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O papel da ideia de humanidade

No documento HUMANISMO E DIDÁTICA DA HISTÓRIA (páginas 54-58)

adquiriram as suas características tradicionais em um tempo axial7. Diferentes culturas têm diferentes tempos axiais mas, em uma perspectiva histórica universal, estes tempos axiais juntos formam um limiar na evolução cultural da humanidade.

Nas raízes destes primórdios, podemos encontrar um potencial para a solução dos problemas do nosso tempo. A solução é o universalismo profundamente enraizado na identidade cultural. Em uma forma inalterada é, é claro, não a solução, mas o problema. A solução não pode ser encontrada contra ela, mas no seu interior e de acordo com ela, ou seja, dentro de seu desenvolvimento histórico. Tempos axiais não são origens atemporais de um status metafísico em todas as mudanças temporais. O que se originou neste passado tornou-se uma questão de temporalidade, de historicidade. Ele, essencialmente, está aberto para mudanças e desenvolvimento. De acordo com essa historicidade, não é uma questão utópica pedir por uma nova abordagem e tratamento prático de universalismos culturais, tradicionalmente profundamente enraizados, que ainda são poderosos elementos da identidade cultural de hoje.

Este universalismo tem de ser remodelado, reformado a partir de excludente para includente. O que nós precisamos para o discurso intercultural de hoje é um renascimento de tempos axiais, pelos quais o universalismo original seja mantido e alterado ao mesmo tempo. Isso não deve ser uma ruptura, mas uma transformação das tradições próprias. É uma transformação que pode ser caracterizada como um novo tempo axial, que acompanha o processo de globalização tópica e responde seus desafios de identidade cultural.

O papel da ideia de humanidade

Um dos universais mais importantes na identidade cultural é a ideia de humanidade. Com esta ideia, a dimensão social da identidade é generalizada para que ela inclua todas as outras, desde que todas partilhem as características básicas da humanidade. Em um longo processo histórico, ser um ser humano tornou-se um elemento essencial da autoconsciência e auto-estima. A humanidade alargou o escopo da identidade empiricamente e aprofundou sua qualidade normativa. Ser um ser humano agora é carregado com experiências históricas generalizadas 7 Jaspers, Karl: The Origin and Goal of History. Westport, Conn.: Greenwood Press 1976; Eisenstadt, Shmuel N. (Ed.): Kulturen der Achsenzeit. Ihre Ursprünge und ihre Vielfalt. Part I, II, III. Frankfurt am Main: Suhrkamp 1987, 1987, 1992

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e com elementos normativos compartilhado por todos os outros seres humanos.

Culturas podem ser chamadas humanistas, se elas atribuem uma qualidade altamente normativa para ser um ser humano. Humanismo tem desempenhado um papel importante na tradição ocidental, e todo mundo que já olhou uma vez para o Lun Yü sabe, que 'humanidade'8 desempenha um papel decisivo na tentativa de Confúcio para desenvolver um sistema de regulações normativas para vida social e política. Na tradição judaica, encontramos um provérbio que significa humanismo: Quem resgata um ser humano, resgata a humanidade. Um provérbio semelhante pode ser encontrado na tradição muçulmana. O Alcorão diz: "Se alguém mata um homem, ele deve ser considerado como se tivesse matado a humanidade em geral, e se alguém preserva a vida de um ser humano ele deve ser considerado como se tivesse salvado a vida da humanidade”9. Na África, encontramos um provérbio de significado semelhante: “Umuntu ngumuntu ngabantu” (um ser humano é um ser humano pela alteridade de outros seres humanos10).

Estes elementos universalistas, como a espécie humana (humankind) e a humanidade (humanity) se manifestam de diferentes formas e expressões, em diferentes culturas: Elas expressam a mesma ideia de uma maneira diferente, significando assim a peculiaridade da identidade cultural. Se alguém sublinha este elemento universal dentro da particularidade cultural da própria pertença a pessoas que usam os mesmos critérios básicos de sentido na compreensão do mundo e de si mesmos, pode-se indicar a chance de olhar para a alteridade dos outros, em uma forma não-etnocêntrica, mas sim equitativa e equilibrada. Uma vez que os outros compartilham a mesma qualidade normativa de ser um ser humano, possuem algo em comum com eles, que ao mesmo tempo é importante para a própria autoestima.

