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Os fundos de investimento como fornecedores de crédito às empresas em

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 88-92)

6 O FINANCIAMENTO DAS EMPRESAS EM CRISE:

6.3 Os fornecedores de crédito

6.3.1 Os fundos de investimento como fornecedores de crédito às empresas em

Nos Estados Unidos, noticia-se que fundos de hedge e private equities, normalmente focados em investimentos de curto prazo, estão investindo no financiamento de empresas em crise mediante a adoção de diversas estratégias, com finalidades distintas.314 Embora esses fundos atuem com mais força nesse mercado desde 2003,315 alguns autores entendem que, após a crise de 2008, o aumento das taxas de juros e a diminuição dos prazos de vencimento dos empréstimos concedidos a empresas sob o Chapter 11 constituíram ingredientes que atraem ainda mais os fundos para esse mercado, visando retornos de curto prazo com empréstimos de baixo risco ou mesmo de uma participação no capital da empresa financiada.316

312 Cf. SLATTER,Stuart; LOVETT, David. Como recuperar..., p. 284.

313 Para mais detalhes sobre o funcionamento das factorings, cf. SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. São Paulo: Atlas, 2005, p. 262-268.

314 Cf. SISKEY, Kyle. Hedge funds have taken control. 28 Int'l Fin. L. Rev., June 2009, p. 48. Dentre os

principais fundos de hedge atuantes no mercado de DIP financing nos Estados Unidos entre 1996 e 2007 estão Cerberus Capital Management; Silver Point Capital Group, LP; Black Diamond Capital

Management, LLC; DDJ Capital Management, LLC; e Oaktree Capital Management, LLC (cf. JIANG,

Wei; LI, Kai; WANG, Wei. Hedge Funds and Chapter 11. Journal of Finance, Forthcoming. Apr. 2011, p. 31. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1493966>. Acesso em: 31 jan. 2012).

315 Cf. JIANG, Wei; LI, Kai; WANG, Wei. Hedge..., p. 12.

316 Cf. MARTIN, Jarrod B. et al. Freefalling..., p. 1213-1214. Segundo informam os autores, em fevereiro de

2009, a gestora de investimentos Aladdin Capital, com patrimônio de US$ 15 bilhões, anunciou o lançamento de um fundo de hedge para investir exclusivamente no DIP market, vislumbrando obter significativa participação nesse mercado (Freefalling..., p. 1216-1217).

Nesse contexto, muitos dos contratos de empréstimos concedidos por fundos de investimento a empresas em crise contêm cláusulas prevendo a aquisição do controle da empresa e focam no nível de preferência de pagamento do crédito ao invés do retorno proporcionado pelas taxas de juros. O controle pode ser adquirido ao final do processo ou mesmo durante a recuperação, com o advento de alguma situação que acarreta a conversão da dívida em participação societária.317

Estratégia semelhante vem sendo comumente adotada em acordos celebrados no âmbito de recuperações extrajudiciais (pre-packaged bankruptcies), nos quais são fixadas metas rigorosas que a empresa deve cumprir para posteriormente ingressar com um pedido no Chapter 11 e confirmar o plano acordado. Com o não atingimento das metas, o gatilho é disparado e o fundo adquire o controle da empresa.318

Os fundos de investimento também podem ter interesse no financiamento de empresas em crise para proteger investimentos já realizados e tentar melhorar a posição dos créditos sujeitos à recuperação.319 Para tanto, uma das estratégias consiste nos chamados rollups, em que o novo crédito é utilizado para conferir prioridade ao crédito preexistente. Essa alternativa é bastante utilizada quando o montante a ser emprestado é elevado para que um fundo possa suportar sozinho. Nessas hipóteses, vários fundos concedem o empréstimo.320 Entretanto, algumas vezes um único fundo opta pela estratégia de rollup quando não quer controlar a empresa após a recuperação, seja porque o investimento não se ajusta à sua carteira, seja porque ele não quer assumir o risco do negócio.321

O financiamento também pode servir de veículo para a liquidação da empresa em crise, quando, por alguma razão, há intenção de se vender os ativos.322

Os fundos de investimento podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento de um mercado de créditos detidos contra empresas em crise, um dos

317 Cf. SISKEY, Kyle. Hedge funds..., p. 48-49. O ingresso de fundos de hedge no mercado de DIP financing norte-americano com o objetivo de adquirir o controle da empresa é também constatado por

Wei JIANG, Kai LI e Wei WANG (Hedge..., P.13).

