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6. DISCUSSÃO

6.4. As hipóteses/pressupostos e o mundo real

Quando iniciei esta pesquisa de Mestrado, tinha muitas perguntas e algumas hipóteses que foram citadas no capítulo 3 (página 39) desta Dissertação.

Apesar da violência estar presente em todas as trajetórias, há muitas outras variáveis que se sobrepõem à violência. Discorrei a seguir sobre as hipóteses/pressupostos formulados e os resultados obtidos.

Adolescentes e jovens expostos à situação de vulnerabilidade extrema são mais propensos a morar em situação de rua.

Para 69% das(dos) adolescentes entrevistadas(os) o motivo que as(os) levou à rua foi à violência doméstica que elas e eles expressam das mais diversas formas:

“ Meus pais se separaram, eu apanhei da mãe. Fui para um abrigo, fugi pra casa do meu pai e apanhei do pai...() até que o Conselho Tutelar me tirou. Agora estou no abrigo, mas não quero ficar lá, eles me vigiam o tempo todo.” Nicanor, 11 anos

estava em circulação de rua no momento da entrevista, voltava para dormir no abrigo mas dizia que lá sempre tinha um monitor “atrás” dele.

Esse dado foi confirmado na fala das(dos) adolescentes e estudos nacionais e internacionais corroboram com esta hipótese (13,144,145), vulnerabilizando-as(os).

Adolescentes e jovens em situação de rua fazem uso de substâncias psicoativas em decorrência da vulnerabilidade à que estão expostos em seu cotidiano.

Dentre as(os) 51 adolescentes/jovens, 49 já fizeram uso de SPA. Quando indagadas(os) sobre o papel da SPA em suas vidas, as respostas afirmam o papel “anestesiador” das SPAs

“ A droga não me deixa estressada.” Maria, 21 anos. “ A droga é um alívio para os meus problemas.” João,19 anos

“A droga me faz dormir na rua.” Pedro,21 anos.

“ Ajuda eu a esquecer um pouco os problemas do dia-a-dia”. Antônio,17

anos.

“ Me faz eu esquecer meus problemas.” Rosa, 21 anos.

“ Esquecer um pouco que eu estou na rua, que eu coloco a cabeça no chão duro.”. Geni, 21 anos.

“Amenizar o sofrimento.” Caetano, 21 anos

As falas das(dos) adolescentes apontam o papel importante da droga como meio para amenizar o sofrimento e as dificuldades em situação de rua.

Este início precoce de SPA somado à impulsividade da adolescência pode colocá-las(los) ainda mais em risco.

Como descrito acima, os CAPSij são os responsáveis pelo tratamento dessas e desses adolescentes. Todavia, como são menores de idade, as políticas públicas não as(os) contemplam dentro da política de Redução de Danos, prevendo a abstinência como única forma de tratamento.

internada por ordem judicial, geralmente em Comunidades terapêuticas.9

Quando pergunto se a internação causou alguma mudança em suas vidas as respostas são:

“ Para mim não significou nada.” Refere José, 21 anos que ficou um ano

internado em uma Comunidade Terapêutica em Campinas e faz uso de SPA desde os 10 anos de idade.

“Eu odiei. Não mudou nada.” Dorival, 20 anos teve oito internações por

ordem judicial enquanto era menor de idade. Faz uso de SPA desde os oito anos de idade.

“Foi muita humilhação. Não adiantou nada”. Nelson, 19 anos teve seis

internações por ordem judicial, ele conta os meses de cada internação com muita raiva no olhar. Ao todo foram 27 meses de internação, a primeira aos 13 anos. Ele faz uso de SPA desde os nove anos de idade.

Esses são apenas alguns exemplos da falta de êxito em internações compulsórias e na abstinência como uma única forma de tratamento para o uso de SPA.

As(os) adolescentes descrevem experiências muito ruins com relação a internações e todas e todos afirmam categoricamente que nada mudou após a internação. Não faz sentido algum ter uma política nacional de álcool e drogas que preconiza a Redução de Danos e, quando se trata do tratamento de adolescentes utiliza-se uma política proibicionista, ou até mesmo higienista que visa hospitalizar as(os) adolescentes, tirando-as(os) das ruas para não ferir a consciência dos defensores da moral e dos bons costumes.

