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Restituições em dinheiro

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 165-168)

8 TRATAMENTO CONFERIDO PELO DIREITO BRASILEIRO AOS

8.1 O financiamento das empresas em recuperação judicial

8.1.1 Extraconcursalidade

8.1.1.5 Limites da extraconcursalidade dos novos créditos

8.1.1.5.2 Restituições em dinheiro

Além do pagamento dos demais créditos extraconcursais, o financiador da recuperanda cuja falência foi posteriormente decretada deverá aguardar o pagamento das restituições em dinheiro. Estas podem ter por fundamento o direito de propriedade (art. 85, caput) ou alguma das hipóteses previstas no art. 86 e deverão ser realizadas antes do pagamento dos créditos extraconcursais, quer pelo seu fundamento em si, quer pela ordem sugerida no art. 149 da LRE, que trata do pagamento aos credores.632

Ainda na vigência do Decreto-Lei n. 7.661/45, o STF sumulou entendimento pelo qual reconhecia ser possível, em algumas hipóteses, o pedido de restituição de dinheiro em poder do falido. Diz a Súmula n. 417 que “[p]ode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade.”633 Desse modo, se o falido possuir, na data da decretação de falência, dinheiro recebido em nome de terceiros a título de depósito, mandato, contrato estimatório etc., o terceiro titular do dinheiro terá direito à restituição. O mesmo direito possui o INSS sobre as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados pelo empregador e não repassadas.634

632 Diz o art. 149: “[r]ealizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, na forma do art. 84 desta

Lei, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificação prevista no art. 83 desta Lei, respeitados os demais dispositivos desta Lei e as decisões judiciais que determinam reserva de importâncias.”

633 STF. Súmula nº 417. Sessão Plenária de 01 jun. 1964. DJ 06 jul. 1964.

634 Assim: “FALÊNCIA. CRÉDITOS TRABALHISTAS. RESTITUIÇÕES. HONORÁRIOS DO SÍNDICO.

PREFERÊNCIAS. SÚMULA 219. I. De acordo com o entendimento predominante na jurisprudência, as restituições, caso das contribuições previdenciárias descontadas dos salários e retidas pelo empregador, devem efetivar-se antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista, pois os bens a que se referem não integram o patrimônio do falido. [...]” (STJ. REsp 86.520/SP. 4ª Turma. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. j. 29 maio 2001. DJ 17 set. 2001).

No caso de alienação fiduciária, o art. 7º do Decreto-Lei n. 911/69 assegura ao credor ou proprietário fiduciário o pedido de restituição do bem alienado, em caso de falência do devedor fiduciante. Note-se que inclusive dinheiro pode ser objeto de propriedade fiduciária, por força do § 3º do art. 66-B da Lei n. 4.728/66.635-636

Por sua vez, o art. 86 da LRE arrola em seus incisos algumas situações nas quais se procederá à restituição em dinheiro.

A primeira delas diz respeito à inexistência da coisa à época do pedido de restituição, quer porque foi vendida, quer porque se perdeu ou inexiste por qualquer outra razão, desde que tenha sido inicialmente arrecadada ou estivesse em poder do devedor na data da decretação da falência. Nesse caso, o requerente recebe valor de avaliação do bem ou, caso tenha ocorrido sua venda, o respectivo preço pago, ambos atualizados. A norma dá margem a discussões tanto sobre os critérios de avaliação como sobre o preço de alienação do bem, especialmente quando ele é vendido em bloco com outros bens ou no conjunto do estabelecimento.

A segunda delas trata da restituição dos valores entregues ao devedor a título de ACC e já era prevista na Lei n. 4.728/65, em seu art. 75, § 3º. Trata-se de opção político- legislativa, reafirmada pela LRE, que visa à facilitação e ao barateamento das exportações, contendo a questão um “aspecto social”.637 Defende-se que o objetivo da norma é proteger os exportadores, pois garantida a devolução dos valores adiantados, as instituições financeiras não se fechariam a esse tipo de negócio, ao passo que ampliado o risco de

635 Art. 66-B, § 3º, da Lei n. 4.728/66: “[é] admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão

fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada.”

636 De acordo com o art. 1.361 do Código Civil, a propriedade fiduciária pode ser constituída somente para

bens móveis infungíveis, mas leis especiais preveem a possibilidade de sua aplicação a bens imóveis e a bens fungíveis (Lei n. 9.514/97, art. 17, e Lei n. 4.728/65, art. 66-B, § 3º, respectivamente). Neste último caso, a lei e a doutrina diferenciam alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e de títulos de crédito, muito embora ambas sejam negócios jurídicos pelos quais se constitui a propriedade fiduciária (cf. COELHO, Fábio Ulhoa. A trava bancária. Revista do Advogado, São Paulo, ano XXIX, n. 105, set. 2009, p. 62).