318 Cf. SISKEY, Kyle. Hedge funds..., p. 48.

319 Cf. MARTIN, Jarrod B. et al. Freefalling..., p. 1215.

320 Nos Estados Unidos, a Lyondell Chemical obteve US$ 8 bilhões em DIP financing, concedido por catorze

fundos de hedge e pelo banco UBS. Desse montante, US$ 3,25 bilhões foram destinados ao pagamento de parte dos créditos anteriores, passando os credores a ter prioridade de pagamento desse montante em relação a outros créditos preexistentes e não pagos (cf. SISKEY, Kyle. Hedge funds..., p. 49).

321 Cf. SISKEY, Kyle. Hedge funds..., p. 49.

322 Assim ocorreu em 2009 com a Qimonda North American, que planejava sua liquidação após a falência da

matriz alemã no início daquele ano. Um fundo private equity elaborou um relatório com os custos e lucros obtidos com a liquidação emergencial dos ativos. Dos US$ 60 milhões emprestados, US$ 40 milhões serviram como empréstimo provisório e US$ 20 milhões garantiram o tempo necessário para a venda da fábrica da empresa (cf. SISKEY, Kyle. Hedge funds..., p. 50).

obstáculos ao financiamento dessas empresas segundo algumas vozes, tal como veremos durante este trabalho. Nesse sentido, diferentes tipos de fundos “abutres” (vulture funds) têm atuado no mercado canadense, alguns dos quais objetivamente concluíram que o devedor possuía algum valor e, por isso, adquiriram suas dívidas, provocando um aumento de liquidez no mercado de créditos contra empresas em crise e um alento para aqueles que desejavam encerrar suas perdas. Contudo, há fundos que podem emperrar a recuperação e prejudicar todos os interessados. Os fatores mais importantes a serem considerados são a boa-fé e o sopesamento dos motivos que levam os fundos a adquirir créditos de empresas sabidamente problemáticas, bem como os potenciais benefícios e prejuízos no resultado do processo recuperacional.323

No Brasil, os fundos private equity utilizam a roupagem dos Fundos de Investimento em Participações (FIPs), regulamentados pela ICVM n. 391/03. São eles responsáveis por garantir os recursos de longo prazo necessários para que as empresas possam se reestruturar e ganhar fôlego até uma eventual abertura de capital.324

Todavia, em nosso país, há um mercado ainda muito incipiente para os chamados non performing loans.325 Ademais, há pouca disposição dos fundos de investimento para concessão de crédito de longo prazo às empresas em recuperação judicial, diante da baixa atratividade dessa modalidade de financiamento em relação a outras formas de investimento, como venture capital. Não obstante, algumas iniciativas vêm sendo tomadas por fundos de investimento com foco em ativos de empresas falidas ou em recuperação

323 Cf. SARRA, Janis. Financing..., p. 601-602.

324 Cf. PERIN JUNIOR, Ecio. Curso..., p. 389. Conforme explica o jurista, o processo de reestruturação

realizado pelos FIPs consiste em “elaborar, em primeira etapa, projeto ou start-up, quando a empresa sai do zero, colocando em prática uma ideia financiada por um fundo chamado de venture capital, que possui um risco mais alto. A segunda etapa consiste no desenvolvimento corporativo, ou seja, quando a empresa já existe e precisa de recursos financeiros e orientação para crescer. Neste ponto entram os fundos de private equity, que reúnem grandes investidores, pessoas físicas ou empresas, sob a coordenação de especialistas em gestão empresarial. Esses fundos fazem um projeto de investimentos para a empresa e entram com dinheiro de longo prazo, em troca de participação na gestão. A terceira etapa é a da consolidação da empresa e a última é a ida ao mercado de ações, o que viabiliza a venda de uma empresa em estado de crise econômico-financeira alavancada pelos recursos aportados.” Todavia, é importante salientar que a abertura de capital é apenas uma das possíveis formas de saída dos FIPs, as quais compreendem, dentre outras, a venda a adquirentes estratégicos que se valem das possíveis sinergias com a recuperanda, o pagamento de sócios ocultos, o pagamento de empréstimos, a alienação a outros fundos de private equity ou até mesmo a administradores profissionais (cf. EUROPEANPRIVATE EQUITY AND VENTURE CAPITAL ASSOCIATION. 2010 Pan-European Private Equity and Ventures