Souza, apresenta em sua tese de doutorado resultados exitosos de usuários de crack (que utilizam há muitos anos) que, pelo encontro com práticas de Redução de Danos e pela acolhida de serviços de saúde atingiram, por iniciativa própria, um processo de auto regulação do uso da droga mantendo suas atividades cotidianas.(177)

Em Campinas, há uma Casa da Passagem que aceita adolescentes usuárias(usuários) de SPA. Nos outros abrigos, a suspeita do uso de SPA, inclusive

9 Comunidades Terapêuticas são locais para o tratamento de SPA que preconizam a abstinência (inclusive do tabaco) como única forma de tratamento. Os pacientes ficam segregados da sociedade em um regime de internação com regras e limites bem definidos, geralmente mantidas por organizações não governamentais religiosas, algumas cofinanciadas pelo Estado(182,183)

tabaco desliga-as(os) automaticamente deixando-as(os) novamente em situação de rua.

Para a população de adolescentes em situação de rua, faz-se necessário rever a política existente dentro dos abrigos e planejar outros serviços além do CAPSij para acolhê-la, sem preconceitos ou julgamentos morais.

Adolescentes e jovens em situação de rua estão mais expostos quotidianamente a situações de violência extrema.

Como já discutido extensivamente, mesmo que as(os) adolescentes não tenham respondido sim à questão sobre já ter sofrido alguma forma de violência na vida, esta foi exposta nas falas, quando referiam frequentemente terem sido agredidas(os) verbal ou fisicamente por transeuntes ou pela polícia; quando referiam os maus tratos ou o não atendimento por um serviço de saúde pública; quando falavam dos conflitos familiares ou nas falas das adolescentes sobre a violência sexual sofrida ou pelo medo de que ela possa acontecer se estiverem na rua sem um companheiro.

Quando pergunto se elas e eles têm medo de morar na rua, 71% responderam que sim.

Mesmo quando responderam que não tem medo de viver na rua, o medo apareceu quando falaram sobre o que é mais difícil na rua e pode ser lido nas frases abaixo:

Caetano, 21 anos, respondeu que não tinha medo de morar na rua, mas para ele a maldade das pessoas é mais difícil quando se está em situação de rua.

“É a maldade.” O ser humano é ruim, nem todos, mas a maioria sim”. “Tenho medo de alguém me fazer mal enquanto estou dormindo ”

Jackson, 21 anos

“Tenho medo de morrer na rua.” Angélica, 16 anos

“Tenho medo das agressões. Muitos roubos e perda da minha cadeira de rodas”. Roberto, 22 anos, deficiente físico, não conheceu os pais e cresceu em

abrigos. Está em situação de rua desde que completou 18 anos.

Adolescentes e jovens em situação de rua não possuem percepção de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, infectocontagiosas ou planejamento familiar por estarem submetidos a situações de violência e/ou por

comprometimento de julgamento por efeito de substâncias psicoativas.

Na questão sobre o uso de preservativos, 57% das(dos) adolescentes respondeu que utilizava em todas as relações sexuais, entretanto, quando eu ou Lily Braun complementávamos a pergunta com um “ Tem certeza que nunca escapa?” A resposta para todas e todos era um sorriso de quem fez coisa errada e a frase:

“Às vezes escapa né...”

Ao primeiro momento, a resposta automática (a considerada correta) a qualquer profissional de saúde é usar preservativo em todas as relações sexuais, por isso muitas vezes a resposta era sim, sem pestanejar. Foi preciso ir além da pergunta fechada, para que obtivéssemos as respostas fidedignas à realidade. Elas e eles têm a percepção de que o não uso de preservativos acarreta em exposição ao HIV e outras IST, a despeito desta percepção há o sentimento de “Isso só acontece com os outros.”. A taxa encontrada para IST foi de 22%, valor inferior ao encontrado no levantamento realizado pelo Ministério da Saúde em 2011 com a população geral (entre 18 e 64 anos) que encontrou uma média de IST de 37%.(178) Este valor pode ser explicado pelo tempo de exposição sexual de risco já que a idade das(dos) adolescentes variou entre 11 e 24 anos.

Com relação ao planejamento familiar, 94% das adolescentes não só referiam conhecer os MACs como os nomearam, todavia, apenas 24% faz uso de MACs. Durante as conversas com essas meninas, percebi que a não utilização de MAC não significa falta de percepção sobre a saúde reprodutiva, como escutamos frequentemente, mas sim que elas desejam engravidar, visto que todas as adolescentes possuíam uma história de, ao menos, uma destituição judicial de seus bebês, como discutido acima.