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O financiamento das empresas em crise na Itália

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 127-130)

7 O FINANCIAMENTO DAS EMPRESAS EM CRISE NO DIREITO

7.3 O financiamento das empresas em crise na Itália

Lorenzo Stanghellini474 ressalta que a quase inexistência do financiamento às empresas em crise na Itália obriga o intérprete e o operador direito a identificar, dentro do ordenamento vigente, procedimentos que viabilizem o acesso a novos financiamentos pelas empresas em dificuldade.

Ante da reforma de 2007, o Régio Decreto n. 267/1942, em seu art. 167, previa a possibilidade de a empresa em regime de concordata (concordato preventivo) contrair mútuos ou outra forma de financiamento, inclusive oferecendo garantias. No entanto, ainda que a jurisprudência italiana entendesse que, no regime de amministrazione controllata, os débitos contraídos deveriam ser pagos com precedência em caso de falência, ela considerava que aqueles surgidos durante a concordata seriam pagos com preferência somente quando fosse posteriormente reconhecida sua utilidade na melhor liquidação dos ativos. Assim, o financiador tinha que suportar o risco de que o financiamento que concedeu à empresa não tivesse servido a tal fim, o que desincentivava essa prática.475

Na falta de financiamento, a solução era realizar uma espécie de “arrendamento da empresa” (affitto d’azienda) estipulado antes do pedido de concordata. Todavia, esse procedimento era caro e de difícil operacionalização, pois dependia de se encontrar um arrendatário, ceder os contratos, obter aprovação de sindicatos, dentre outras medidas. Em casos nos quais a cessão era vedada contratualmente, a operação se tornava inviável.476

A reforma da lei italiana deu maior estabilidade aos créditos surgidos “por ocasião ou em virtude” do procedimento concursal,477 ao classificá-los como extraconcursais (prededucibili), desde que os respectivos negócios tenham sido autorizados pelo juiz delegado, sob pena de ineficácia em relação aos credores anteriores à concordata.478 Essa

474 Linee-guida..., p. 4.

475 Cf. STANGHELLINI, Lorenzo. Linee-guida..., p. 34-35. 476 Cf. STANGHELLINI, Lorenzo. Linee-guida..., p. 35. 477 Régio Decreto n. 267/1942, art. 111.

478 Régio Decreto n. 267/1942, art. 167, segundo parágrafo: “[...] [i] mutui, anche sotto forma cambiaria, le transazioni, i compromessi, le alienazioni di beni immobili, le concessioni di ipoteche o di pegno, le fideiussioni, le rinunzie alle liti, le ricognizioni di diritti di terzi, le cancellazioni di ipoteche, le restituzioni di pegni, le accettazioni di eredità e di donazioni e in genere gli atti eccedenti la ordinaria amministrazione, compiuti senza l'autorizzazione scritta del giudice delegato, sono inefficaci rispetto ai creditori anteriori al concordato. [...]”. Tradução nossa “[...] [o]s mútuos, mesmo sob a forma cambiária,

as transações, os compromissos, a alienação de bens imóveis, as concessões de hipoteca ou penhor, as garantias pessoais, as desistências de litígios, os reconhecimentos de direitos de terceiros, os

autorização pode ser dispensada quando o tribunal falimentar, logo ao declarar a abertura da concordata preventiva, fixar um limite de valor abaixo do qual o devedor poderá obter novos créditos, o que certamente atenderá às suas necessidades mais urgentes e contribuirá para a preservação da empresa.479

Lorenzo Stanghellini480 ressalta, porém, que a extraconcursalidade atribuída aos novos credores se justifica enquanto o financiador possa concorrer com os demais credores anteriores pelo valor total reclamado e, portanto, na medida em que se chega à falência sem que se opere o deságio das dívidas preexistentes pelos credores (falcidia concordataria). Se, ao invés disso, a falência for declarada após anos, por causas independentes das que determinaram a crise originária, e nela venham a concorrer os credores ainda não pagos (pela parte não descontada), a prioridade dos credores que financiaram a empresa não tem mais razão de ser.

A estabilidade nos negócios buscada pela reforma da lei falimentar italiana conferiu irrevogabilidade dos atos, pagamentos e garantias verificados no curso da concordata. Ou seja, uma vez homologada a concordata, tais atos não sofrem controle jurisdicional, conferindo uma relativa estabilidade aos direitos e obrigações das várias partes indicadas na proposta aprovada e homologada.481

Assim, o financiador tem razoável certeza de que (a) se o financiamento for concedido na pendência do procedimento e for regularmente autorizado, ele terá prioridade, seja na concordata (não podendo o plano atingir seus direitos), seja numa sucessiva falência, observada a ordem interna de preferência desses créditos;482 e (b) se concedido após a homologação da proposta de concordata, será oponível (e, portanto, computável no passivo) na hipótese de falência, e a garantia eventualmente adquirida será irrevogável,483 desde que tanto o financiamento como a respectiva garantia já estejam previstos no plano.484

cancelamentos de hipotecas, as restituições de penhor, as aceitações de herança e doações e, em geral, os atos que excedam a administração ordinária, realizados sem a expressa autorização do juiz delegado, são ineficazes em relação aos credores anteriores à concordata. [...]”.