Capital Activity. 2011, p. 70. Disponível em: <http://www.evca.eu/uploadedfiles/Home/Knowledge_Center/EVCA_Research/Statistics/Yearbook/Evca _Yearbook_2011.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2012).

judicial, inclusive mediante participações societárias e utilização de SPEs.326 Em outros casos, os fundos efetivamente compram empresas em recuperação judicial, mudam sua gestão e renegociam com os credores. Após, vendem a empresa saneada a um preço muito superior ao de aquisição. Trata-se de outra via para manter as empresas em atividade, gerar receitas e preservar postos de trabalho.327 Entretanto, os riscos de sucessão, especialmente trabalhista, ainda não estão completamente afastados, podendo atingir os novos investidores muito além do valor investido.

A participação dos fundos de private equity no capital de algumas empresas em recuperação pode ser contabilmente tratada como dívida, caso se refira a ações preferenciais resgatáveis. De acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 39, do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, essas ações passaram a ser avaliadas como passivo financeiro no balanço das empresas, e não como capital.328 No âmbito das empresas em recuperação judicial, tal disposição aumenta seu endividamento e o risco para os demais credores, inclusive os novos financiadores, cujo crédito concorrerá com outros extraconcursais, se o investimento do fundo tiver sido feito após o pedido de recuperação. Porém, a questão deve ser analisada em cada caso concreto à luz do princípio contábil da primazia da essência sobre a forma.329 O tema foi objeto de manifestação da CVM, por meio do Parecer de Orientação n. 37/2011, com destaque para a classificação de instrumentos financeiros como passivo ou capital na representação da realidade econômica das companhias abertas. Na oportunidade, destacou-se que

326 Conforme matéria veiculada no jornal Valor Econômico em 14 de dezembro de 2010: “Orey prepara um

fundo para compra de empresas quebradas”. A matéria aponta a mitigação dos riscos de sucessão na compra dos ativos e eficiência do ponto de vista fiscal, pois os ganhos com a operação seriam tributados na SPE e distribuídos via dividendos (BELLOTTO, Alessandra. Orey prepara um fundo para compra de empresas quebradas. Valor Econômico, São Paulo, 14 dez. 2010. Disponível em: <www.valor.com.br>. Acesso em: 14 dez. 2010).

327 Assim têm atuado os fundos Arion Capital e a gestora de recursos Latin America Equity Partners (Laep),

que adquiriu e valorizou empresas em recuperação judicial, como a butique de luxo Daslu e a Parmalat, ora fundida na atual Lácteos Brasil. A compra de créditos de empresas em crise têm sido movimentada por algumas instituições tradicionais, como o Bank of America Merrill Lynch, e outras que surgiram recentemente, como BRD - Brazil Distressed, Cultinvest, Ícone e Root (cf. PRESSINOTT, Fernanda; BAUTZER, Tatiana. Os fundos que reconstroem empresas. Istoé Dinheiro, n. 735, Finanças, 04 nov.

2011. Disponível em:

<http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/71658_OS+FUNDOS+QUE+RECONSTROEM+EMPRESA S>. Acesso em: 04 jan. 2012).

328 Cf. COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS. Pronunciamento Técnico CPC 39:

Instrumentos Financeiros: Apresentação. [2009], p. 13. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/pdf/CPC%2039_final.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2012.

329 Conforme anota Alexandre Demetrius Pereira, “[p]ara que a informação represente adequadamente as

transações e outros eventos que ela se propõe a representar, é necessário que essas transações e eventos sejam contabilizados e apresentados de acordo com a sua substância e realidade econômica, e não meramente sua forma legal.” (O Exercício Social e as Demonstrações Financeiras. Os Lucros, as Reservas e os Dividendos. In: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, 3 v., p. 565).

é sob a primazia da essência sobre a forma que deve ser analisado o direito incondicional de evitar a entrega de caixa ou outro ativo financeiro para liquidar uma obrigação contratual. Isso porque, não subsistindo tal direito, a obrigação atenderá à definição de passivo financeiro.

A solução do problema e a correta classificação contábil do instrumento financeiro dependerá do quanto disposto no estatuto social da recuperanda, a teor do art. 19 da LSA. Assim, pode o estatuto, v.g., conferir à sociedade o direito de opção de resgatar ou não essa classe especial de ações no vencimento, conforme lhe convenha financeira e patrimonialmente.330 Nesta hipótese, em comunhão com o entendimento da CVM, o enquadramento adequado seria como participação no capital da empresa.331

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