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Fontes e corpus, objetivos, metodologia de investigação e limites

2.1.Fontes e corpus

Num primeiro momento, procedeu-se à recolha e à categorização da bibliografia ativa para delimitar o corpus a estudar. De Castro Soromenho identificou-se várias obras, sendo as mais antigas de difícil localização: Lendas negras (contos) (1936), Nhari: o drama da gente negra (contos e novelas) (1938), Imagens da cidade de S. Paulo de Luanda (1939), Noite de angústia (romance) (1939), Homens sem caminho (romance) (1941), Sertanejos de Angola (história) (1943), A aventura e a morte no sertão: Silva Pôrto e a viagem de Angola a Moçambique (história) (1943), Rajada e outras histórias (contos) (1943), A expedição ao país do oiro branco (história) (1944), Mistérios da terra (etnografia) (1944), Calenga (contos) (1945), A maravilhosa viagem dos exploradores portugueses (etnografia) (1946), Terra morta (romance) (1949), Samba (conto) (1956), A voz da estepe (conto) (1956), Viragem (romance) (1957), Histórias da terra negra (contos, novelas e uma narrativa) (1960), Portrait: Jinga, reine de Ngola et de Matamba (1962), A chaga (romance) (1970). Foram ainda recolhidos documentos não-publicados (esboços de artigos vários e correspondência) que em muito contribuem para uma nova reflexão sobre a obra em apreço. Para efeitos desta tese, foi constituída objeto de estudo fulcral a chamada trilogia de Camaxilo, Terra Morta, Viragem e A Chaga.

De Reis Ventura, apesar da dificuldade de localização da obra, foi adquirida uma parte que a constitui: Quatro contos por mês (1955), Cidade alta (1958), Filha de Branco (1960), refentes à trilogia de Cenas da vida em Luanda; Queimados do Sol (1966) e Cafuso. Memórias de um colono de Angola (1956); à exceção da última, todas são objeto de estudo e análise.

Quanto à autora Guilhermina de Azeredo, com a mesma dificuldade de acesso, foram adquiridas as três obras que a autora publicou e que constituem o corpus: Feitiços (1935), Brancos e negros (1956) e O Mato (1972).

No total, serão analisadas dez obras de ficção de temática colonial (de Angola) de três autores distintos, escritas entre os anos 30 e finais dos anos 60 do século XX.

2.2. Objetivos

A natureza do trabalho exige que seja adotado um método de investigação qualitativo. Depois de lida e reunida a bibliografia ativa e a bibliografia passiva do corpus delineou-se objetivos que se pretende atingir:

1) pensar o corpus numa perspetiva cultural, sob a égide dos estudos culturais e pós-coloniais, em diálogo com a narrativa ficcional e a narrativa propagandística do Império Colonial Português, nomeadamente sob influência da teoria lusotropicalista;

2) analisar a dimensão imperial e lusotropical na representação da categorização da “raça” (branco, preto, mestiço) dos romances de Soromenho, Ventura e Azeredo;

3) situar a obra soromenha, enquanto colonial, anticolonial e pós-colonial, em contraponto com as obras de Ventura e Azeredo;

4) analisar a colonialidade e a pós-colonialidade do corpus; 2.3. Metodologia

A investigação que se segue é de caráter qualitativo e, num primeiro momento, descritiva, partindo da análise de dados secundários, tais como referências bibliográficas de caráter geral e específico, e de documentos literários e entrevistas exploratórias.

Para além da obra soromenha publicada encontrada em livrarias, alfarrabistas e particulares, as fontes estavam de tal forma dispersas que se tornaram quase numa tarefa ingrata e inglória, de que são exemplo os artigos de cariz etnográfico identificados e localizados no Brasil e em França. No entanto, em boa hora, a família Soromenho publica o sítio de internet www.sobrecs.wordpress.com onde expõe o acervo biográfico e bibliográfico referente a Fernando Monteiro Castro Soromenho e a seu pai, Artur Castro Soromenho, antigo administrador de Angola. Aqui encontram-se algumas fotografias da época, capas de livros e respetivas traduções em várias línguas e bibliografia passiva publicada até então. O sítio está a ser construído au fur et à mesure pelo filho e pela nora de Castro Soromenho desde junho de 2009. Após vários contactos, Eduardo Monteiro Castro Soromenho, residente em São Paulo (Brasil), enviou o material digitalizado de que dispunha, onde constava também uma longa lista de referências bibliográficas de estudos referente ao escritor.

No que respeita as entrevistas exploratórias (realizadas via correio eletrónico), foram localizados informantes-chave para a investigação em questão: Fernando Mourão, amigo de Castro Soromenho, professor e membro do Centro de Estudos Africanos na Universidade de São Paulo (Brasil), Eduardo Castro Soromenho, filho, e Lúcia Ido, nora de Castro Soromenho.

Para além do material resultante do contacto com os familiares, e como já foi referido, outros documentos identificados suscitaram interesse para eventuais trabalhos futuros, pois, de momento, não cabem no presente estudo, são eles a adaptação do romance Terra Morta para o teatro radiofónico, dirigido por Driss Chraïbi, sob o título Camaxilo, difundido por France-Culture a 2 de outubro de 1965 (documento localizado no Fundo de Godebert, na Biblioteca Nacional em França) e, também, a participação na revista literária brasileira Dom Casmurro, fundada em 1937 por Brício de Abreu e Álvaro Moreyra (documentos localizados na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro).