Aqui reside uma importante oportunidade para o respeito e reconhecimento na inter-relação entre si e os outros. Mas é apenas uma possibilidade. Esta chance será perdida se a pessoa simplesmente sintetizar a sua própria peculiaridade com o valor de ser um ser humano. Neste caso, os outros não são tão humanos como ele mesmo. E, portanto, pode-se tratá-los de uma forma diferente e, claro, mais negativamente do que as 8 Nota do tradutor: ‘humanness’ no original inglês, se referindo a ‘ren’ em chinês

9 Nota do Autor: Alcorão: Surata 5, Verso 33.

10 Nota do Autor: Shutte, A.: Philosophy for Africa. Cape Town: University of Cape Town Press 1993, p. 19.

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pessoas a quem se pertence.

Esta dupla moralidade é um fenômeno cultural em todo o mundo e em todos os momentos. Mas, se alguém se refere à própria peculiaridade e ao elemento geral e universalista da humanidade como um critério de sentido fundamental da própria cultura de uma maneira mais refletida, então a diferença dos outros pode ser percebida como uma manifestação diferente da mesma humanidade, que está inscrita nas características de sua própria identidade.

Este é o ponto de minha argumentação. Quando eu caracterizo a atual situação em um processo de globalização como um novo tempo axial, quero dizer que nós temos que usar esta oportunidade das diferentes tradições culturais de conceitualização da humanidade como uma oportunidade de respeito e reconhecimento. Tradicionalmente, o poder normativo da humanidade, muitas vezes serviu como um elemento de discriminar os outros, atribuindo os padrões mais elevados da humanidade às pessoas do próprio grupo e apenas uma inferior à alteridade dos outros. Em casos extremos alteridade poderia mesmo ser definida como sendo não humano. Um exemplo impressionante é a ideologia nazista que roubou dos judeus a qualidade de seres humanos. Essa desvalorização dos outros, ao negar sua humanidade, ainda é eficaz em controvertidos tópicos sobre identidade. Um intelectual negro Sul Africano, por exemplo, fez isso através da comparação dos homens brancos de seu país que falam Afrikaans com babuínos e bonobos11. Uma charge brilhante feita por Zapiro ironiza esta afirmação, apresentando as duas espécies - um homem branco e um babuíno reclamando sobre o uso um do outro ao caracterizar a sua identidade12.

Um uso etnocêntrico do conceito geral da humanidade na formação da identidade pode ser chamado de um humanismo limitado ou - mais criticamente -, um humanismo desumano ou invertido. Em relação a esta limitação, a perspectiva histórica universal, dentro da qual esses conceitos universalistas da humanidade obtiveram sua dimensão temporal, pode ser chamada de um desenvolvimento não completo. Está sob nossa responsabilidade hoje, tomar um passo decisivo: conceitualizar a ideia de humanidade, de tal forma que o ser humano possa ser historicamente 11 Nota do Autor: Makgoba, Malegapuru: Wrath of dethroned white males, in: Mail & Guardian March

24 to 31 2005, p. 23.

12 Nota do Autor: Mail & Guardian April 8 to 14, 2005, p. 23. Dan Roodt é um ardente defensor da Identidade Afrikaaner tradicional. Ele é criticado pela imprensa liberal na África do Sul, sendo considerado racista.

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percebido como manifesto em diferentes formas de vida humana. Esta diferença não é uma variedade ilimitada. Os limites desta variedade e os limites de reconhecimento e respeito estão exatamente lá, onde os outros não compartilham esse elemento universalista e não percebem isso de uma forma diferente, mas comparável, ou seja, através do desenvolvimento de suas estratégias mentais específicas de respeito e reconhecimento.

À luz de tal perspectiva histórica, a comunicação intercultural adquire a dinâmica de um novo tempo axial. Essas dinâmicas podem conceder uma troca de possibilidades e potencialidades de se conceituar a qualidade normativa geral de um ser humano. Isso se aplicaria a todos os membros da espécie humana de formas diferentes, sob diferentes circunstâncias e pressupostos históricos.

É minha a responsabilidade apresentar as possibilidades ocidentais de tal comunicação e estou esperando as respostas não-ocidentais, propostas, críticas, comentários, e talvez, até mesmo algum consentimento.

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