637 Cf. BEZERRAFILHO,Manoel Justino. A restituição ao banco do valor do adiantamento efetuado em

contrato de câmbio para exportação, em caso de falência ou concordata do exportador – exame da Súmula 133 do Superior Tribunal de Justiça. Revista dos Tribunais, v. 765, jul. 1999, p. 121.

perda desses valores, haveria uma retração das operações de ACC que refletiria negativamente na balança comercial do país.638

O ACC consiste na antecipação, pela instituição financeira ao exportador, de parte do preço a ser pago pela moeda estrangeira, antes do pagamento pelo importador. Logo, deriva sua natureza do próprio contrato de câmbio, configurando uma compra e venda a termo, com pagamento antecipado do valor da moeda estrangeira, e não operação de empréstimo.639 Ressalte-se que, nesse caso, a moeda não é tida como meio de troca, mas como mercadoria, passível de ser objeto de negócio jurídico e cujo preço está sujeito a oscilações de mercado.640

Parte da doutrina641 há muito questionou o pedido de restituição dos valores entregues ao devedor a título de ACC. Resumidamente, argumentou-se que a operação, na realidade, apresenta características de mútuo e o dinheiro entregue passaria a ser de propriedade do exportador. Ademais, normas tributárias isentariam a operação de IOF, quando seria hipótese de não incidência, caso não se tratasse de mútuo. Por fim, se a coisa não pertence ao banco, não caberia restituição, de modo que a solução legislativa adotada implicaria violação ao princípio da igualdade.

Contudo, a jurisprudência consolidada referendou o tratamento conferido pela Lei n. 4.728/65 ao ACC, entendendo que a restituição desses valores deveria ocorrer antes de qualquer pagamento, mesmo dos créditos trabalhistas, pois se trata de dinheiro de terceiro em poder do devedor, passível de restituição.642 Mas cabe uma ressalva: conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), somente será objeto de restituição o principal adiantado, acrescido de correção monetária, excluídos, portanto, multas, juros e demais encargos.643

638 Cf. WALD, Arnoldo; WAISBERG, Ivo. In: CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão

Corrêa (coords.). Comentários à nova lei de falência e recuperação de empresas: Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 349.

639 Cf. SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito..., p. 320; e BEZERRA FILHO, Manoel Justino. A restituição..., p. 120.

640 Esse posicionamento reflete o disposto no Código Comercial de 1850, que previa, em seu art. 191,

segunda alínea, a moeda metálica e o papel moeda como objeto da compra e venda mercantil. Dessa forma, o contrato de câmbio seria caracterizado como compra e venda, uma vez que nele a moeda, meio de troca, transforma-se em mercadoria, bem econômico sujeito ao mercado e submetido às leis de oferta e demanda.

641 Cf. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. A restituição falimentar do adiantamento sobre contrato de

câmbio. Revista de Direito Mercantil - Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 36, p. 27- 34, 1978.

642 Assim, STJ. REsp 533.522/RS. 4ª Turma. Relator: Min. Fernando Gonçalves. j. 21 out. 2003. DJ 03 nov.

2003.

A despeito do entendimento firmado, a já referida ADI n. 3.424 pleiteia também a inconstitucionalidade do art. 86, inciso II, da LRE, mais uma vez sob o argumento de que há violação ao princípio da isonomia, especialmente em relação aos credores trabalhistas. Subsidiariamente, clama-se pela aplicação da regra da interpretação conforme,644 para que os créditos trabalhistas sejam pagos antes dos credores por ACC. A argumentação, a nosso ver, não se sustenta quando se procede a uma análise sistemática da LRE, que previu diversos benefícios ao crédito trabalhista, tanto na recuperação judicial (art. 54) como na falência (art. 83, inciso I, e art. 151), em que possuem prioridade de pagamento em relação aos demais credores concursais. Além disso, a opção legislativa é clara nos sentido de incentivar as exportações brasileiras.645

Por último, caberá pedido de restituição dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé, na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato, nos termos art. 136 da LRE. O fundamento desse pedido de restituição está insculpido na própria norma e consiste em proteger o contratante de boa-fé.646

As hipóteses de ineficácia estão arroladas nos incisos do art. 129 da LRE e sua verificação independe do conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor ou da intenção de fraudar credores.

Distinta é a hipótese de revogação, prevista no art. 130. Neste caso, o ato revogável pressupõe a intenção de fraudar credores, o que se contrapõe ao fundamento da restituição prevista no art. 86, inciso III, da LRE. Diante disso, entendemos que houve desatenção do legislador ao prever a restituição dos valores entregues pelo contratante nos casos de revogação do negócio jurídico, em que jamais poderá ter havido boa-fé e, assim, a finalidade da norma não poderá ser cumprida, pelo que a restituição ora tratada será cabível apenas nos casos de declaração de ineficácia do negócio e desde que o contratante não tenha agido de má-fé.

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 165-168)