2.4. Limites

Para atingir os objetivos acima enunciados foi selecionado um corpus e desenhou- se uma metodologia de trabalho, que por vezes se viu condicionada por razões financeiras. Com efeito, estudar os autores propostos, Castro Soromenho, Reis Ventura e Guilhermina de Azeredo, obriga a uma pesquisa alargada de fontes partilhadas por três continentes – europeu, americano e africano, mas nem sempre tal foi possível.

O trabalho não contempla o labor jornalístico de Castro Soromenho11, embora não

se descarte uma ou outra referência, como também não contempla outros textos do texto de Soromenho como as adaptações, acima já referidos. No entanto, julga-se pertinente descrever, aqui e de seguida, o material localizado e identificado, para futuros trabalhos ou abordagens à obra soromenha.

Foram contactados investigadores de temas contíguos ao que está em apreço, por exemplo Tania Regina de Luca, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/ Faculdade de Ciências e Letras de Assis, que coordena o projeto de investigação A Imprensa na Era Vargas (1938-1945): o caso do jornal Dom Casmurro; ou ainda,

11 A este propósito, Fernando Mourão informa, através de correio eletrónico, que o trabalho jornalístico

Stéphanie Delayre, autora do livro Driss Chraïbi, un écrivain de traverse (2006), pela adaptação da obra Terra Morta, de Castro Soromenho, que Chraïbi produziu para a rádio francesa. Contudo, os resultados que daqui advieram foram débeis uma vez que, pela extensão dos projetos, os informantes pouco conhecem da relação do escritor Castro Soromenho com os objetos em estudo.

A adaptação de Terra Morta para a peça de teatro Camaxilo enquadra-se na obra de Driss Chraïbi (1926-2007), conhecido por tratar temas delicados ou subalternos (tais como o colonialismo, o racismo, a condição da mulher, entre outros), e por ser “celui par qui le scandale arrive” (Delayre 2006: 10) ou um provocador. O marroquino Chraïbi é sobretudo o escritor que finta a crítica ao recusar “l’enfermement de son œuvre dans un entre-deux que rendrait problématique la bipolarité territoriale dont il est issu et qui fonde son identité” (Delayre 2006: 9). Em quarenta e sete anos de escrita, Chraïbi mantém-se coerente no seu propósito: “abattre les remparts qu’érigent, entre les deux cultures dont il participe, méconnaissance réciproque, tabous et réticences respectives, assortis d’un ‘double langage’ qui dévoie et altère les échanges” (Delayre 2006: 11).

Para além de escritor, Driss Chraïbi transpõe a escrita para a rádio ao produzir e/ou adaptar as suas obras e de outros para o teatro radiofónico, o que lhe permite reescrever romances, de remodelar o conteúdo ou os leitmotifs simbólicos daqueles (Delayre 2006: 14). É na primeira metade dos anos 60 do século XX que Chraïbi se torna prolixo na emissora France-Culture. Aqui opta por celebrar o escritor engagé ao apresentar uma panóplia de textos africanos de origens diversas. O produtor lança, assim, uma série radiofónica intitulada “Théâtre noir”, que é inaugurada com a adaptação de Mission terminée de Mongo Béti e de Habitants du marécage de Wolw Soyinka, difundindo, desta forma, os grandes representantes das literaturas africanas de língua francesa e inglesa. De igual modo, em 1965 coloca ao serviço dos ouvintes Camaxilo de Castro Soromenho, escritor da África lusófona exilado, nessa mesma altura, em França.

O documento localizado na Biblioteca Nacional francesa, e que só pode ser consultado in loco, comporta 37 páginas anotadas do texto adaptado, referentes à difusão da peça radiofónica na emissora France-Culture. Estima-se que este documento poderá mostrar quais as temáticas que sobressaem no contexto dos exilados africanos em França e, a este respeito, que respostas poderá dar aos aspetos enfatizados por Driss Chraïbi na adaptação da obra Camaxilo. Por razões financeiras, houve a impossibilidade de deslocação a França.

Quanto à segunda fonte encontrada no Rio de Janeiro, ou seja, os artigos escritos por Soromenho para o jornal literário Dom Casmurro nos anos 40, levanta-se a hipótese de Castro Soromenho participar de forma inequívoca, embora dissimulada, na ação anticolonial e sobretudo antissalazarista.

O jornal Dom Casmurro, na edição inaugural, propõe-se a:

a suprir uma falta no Rio: – a de um jornal para todo mundo, feito por intelectuais e com um único programa: evitar a burrice que aí anda. Nada mais (...). Quanto às idéias, não temos o propósito de ocultá-las, nem restringi-las. Os melhores nomes da nossa literatura trabalham e colaboram em Dom Casmurro sem outra condição que a de “produzir” honesta e intelectualmente (Brício de Abreu apud Luca 2011: 69).

Para além de Dom Casmurro, será ainda possível analisar as revistas/jornais onde colaborou – Humanidade, Diário Popular, A Noite, Jornal da Tarde, O Século, Seara Nova, O diabo, O Primeiro de Janeiro, Dom Casmurro e Mundo Literário – para traçar o perfil ideológico do escritor e em que meio cultural circula? É uma incógnita que só poderá ser desvendada com um outro trabalho com a mesma envergadura que o presente e desde que seja possível viagens ao Brasil e em Portugal.