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O momento da decretação de falência para fins de

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 158-161)

8 TRATAMENTO CONFERIDO PELO DIREITO BRASILEIRO AOS

8.1 O financiamento das empresas em recuperação judicial

8.1.1 Extraconcursalidade

8.1.1.3 O momento da decretação de falência para fins de

O art. 67, caput, também gera debates no que se refere à expressão “em caso de decretação de falência”. Há juristas612 que defendem a aplicação da extraconcursalidade ora tratada não apenas em caso de convolação recuperação judicial em falência, mas também se esta for decretada após o período de dois anos da concessão da recuperação judicial, quando o juiz encerra o processo caso o devedor esteja em dia com as obrigações assumidas no plano, conforme previsto no art. 63 da LRE. Ocorre que, mesmo depois dessa data, podem restar pendentes obrigações assumidas no plano que, caso descumpridas, motivariam o pedido de falência, conforme prevê o art. 62 da LRE. Neste caso, os créditos surgidos durante a recuperação gozariam do benefício do art. 67, mesmo que a recuperação já tenha terminado.

Essa não nos parece a melhor solução ex lege, ainda que seja conveniente ao financiador da empresa em crise. Em verdade, a sentença que encerra a recuperação judicial possui natureza declaratória e efeitos erga omnes com a respectiva publicação.613 A partir daí, as obrigações derivadas do plano de recuperação não mais podem ser resolvidas e são exigíveis mediante tutela específica ou pedido de falência fundado em título executivo judicial, de modo que as dívidas da outrora recuperanda recebem o mesmo

610 Cf. FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Comentários..., p. 454.

611 “Falência (Lei 11.101/2005). Decretação após concessão da recuperação judicial. Crédito resultante de

obrigação assumida com escritório de advocacia contratado para ajuizar o pedido de recuperação judicial. Classificação, pelo administrador judicial, como crédito extraconcursal. Impugnação feita por sócio da falida sustentando ser crédito quirografário, por ter sido o contrato celebrado antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial. Sentença acolhendo a impugnação. Recurso. Crédito que decorreu de contrato celebrado para prestação de serviços visando a superação da crise econômico financeira da devedora. Interpretação da expressão "durante a recuperação judicial" do art. 67 da Lei 11.101/2005. Recurso provido para restaurar a classificação atribuída pelo administrador judicial em seu rol de credores.” (TJSP. AI 990.10.196753-7. CRFRJ. Relator: Des. Boris Kauffmann. j. 23 nov. 2010. DJ 10 dez. 2010). No mesmo sentido, TJSP. AI 0474780-94.2010.8.26.000. CRFRJ. Relator: Des. Lino Machado. j. 23 ago. 2011. DJ 23 ago. 2011.

612 Cf. FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Comentários..., p. 454. 613 Cf. RESTIFFE,Paulo Sérgio. Recuperação de Empresas..., p. 320.

tratamento das de qualquer outro empresário.614 Não há mais concurso de credores e o descumprimento de uma obrigação perante um deles não gera efeitos diretos aos demais. Neste momento, presume a LRE que o devedor está recuperado e, portanto, os efeitos benéficos do financiamento concedido na recuperação judicial já cumpriram seu papel. Além disso, caso prevalecesse tal entendimento, eventuais créditos concedidos após o encerramento da recuperação teriam, na falência, hierarquia inferior aos créditos concedidos durante a recuperação, ainda que aqueles possuam garantias reais, o que certamente aumentaria a insegurança na concessão de crédito a essas empresas, prejudicando o livre exercício de sua atividade em iguais condições de concorrência no mercado. Desse modo, não faz sentido estender a extraconcursalidade do art. 67 às falências decretadas após o encerramento da recuperação judicial, de sorte que a expressão “em caso de decretação de falência” deve ser lida em consonância com o restante do dispositivo legal, para se entender pela sua ocorrência apenas no âmbito da recuperação judicial, com fulcro em alguma das hipóteses do art. 73, caput e parágrafo único, e não ad eternum.615

