• Nenhum resultado encontrado

Os Desafios Colocados pela Desumanização

No documento HUMANISMO E DIDÁTICA DA HISTÓRIA (páginas 160-163)

A traumática experiência histórica dos crimes contra a humanidade constitui o desafio mais radical ao novo Humanismo. Esses crimes desfiguraram as características da história humana com enormes e terríveis manchas, pondo radicalmente em causa quaisquer noções humanísticas da história compatível com o pensamento histórico moderno

160

H umanis m o n a era d a gl ob aliz açã o: id ei as so br e u ma no va o rient açã o cul tural1

desde o Iluminismo e o seu subsequente historicismo e, também, com muitas formas de ‘História nova’ nos séculos XX e XXI. Existem muitos argumentos morais a favor da criação de um novo Humanismo que resolva o problema da comunicação

intercultural no quadro da atual agenda de globalização. Mas quão válida será a moralidade se isso não corresponder à história? Se a impressão da desumanidade persistir, será o Humanismo apenas uma visão utópica, incapaz de atacar os reais problemas da existência humana? O Holocausto é um paradigma para esta desta desumanidade desafiante, representativa na sua formulação mais radical. A resposta deverá surgir na forma de um “novo” Humanismo que entreteça insights antropológicos na fragilidade e falibilidade da vida humana com o desenvolvimento de novas categorias de interpretação histórica - enquanto, em simultâneo, dê ênfase ao impacto que o sofrimento humano tem no desenvolvimento e potencial humano e na mudança de critérios de interpretação tradicional para outros muito mais abertos (ver Rüsen, 2008b:191-200).

Finalmente, há que realçar outro desafio ao Humanismo: o poder crescente de conceitos de naturalismo na atual vida intelectual. Ao falar-se de “humanidade” como um princípio de auto compreensão humana e como m guião para a vida prática, o Humanismo realça qualidades culturais dos povos civilizados como sendo essencialmente diferentes de um estado da natureza, diferente, portanto, de todas as outras espécies no mundo visível.

Herder expressou esta “natureza” trans-natural da humanidade ao dirigir-se aos seus colegas como sendo Freigelassene der Schöpfung (escravos libertados da criação) (Herder, 2002, vol. III/1: 135). Isto tem de ser entendido como o homem que se libertou das limitações da natureza, da submissão dos constrangimentos de viver sob as suas leis. O Homem criou uma outra ordem de existência com novas leis, nomeadamente as leis da razão e da moralidade, o compromisso com o que define humanidade dos humanos. Os seres humanos, diferentes de todos os outros seres naturais que se encontram numa ordem pré-determinada da existência, criaram eles próprios esta ordem, facilitada pela sua competência de gerar critérios interpretativos do sentido a dar às suas próprias vidas. Ao concretizar esta competência na multiplicidade cultural, a vida humana tem de ser entendida como um processo de cultivar o seu próprio caráter único. A humanidade é ela própria um processo pelo qual o auto “empoderamento” vai além de todos os limites naturais, o que nos conduz ao mundo da cultura – uma vez que cultura é o oposto de natureza. Ela é

161

H umanis m o n a era d a gl ob aliz açã o: id ei as so br e u ma no va o rient açã o cul tural1

constituída por um conjunto de valores e normas que devem ser aplicadas a cada membro da raça humana. Embora este conjunto de valores tenha mudado ao longo do tempo, alguns dos seus elementos comuns podem, todavia, ser enunciados: a ideia de igualdade, a posse de direitos básicos e a coesão social como consequência da fragilidade da vida humana; e, no geral, a regra moral de que estes valores e normas que uma dada pessoa ou grupo social sente como direitos ou compromissos seus, deveria ser também válida para as outras pessoas e grupos sociais. É esta ênfase no conceito normativo de “natureza cultural do Homem” que coloca o Humanismo em forte contraste e oposição face a todos os movimentos que aspiram a “naturalizar” a natureza humana – pois nesta ideia de os humanos darem sentido ao mundo, o termo “naturalismo” é definido exclusivamente por referência aos atributos da raça humana. Atualmente, o Humanismo está a ser desafiado por teorias biológicas com poderosos argumentos que aspiram a compreender o comportamento humano por meio de referências a condições genéticas da vida humana e da estrutura física do cérebro humano.

Neste aspeto o Humanismo, tal como realmente se apresenta, pode ser saudado como uma crítica a tais teorias da natureza humana (cf. Sturma, 2006). O Humanismo afirma a natureza não determinista da pessoa humana na medida em que ela pertence ao plano da vida prática e das relações sociais, em que todos os participantes se tornam referentes das suas orientações culturais. Graças a esta referência, as pessoas podem compreender-se umas as outros e fornecer razões para o que fazem, sofrem e, também, para as suas falhas. O Humanismo torna a vida humana compreensível ao referir-se às razões (subjetivas) para o que as pessoas fazem, e não a causas (objetivas) do que elas fazem. O Humanismo dá ênfase à subjetividade humana como um elemento constitutivo de tornar inteligível o mundo da experiência humana, enquanto que o naturalismo realça apenas os aspetos biologicamente determinados da vida humana, que têm uma relação mais externa com a subjetividade humana. O Humanismo sempre argumentou a favor dos valores, normas e constrangimentos da cultura humana, que nunca poderá ser substituída pela simples aplicação do conhecimento científico. O Humanismo insiste na diferença principal entre conhecimento cultural que, por um lado, os humanos usam sempre ao dar significado e relevância às suas vidas e, por outro, à lógica do conhecimento científico e da sua explicação racional assente em leis de causalidade.

No documento HUMANISMO E DIDÁTICA DA HISTÓRIA (páginas 160-163)