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Limites da extraconcursalidade dos novos créditos (2): Despesas

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 174-177)

8 TRATAMENTO CONFERIDO PELO DIREITO BRASILEIRO AOS

8.1 O financiamento das empresas em recuperação judicial

8.1.1 Extraconcursalidade

8.1.1.6 Limites da extraconcursalidade dos novos créditos (2): Despesas

A LRE também prevê que alguns créditos serão pagos com os recursos disponíveis no caixa da massa falida.668 Assim, o art. 150 diz que as despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades, serão pagas pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa. Segundo discorre Sérgio Mourão Corrêa Lima,669 os gastos com arrecadação, remoção e guarda de bens são exemplos de despesas indispensáveis e urgentes, que se não forem prontamente realizadas podem comprometer os bens da massa.

Por outro lado, o art. 151 disciplina que os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa. Conforme explica Manoel Justino Bezerra Filho,670 essa previsão tem fundamento em barganha política que visou compensar os trabalhadores pelo limite de

668 Segundo Francisco Satiro de Souza Junior, “entenda-se por recursos disponíveis em caixa as quantias

pecuniárias passíveis de utilização imediata e que não estejam vinculadas a despesas futuras indispensáveis. Nada impede, entretanto, que o administrador judicial, respeitando as demais disposições desta Lei, proceda à liquidação de ativos a fim de obter disponibilidade de recursos e assim fazer frente às despesas necessárias surgidas.” (Comentários..., p. 510).

669 In: CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa (coords.). Comentários à nova lei de falência e recuperação de empresas: Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Rio de Janeiro: Forense,

2009, p. 1014.

cento e cinquenta salários mínimos por credor no pagamento desses créditos na falência,671 de modo que os valores excedentes são tratados como créditos quirografários, ou seja, rebaixados na ordem de classificação. Como forma de compensar os trabalhadores por essa limitação, conferiu-se a eles o direito de receber parte dos seus créditos antes de todos os demais, inclusive as restituições em dinheiro, o que fez surgir a norma do art. 151.672

Duas correntes doutrinárias surgiram acerca da classificação do crédito referido no art. 151 da LRE. A primeira delas, apoiada no entendimento aparentemente mais óbvio, defende que esses créditos são tratados com “superprioridade” em relação aos demais, como se constituíssem uma nova classe de credores e, portanto, devem ser pagos independentemente dos demais créditos, inclusive restituições e despesas para movimentação do processo.673 A segunda corrente entende que o legislador não criou uma nova classe de credores com prioridade, mas apenas garantiu pagamento antecipado a determinados créditos concursais, que somente deve ser realizado se houver certeza de que existirão recursos suficientes para satisfazer todos os credores extraconcursais e as restituições em dinheiro.674

A segunda corrente apresenta o entendimento mais conveniente sob a óptica do financiador da empresa em crise, pois o pagamento de seu crédito, por ser extraconcursal, estaria garantido, ao menos em relação a esses créditos trabalhistas. Todavia, esse pensamento enfrenta enorme obstáculo trazido no parágrafo único do art. 86 da LRE, o

671 Art. 83, inciso I, LRE.

672 Conforme asseverou o Senador Ramez Tebet, “[m]ais uma vez, aqui, é preciso buscar a solução que

melhor harmonize os princípios fundamentais que devem permear a Lei de Falências. De um lado, a necessidade de se protegerem os trabalhadores e de garantir-lhes a subsistência. De outro, o imperativo de reduzir o custo do crédito. Ponderar esses efeitos contraditórios não é tarefa simples, mas parece-nos que, no atual momento histórico, nada pode ser mais deletério aos trabalhadores do que a eliminação de vagas de trabalho em decorrência do arrefecimento do impulso exportador.

“A alternativa que encontramos foi definir um valor até o qual os trabalhadores terão prioridade absoluta de recebimento, inclusive sobre as restituições em dinheiro. Esse valor deve satisfazer às necessidades imediatas dos trabalhadores sem comprometer a eficiência dos ACCs.” (Parecer nº 534..., p. 44).