Sob essa perspectiva, convém observar um fato relativamente comum nas recuperações judiciais no Brasil. Em muitos casos, o devedor não pede o encerramento da recuperação judicial, mesmo após o decurso do biênio legal.616 Costuma-se justificar referido posicionamento, do ponto de vista formal, pelo fato de ainda existirem impugnações em curso, embora alguns julgados venham entendendo que isso não impede que a recuperação judicial seja encerrada.617 Ademais, critica-se sua manutenção, por esse

614 Cf. MUNHOZ, Eduardo Secchi. Comentários..., p. 305.

615 À semelhança desse entendimento, algumas decisões judiciais nos Estados Unidos estabeleceram que a

confirmação de um plano de recuperação sob o Chapter 11 que garantiu superprioridades a alguns credores impedia a reconsideração de tal benefício numa subsequente falência pelo Chapter 7 (cf. COUSINS, Scott D. Postpetition..., p. 791 (nota)).

616 Segundo Paulo Sérgio Restiffe, a legitimidade ativa para o pedido de encerramento da recuperação

judicial após o prazo legal seria do devedor, inclusive por meio de ação autônoma de cumprimento da recuperação judicial, embora pudesse ocorrer como uma fase do processo (Recuperação de Empresas..., p. 316-318).

617 Assim: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - ENCERRAMENTO DA

RECUPERAÇÃO - IMPUGNAÇÕES PENDENTES DE JULGAMENTO - POSSIBILIDADE. [...] 2. Não há obstáculo legal ou processual para o encerramento da recuperação ainda que as impugnações, eventuais habilitações retardatárias e ações rescisórias não estejam definitivamente julgadas, eis que o encerramento do processo não está vinculado à consolidação do rol de credores. 3. O encerramento da recuperação decorre de previsão legal e pendente decisões sobre impugnações, habilitações retardatárias e ações rescisórias, homologa-se o quadro de credores no estado em que se encontra no momento em que verificado o cumprimento das obrigações previstas no plano com vencimento dois anos após a recuperação e encerra-se a recuperação, como forma de eliminar-se as limitações à atividade empresarial. 4. A partir de então, o quadro sofrerá as retificações necessárias de acordo com que as impugnações, eventuais habilitações retardatárias e ações rescisórias forem sendo julgadas, até que se apure o passivo

fundamento, para além do prazo previsto na LRE,618 observada, evidentemente, a condição de que o devedor esteja em dia com as obrigações assumidas no plano.

Se, por um lado, a manutenção da empresa em recuperação permite que o administrador judicial, o comitê de credores ou até mesmo o Ministério Público continuem fiscalizando suas atividades, por outro lado, persistem diversos efeitos negativos, como a pecha de empresa em recuperação judicial perante o mercado e a obrigatoriedade de pagamento dos custos e despesas do processo, incluindo a remuneração do administrador judicial. Mesmo assim, alguns devedores optam por continuar no regime de recuperação judicial porque, na superveniência de outra situação de crise, eles não poderão pedir novamente a recuperação judicial, ao menos pelo prazo de três anos contados do encerramento do processo.619 Ao invés disso, convoca-se nova assembleia de credores para alterar o plano previamente aceito, sem que disso possa decorrer a imediata decretação de falência da empresa, já que a rejeição da proposta de aditamento não implica tal resultado, ao contrário da rejeição do plano original. Por sua vez, os credores, temendo incorrer em mais custos, bem como que a rejeição da proposta de aditamento implique o descumprimento da obrigação originalmente assumida no plano e, consequentemente, a falência do devedor, podem até mesmo aprovar propostas desvantajosas.