479 Régio Decreto n. 267/1942, art. 167, terceiro parágrafo.

480 Linee-guida..., p. 36. O autor exemplifica que, se o devedor assumiu a obrigação de pagar seus débitos

em dez anos, com desconto de 50%, e sete anos depois ele falir, os credores antigos concorrerão somente pelos valores previstos no plano e os eventuais financiadores concorrerão com eles nas mesmas condições, salvo eventuais garantias.

481 Cf. STANGHELLINI, Lorenzo. Linee-guida..., p. 36. 482 Régio Decreto n. 267/1942, art. 111-bis, 2º.

483 Régio Decreto n. 267/1942, art. art. 67, 3º, “e”. 484 Cf. STANGHELLINI, Lorenzo. Linee-guida..., p. 36.

Apesar de as alterações sofridas pela lei falimentar italiana terem trazido maior estabilidade e segurança aos financiamentos concedidos às empresas em crise na Itália, o financiador enfrentará algumas limitações e riscos: (a) seu crédito não precede aqueles garantidos por hipoteca ou penhor;485 (b) concorre com outros credores extraconcursais;486 (c) em caso de inadimplemento, o credor não pode iniciar a execução forçada, quer na concordata preventiva (segundo algumas interpretações487), quer em eventual falência.488 (d) mesmo que seu crédito seja garantido, o financiador não terá a certeza de que será pago tempestivamente, pois, segundo advoga Lorenzo Stanghellini,489 o crédito provavelmente não poderá ser percebido durante concordata preventiva, enquanto numa posterior falência deverá ser previamente inserido no passivo.

Como sugestão para superar esses problemas, o jurista propõe duas alternativas.490 A primeira consiste na cessão de créditos do devedor, sejam aqueles anteriores e ainda não cedidos, sejam aqueles que vencerão durante a concordata, com o escopo de servir de garantia e desde que haja autorização expressa para o credor compensar os valores recebidos com o financiamento concedido. A segunda alternativa envolve formas de financiamento calcadas em ativos, tais como a criação de uma sociedade de propósito específico (società-veicolo) a quem serão cedidos os estoques de produtos da empresa. Ao credor seria oferecida a vantagem de ter um devedor que pode ser livremente executado fora do processo.

Ainda, o financiamento concedido após a aprovação do plano não será extraconcursal na hipótese de convolação em falência, porquanto não foi concedido “por ocasião ou em razão” da concordata preventiva,491 mas durante sua execução. O fato de estar previsto no plano possibilita que o financiamento e a eventual garantia concedida sejam irrevogáveis em caso de falência, conforme art. 67, terceiro parágrafo, “e”, do Régio Decreto n. 267/1942.492 Todavia, Lorenzo Stanghellini493 sustenta que, se o financiamento concedido depois da homologação for contemplado na proposta de concordata, autorizado

485 Régio Decreto n. 267/1942, art. 111-bis, segundo parágrafo. 486 Régio Decreto n. 267/1942, art. 111-bis, quarto parágrafo.

487 Cf. STANGHELLINI, Lorenzo. Linee-guida..., p. 44. A dúvida se coloca a partir da redação do art. 168,

primeiro parágrafo, da lei concursal italiana, o qual prevê que os credores anteriores ao decreto não podem, sob pena de nulidade, iniciar ou prosseguir com execução sobre o patrimônio do devedor. Não está claro se o decreto é o que declara a abertura da concordata preventiva (art. 162, primeiro parágrafo) ou se é aquele que a homologa após a aprovação do plano (art. 180, parágrafo terceiro).

488 Régio Decreto n. 267/1942, art. 51. 489 Linee-guida..., p. 44.

490 Cf. STANGHELLINI, Lorenzo. Linee-guida..., p. 45. 491 Régio Decreto n. 267/1942, art. 111, segundo parágrafo. 492 Cf. STANGHELLINI, Lorenzo. Linee-guida..., p. 46. 493 Linee-guida..., p. 45.

pelo tribunal ou juiz delegado e contratado antes da homologação (embora com eficácia condicionada à homologação), ele pode adquirir prioridade numa eventual falência.

Por fim, cumpre mencionar que a Lei n. 122, de 30 de julho de 2010, acrescentou o art. 182-quarto à lei falimentar italiana, expressamente atribuindo extraconcursalidade ao financiamento concedido por bancos e intermediários financeiros na execução da concordata ou do procedimento extrajudicial denominado acordo de reestruturação de débitos (accordo di ristrutturazione dei debiti). A lei diz ainda que são equiparados aos extraconcursais os créditos derivados de financiamentos realizados por essas entidades em razão da apresentação do pedido de concordata ou de homologação de um acordo de reestruturação de débitos, desde que o financiamento conste no plano apresentado e sua prioridade seja expressamente autorizada pelo juiz na decisão que acolhe o pedido de concordata ou homologa o acordo extrajudicial.

No documento Financiamento das empresas em crise (páginas 127-130)