673 Nesse sentido, cf. BEZERRAFILHO,Manoel Justino. Lei de Recuperação..., p. 315. No entanto, autor

complementa: “[a]inda assim, havendo dinheiro em caixa e havendo despesas que devem ser adiantadas na forma do art. 150, estas deverão ser pagas, sob pena de eventual inviabilização do próprio prosseguimento da administração eficaz dos bens da massa.”

674 Cf. SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de. Comentários..., p. 511. No mesmo sentido, entendendo se

tratar de mera antecipação e não de “crédito trabalhista superprioritário”, cf. COELHO, Fábio Ulhoa.

Comentários..., p. 503; Sérgio Campinho, que justifica trata-se de antecipação porque, do contrário,

haveria violação do sistema de pagamentos do art. 149 (Falência..., p. 422-423); e Sérgio Mourão Corrêa Lima, o qual complementa dizendo que o artigo deve ser interpretado sistematicamente porque tal raciocino “(a) concilia os diversos dispositivos da Lei de Falências (arts. 149, 150, 151, 85, 84 e 83); (b) impede que a antecipação de pagamentos de créditos trabalhistas comprometa a implementação das restituições fundadas em direito real de propriedade (art. 85, caput); e (c) propicia que o pagamento das despesas extraconcursais, indispensáveis ao desenvolvimento do processo falimentar, anteceda o adiantamento aos credores trabalhistas.” (Comentários..., p. 1016).

qual disciplina que as restituições em dinheiro indicadas naquele dispositivo somente serão efetuadas após o pagamento dos valores previstos no art. 151. A despeito disso, a corrente doutrinária que advoga pela classificação dos créditos estritamente salariais como mera antecipação ressalta que a preferência dada pelo dispositivo em relação às restituições só existiria “‘se’ e ‘quando’ houver garantia da sobra de recursos para pagamento dos credores concursais, e na exata medida dessas sobras.”675

Ademais, o entendimento pontificado por essa corrente não resta incólume de outras críticas. Em primeiro lugar, se for necessário aguardar pela certeza de que a massa possui bens suficientes para pagar as restituições em dinheiro e os credores extraconcursais, a norma do art. 151 perde complemente sua eficácia, haja vista que ainda será necessário pelo menos arrecadar os bens da massa para que se possa cogitar da possibilidade de haver recursos suficientes, o que pode consumir tempo e tornar mais alarmante a situação dos trabalhadores. Em segundo lugar, mesmo após a arrecadação dos bens, pode haver receio do administrador judicial em pagar imediatamente os créditos referidos no art. 151 e ser responsabilizado,676 nos termos do art. 32 da LRE,677 já que a avaliação dos bens pode ainda não ter sido feita e, mesmo que tenha sido, não garante a suficiência de recursos para pagamento dos demais credores, especialmente porque os bens da massa podem ser vendidos a valor menor do que o valor de avaliação.678 Por fim, além da incerteza quanto à suficiência de recursos para pagamento dos credores extraconcursais e das restituições em dinheiro, o número de credores extraconcursais e titulares de direito de restituição em dinheiro pode não ser conhecido no momento em que houver disponibilidade em caixa, além de poderem surgir no curso do processo falimentar, aumentando ainda mais a insegurança na realização dos pagamentos previstos no art. 151.

Diante desse cenário, parece-nos que as normas contidas nos art. 150 e 151 constituem mais um limitador do pretenso benefício concedido pelo art. 67 ao financiador das empresas em recuperação judicial.

675 Cf. SOUZAJUNIOR, Francisco Satiro de. Comentários..., p. 512.

676 Conforme propugna Fábio Ulhoa Coelho,“[s]e o administrador judicial puder calcular que os recursos da

massa não serão suficientes para o atendimento da classe dos empregados e equiparados (porque os credores extraconcursais tendem a consumi-los todos, por exemplo), não deverá fazer a antecipação, sob pena de responder perante os beneficiários que restarem desatendidos.” (Comentários..., p. 503).

677 “Art. 32. O administrador judicial e os membros do Comitê responderão pelos prejuízos causados à massa

falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa, devendo o dissidente em deliberação do Comitê consignar sua discordância em ata para eximir-se da responsabilidade.”

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 174-177)