Outra consequência da manutenção do processo recuperacional é o não pagamento das dívidas fiscais anteriores ao pedido, a teor de orientação jurisprudencial que proíbe a alienação de bens da recuperanda em execuções fiscais.620 Trata-se de artifício bastante

da empresa e garanta-se a proteção do direito dos credores. [...]” (TJES. AI 30.119.001.714. 1ª Câmara Cível. Relator: Des. Fabio Clem de Oliveira. j. 20 mar. 2012. DJ 03 abr. 2012).

618 Conforme voto do Desembargador Pereira Calças, do TJSP: “[n]o caso da PARMALAT o biênio judicial

já transcorreu há muito tempo, mas o Juiz ainda não decretou por sentença o encerramento da recuperação judicial, consoante determina o art. 63, porque, conforme anota o senhor administrador judicial, ainda existem recursos e pendências a serem solucionadas. Com a devida vênia, entendo que o processo de recuperação judicial da PARMALAT já deveria ter sido encerrado por sentença judicial, cumprindo-se rigorosamente o art. 63, que de forma imperativa preconiza: ‘o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação’.” (TJSP. AI 994.09.282082-5. CRFRJ. Relator: Des. Pereira Calças. j. 06 abr. 2010. DJ 22 abr. 2010).

619 Veja-se que o prazo é de três anos porque o art. 48, inciso II, da LRE proíbe que o devedor requeira nova

recuperação judicial no prazo de cinco anos, contados da concessão da recuperação judicial anterior, que se dá com a homologação do plano. Logo, subtraindo-se desse prazo de cinco anos o biênio legal para encerramento do processo, conclui-se que o devedor não poderá pedir nova recuperação judicial pelo prazo de três anos após o encerramento da recuperação anterior.

620 “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO FISCAL. Processado o

pedido de recuperação judicial, suspendem-se automaticamente os atos de alienação na execução fiscal, até que o devedor possa aproveitar o benefício previsto na ressalva constante da parte final do § 7º do art. 6º da Lei nº 11.101, de 2005 (‘ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica’). Agravo regimental provido em parte.” (STJ. AgRg no CC 81.922/RJ. 2ª Seção. Relator: Min. Ari Pargendler. j. 09 maio 2007. DJ 04 jun. 2007).

conveniente ao devedor mas que, no nosso sentir, deveria perdurar somente até a aprovação do plano, quando a situação da empresa presumir-se-á, em tese, estabilizada.

Para o financiador da empresa em crise, interessaria a manutenção do regime recuperacional para além do prazo de dois anos, assegurando-lhe a extraconcursalidade em caso de decretação de falência. No entanto, embora se dê no bojo da autonomia privada, o aditamento do plano de recuperação judicial que implique não apenas alterações pontuais, como prazo de pagamento ou taxas de juros, mas promova modificação substancial do plano inicialmente proposto, pode ter, em parte, os mesmos efeitos de uma nova recuperação judicial, colidindo assim com a norma do art. 48, inciso II, da LRE, que proíbe novo pedido de recuperação judicial no prazo de cinco anos, contados da concessão da recuperação anterior. Logo, a depender do caso concreto, uma alteração dessa magnitude não deveria ser homologada pelo juiz, por implicar afronta direta a dispositivo de lei.

Dessa maneira, é fundamental que o financiador da empresa em crise investigue as razões pelas quais o processo continua mesmo após o biênio legal, apure o passivo fiscal da empresa, bem como as alterações que vêm sendo promovidas ao longo do tempo no plano de recuperação aprovado, as quais podem impactar até mesmo nas condições acordadas em seu contrato, alterando os riscos e benefícios inicialmente estimados. Para aumentar a segurança jurídica, melhor seria que o encerramento da recuperação fosse decretado de ofício pelo juiz, com base em informações prestadas pelo administrador judicial e pelo próprio devedor, e desde que cumpridas as obrigações do plano até então vencidas, independentemente da pendência de impugnações ou recursos. Por fim, poder- se-ia até cogitar de mudança legislativa no prazo de vedação a um novo pedido de recuperação judicial, assunto cuja análise de conveniência refoge aos propósitos deste trabalho.

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 158-161)