ultramarino e mercantil, surge uma classe de comerciantes profissionais em torno da qual se desenvolveu com o passar dos anos a lex mercatoria, um conjunto integrado e

200 Cf. SADDI,Jairo. Crédito e Judiciário..., p. 37-38. 201 O Seguro..., p. 27-29.

202 Cf. CARVALHODEMENDONÇA, José Xavier. Tratado..., p. 51. 203 Cf. COMPARATO,Fábio Konder. O Seguro..., p. 29.

204 Cf. COMPARATO,Fábio Konder. O Seguro..., p. 30. 205 Cf. COMPARATO,Fábio Konder. O Seguro..., p. 31.

sistemático de normas consuetudinárias provenientes das transações realizadas entre comerciantes. Nessa época, o crédito era representando principalmente por cartas de crédito, que serviam como meio de troca ao adquirirem o atributo de obrigação independente, facilitando a distribuição de mercadorias e produtos agrícolas. No período do Renascimento, o crédito se expandiu universalmente com o surgimento dos títulos de crédito e de algumas categorias de mutuantes, como os bancos italianos, os lombardos e as lojas de penhor, cada qual com características e status jurídico distintos. Com o desenvolvimento da ética capitalista, foi sendo permitido o empréstimo a juros, contrariando a moral cristã que proibia a remuneração do dinheiro.207

No Brasil, o desenvolvimento do crédito coincide com a vinda da corte portuguesa em 1808 e com a criação do primeiro Banco do Brasil. Outros bancos surgiram no país no século XIX (e.g., Banco do Rio de Janeiro, da Bahia, do Maranhão e o de Pernambuco), com destaque para o Banco do Commercio e da Indústria do Brasil, instituição que posteriormente teve seu nome modificado para Banco do Brasil,208 e do Mauá, Mac Gregor & Cia,209 ambos criados pelo Barão de Mauá, em 1851 e 1854, respectivamente. Mais tarde, avança o crédito hipotecário na área cafeeira, posteriormente afetado pela deterioração do preço daquele produto e pelas recorrentes crises, as quais também se mostraram presentes no período republicano e, muitas vezes, resultaram da concessão equivocada de crédito, facilitada por políticas financeiras nocivas, como o encilhamento. Segue-se a esse período a falta de crédito e a desordem monetária, apontadas como causas da ausência de uma base manufatureira no Brasil. Os bancos funcionavam quase como longa manus da autoridade monetária e o crédito continuou escasso até a redemocratização de 1945, conhecendo a partir de então certa expansão, no contexto do surgimento da SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito. Em 1964, a Lei n. 4.595/64 cria o BACEN e moderniza a disciplina monetária e creditícia. Não obstante, o crédito bancário passa por crises nas décadas de 1970 e 1980, bem como na década de 1990 com o fim da inflação, resultando na quebra de diversos bancos e em programas governamentais de resgate de instituições financeiras, como o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional – PROER.210

207 Para uma explanação mais detalhada sobre esse desenvolvimento histórico do crédito, cf. SADDI,Jairo. Crédito e Judiciário..., p. 39-49.

208 Cf. CALDEIRA, Jorge. Mauá: Empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 224-

230.

209 Cf. CALDEIRA, Jorge. Mauá..., p. 305-307.

210 Para maiores detalhes sobre a evolução do crédito no Brasil, cf. SADDI,Jairo. Crédito e Judiciário..., p.

5.3 A Importância do crédito na vida empresarial

Por possuir um elemento intertemporal que permite a antecipação do futuro, o crédito torna as relações comerciais mais rápidas e dinâmicas, catalisando o desenvolvimento econômico.

Representando a transferência da parcela poupada da renda dos indivíduos aos tomadores de recursos, o crédito se destina a financiar gastos de consumo ou de investimento.211 Neste último caso, o crédito será empregado diretamente no incremento da atividade empresária, gerando empregos, tributos e lucros aos sócios.

Tullio Ascarelli212 já destacava a importância do crédito à produção, destinado a “crear culturas e melhorar a terra; erguer fabricas e abrir estabelecimentos; construir vias de comunicações e excavar minas.” Da mesma forma, afirmava o jurista que o comércio também necessita do crédito para o desenvolvimento de suas atividades, embora destinado principalmente à utilização no curto prazo.213

No atual cenário mundial de globalização, o crédito é imprescindível ao exercício da atividade empresária, para que o empresário maximize seu potencial de crescimento e produção, podendo assim competir no mercado.214 Indubitavelmente, é difícil imaginar o exercício e o desenvolvimento da atividade empresarial nos dias de hoje sem a participação do crédito, viabilizado em grande parte pelas instituições financeiras, principais agentes intermediadores de recursos entre poupadores e tomadores.

A concessão de crédito pelas instituições financeiras, embora regulada por disposições próprias a cada operação, possui três elementos essenciais, a saber: (a) limite de crédito que um mesmo banco pode conceder a um tomador; (b) responsabilidade do

211 Cf. VIDIGAL, Geraldo. Teoria Geral..., p. 193-194.

212 Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Tradução: Nicolau Nazo. São Paulo: Saraiva, 1943, p. 11.

213 Teoria..., p. 12. Segundo Ascarelli, “[s]e o comerciante devesse prescindir do crédito e movimentar

apenas os proprios capitais, teria necessariamente que restringir as suas aquisições e reduzir o numero daqueles a quem forneceria os bens adquiridos, e isso tanto mais quanto maior a distancia até a fonte produtora de tais bens, quanto mais longo, complexo e demorado o transporte deles. Função do comercio é porém, atender às necessidades de numerosos consumidores, trazendo dos lugares mais diversos os bens que melhor satisfaçam essas necessidades; obtendo a diminuição das despesas mediante a aquisição e o transporte de grandes partidas de mercadorias, de cada vez; sugerindo, eventualmente, a produção de bens que possam ser mais bem aceitos pelo mercado. Tudo isso, que um consumidor isolado não poderia fazer, o comerciante faz. Mas, para fazê-lo, necessita de crédito”.

banco de seguir a boa técnica bancária, emprestando a quem pode pagar; e (c) garantia do banco, via competição, que o crédito estará disponível a quem precisar.215 Como se verá adiante com mais detalhes, o caso das empresas em crise é peculiar, pois sua condição faz pressupor que ela não pode de pagar suas dívidas, mas ao mesmo tempo precisa de recursos em caráter de urgência. Essa aparente contradição estaria superada pelo tratamento especial conferido pela LRE ao devedor em recuperação judicial e a quem lhe concede crédito, sem embargo das críticas que serão apontadas às soluções propostas pelo legislador pátrio.

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O

FINANCIAMENTO

DAS

EMPRESAS

EM

CRISE:

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 60-65)