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O financiamento das microempresas e empresas de pequeno porte na recuperação

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 192-194)

8 TRATAMENTO CONFERIDO PELO DIREITO BRASILEIRO AOS

8.2 O financiamento das microempresas e empresas de pequeno porte na recuperação

A LRE prevê um procedimento de recuperação judicial especial para as MEs e EPPs, embora a elas possam se aplicar as regras da recuperação judicial ordinária. O objetivo do procedimento especial é conferir a essas empresas tratamento menos oneroso e mais simplificado, de acordo com a previsão do art. 970 do Código Civil.726 Alguns doutrinadores ressaltam que empresas de menor porte apresentam situação especial principalmente no início de se ciclo de vida, em que as incertezas são bem maiores.727 Por outro lado, alguns trabalhos sugerem que empresas menores têm menos probabilidade de recorrer a processos concursais devido aos custos relativamente altos e a uma maior confiança em um número reduzido de credores, aumentando as chances de acordos extrajudiciais.728

A Lei Complementar n. 123/06 considera ME ou EPP a sociedade empresária, a sociedade simples, a EIRELI e o empresário a que se refere o art. 966 do Código Civil, devidamente registrados, desde que, no caso da ME, aufira receita bruta anual igual ou inferior a R$ 360 mil, e, no caso da EPP, possua receita bruta anual superior a R$ 360 mil e igual ou inferior a R$ 3,6 milhões.729

Os incisos do art. 71 da LRE contêm as principais características do tratamento dispensado às MEs e EPPs em crise no Brasil. Deverão elas apresentar um plano especial abrangendo exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49. Os créditos abrangidos serão pagos em até trinta e seis parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de doze por cento ao ano, cuja primeira parcela vencerá em até cento e oitenta dias, contados da distribuição do pedido. Além disso, o plano especial “estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o comitê de credores, para o devedor aumentar despesas ou

726 Cf. FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel. Falência..., p. 251.

727 Conforme anotam Douglas G. Bairde Robert K. Rasmussen, as empresas cujo futuro é mais incerto são as

pequenas empresas recém-criadas, que contam apenas com capital dos sócios ou possuem seus principais bens onerados. Embora centenas delas possam abrir e fechar em determinado ano numa grande metrópole, apenas algumas delas terminam recorrendo a procedimentos concursais (The End..., p. 780).

728 Cf. CLAESSENS,Stijn; KLAPPER, Leora F. Bankruptcy..., p. 17-18.

729 Cabe ressalvar que a LRE não se aplica à sociedade simples, entendimento esposado na Súmula n. 49 do

contratar empregados.” Por fim, prevê a LRE730 que o pedido de recuperação especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

Não haverá assembleia de credores e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais exigências na LRE. Contudo, se houver objeções de credores titulares de mais da metade dos créditos quirografários, o juiz decretará a falência do devedor.731

Quanto aos demais requisitos, há aplicação supletiva das normas do procedimento ordinário previsto no art. 47 e seguintes da LRE, por força do que dispõe a parte final de seu art. 70, ao sujeitar as MEs e EPPs às normas do Capítulo III, que trata da recuperação judicial, contexto dentro do qual, segundo a doutrina, situa-se o microssistema do procedimento simplificado.732 Logo, a este procedimento aplicam-se, e.g., normas que regem a instrução da petição inicial e, no nosso entendimento, as regras sobre o financiamento das empresas em crise previstas no art. 67 da LRE.733

Todavia, a prática esbarra na rigidez imposta pelo legislador na elaboração do procedimento simplificado. Primeiramente porque o plano, nessa hipótese, está limitado às condições previstas no art. 71, não se podendo falar em incentivos aos novos credores por meio dessa via. Em segundo lugar, conforme previsto no inciso IV do mesmo artigo, o plano disporá que o aumento de despesas pelo devedor dependerá de autorização do juiz, ouvido o administrador judicial e o comitê de credores, se houver. Há, sem dúvida, um engessamento da gestão da empresa em crise que pode afetar sua plena recuperação ao se impor óbices à tomada de crédito, já que a contrapartida imediata será um aumento das despesas, não obstante o crédito possa servir justamente para quitar dívidas vencidas ou vincendas.734 Por derradeiro, conforme observamos, o financiador deverá ter em conta que não se suspendem as ações e execuções contra o devedor relativamente aos créditos não abrangidos pelo plano, de sorte que mais agentes competirão pelos resultados da atividade da empresa, e é absolutamente razoável supor que o novo crédito poderá ser destinado ao pagamento dessas execuções ao invés de servir para remediar a crise. Ressalte-se que, pelo

730 Art. 71, parágrafo único, LRE. 731 Art. 72, caput e parágrafo único, LRE.

732 Cf. ZANINI, Carlos Klein. Comentários..., p. 321.

733 Pela aplicação desses dispositivos, por ausência de ressalva nos comentários formulados, cf. ZANINI,

Carlos Klein. Comentários..., p. 329.

734 Para críticas a esse dispositivo sob o prisma constitucional, cf. TREZZA, Luciana Di Marzo. Recuperação

judicial especial para micros e pequenas empresas à luz da Lei 11.101/2005 – LRE. In: DE LUCCA, Newton; DOMINGUES, Alessandra de Azevedo (coord.). Direito Recuperacional: Aspectos Teóricos e Práticos. Organização: Nilva M. Leonardi Antonio. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 382-383.

rol de credores excluídos do procedimento simplificado,735 não deverão ser poucas as execuções em curso.

A despeito dos problemas ora levantados, cabe uma observação importante: a limitação para aumento de despesas ou contratação de empregados somente passará a vigorar depois da concessão da recuperação judicial pelo juiz. Isto ocorrerá somente após os prazos para apresentação do plano (sessenta dias) e apresentação de objeções (trinta dias após o a publicação do aviso de recebimento do plano ou da relação de credores prevista no § 2º do art. 7º). Até lá, o devedor é livre para contratar empréstimos, sem prejuízo da fiscalização pelo administrador judicial quanto à destinação dos recursos captados.

Ao lado dos obstáculos legais, as MEs e EPPs apresentam problemas intrínsecos, como maior assimetria informacional e dificuldades de monitoramento. Além disso, grandes empresas normalmente possuem um fluxo de caixa relativamente estável que pode ser destinado ao pagamento de dívidas. Adicionalmente, elas possuem, em geral, uma reputação construída ao longo do tempo que diminui o incentivo à adoção de comportamentos que possam aumentar a probabilidade de crise financeira. Essas características devem possibilitar que as empresas de maior porte tomem empréstimos em condições mais favoráveis em relação às empresas menores.736 A mesma lógica é aplicável às empresas em recuperação judicial, o que dificulta a captação de recursos por MEs e EPPs nessa condição.

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 192-194)