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A impossibilidade de uma quantificação correta do valor econômico de um bem ambiental.

No documento 123456789/81183 (páginas 89-95)

2 AS TEORIAS CLÁSSICAS DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO EXAMINADAS SOB A ÓTICA ECOLÓGICA.

18 A questão ética relacionada aos problemas sócioambientais considerada pelo Professor Amartya Sen (Sen, 1997) recentemente laureado Nobel de Economia diz respeito ao conjunto de compromissos com a geração

3.7 A impossibilidade de uma quantificação correta do valor econômico de um bem ambiental.

Diz-se acima ser factível se chegar a um valor econômico que incorpore todas as formas de valor - isto é, o valor de uso, o valor de opção e o valor de existência - de um bem ambiental; mas que, porém, a avaliação não é correta. A representação dos não- humanos e das gerações futuras é feita pelo avaliador atual e depende, portanto, do caráter altruísta, não egoísta, do indivíduo que manifesta as preferências. Então, por princípio, a representação dos interesses que não diretamente os seus é precária, e os pesos que atribui aos interesses alheios é inferior ao que deveria ser. Pois o egoísmo, segundo Adolfo Sánchez Vázquez, é próprio da forma de uma determinada sociedade, como a burguesa (Sánchez Vázquez, 1997).

Além disso, tem-se o aspecto de que os valores econômicos obtidos através do método em questão são uma média, resultante da manifestação de preferências de uma coletividade humana. Para compor esta média não são muitas as pessoas que demonstram preocupação com os não-humanos e as gerações futuras, e estas passam a ser, portanto, escassamente representadas.

Há, ademais, em relação à quantificação do valor de existência, um problema específico. O valor de existência, um dos componentes do valor econômico total, está intimamente relacionado ao valor intrínseco do bem ambiental. Vamos detalhar, o pouco necessário, acerca do valor intrínseco para depois tecer considerações sobre o problema de avaliação que o mesmo apresenta.

O valor intrínseco de um objeto tem pelo menos quatro sentidos importantes: um valor não-instnimental (Vi 1); um valor relacional (Vi 2); um valor natureza intrínseca (Vi 3); e um valor objetivo (Vi 4). O valor não-instrumental (Vi 1) de um objeto significa que ele tem valor em si mesmo. Não depende de ser instrumento ou meio para algum outro fim. Assim, o bem-estar da vida de outras espécies tem valor em si mesmo, não ligado a nenhum uso instrumental para os propósitos humanos.

O valor relacional (Vi 2) diz respeito a um valor de existência decorrente da dependência de outros bens, objetos ou seres em relação àquele considerado. Por exemplo, na cadeia nutricional, ou trófica, a importância de cada elemento de um dos quatro níveis (de produtores; consumidores fitófagos; predadores; e parasitas) pela relação de dependência vital que mantêm entre si. O valor natureza intrínseca (Vi 3) decorre das propriedades inerentes não-relacionais do objeto considerado: não tendo nenhum tipo de relação com demais objetos ou seres (humanos ou não), mesmo assim tem valor de existência.

Finalmente, o valor objetivo. Este tipo de valor intrínseco diz respeito a que um objeto pode ter valor independentemente das avaliações dos valores que se faça. É necessária uma ética ambiental para reconhecer o valor intrínseco objetivo da natureza. M. SagoíF (Sagoff, 1988, citado por Godard, 1993) chega a propor uma distinção de base entre valores do cidadão e preferências do consumidor para abordar o campo do meio ambiente, devido às dificuldades das preferências do indivíduo em reconhecer os valores ambientais. Esta posição de Sagoff vai, em elevado grau, contra o subjetivismo inerente às valorações neoclássicas baseadas nas preferências dos avaliadores. Por outro lado, a nosso ver, ela reconhece a relevância do movimento ambientalista, na medida em que este conscientiza acerca da importância da natureza, cria a ética ambiental e faz com que pelo menos parcela do valor objetivo, assim como dos demais componentes do valor de existência, apareça no valor econômico total, pela manifestação de preferência de um segmento consciente do universo de avaliadores, isto é, da sociedade.

Tem-se, então, pela série de problemas que afetam ao avaliador (sua pouca informação; caráter egoísta; impossibilidade de captar certos valores) que os bens ambientais são, normalmente, subvalorizados ou infravalorados. E a quantificação do valor econômico de um bem ou recurso em nível inferior ao que seria correto, conduz à despreocupação em desacelerar significativamente o ritmo de sua utilização, não contribuindo efetivamente, em termos de resultados a longo prazo, para a melhoria das condições ambientais e a preservação de recursos naturais.

não consegue valorar corretamente, e a partir daí decidir preservar o meio ambiente. A valoração monetária é incorreta, o bem ambiental é subvalorizado, pela série de problemas apontados, além dos que serão ainda apreciados no decorrer deste trabalho. Bens ou recursos subvalorizados são fontes de problemas ambientais, independentemente do ritmo de crescimento econômico que um país ou região apresente; o crescimento acelerado parece agravar, mas o não crescimento econômico não reduz as perdas ambientais (Thomas e Belt, 1997).

Um dos problemas mais gerais que se coloca na quantificação econômica do valor total de um bem ambiental é, portanto, o grau de informação do avaliador. Assim, pergunta- se, que intensidade de preferência a preservar um mangue ou uma área estuarina teria uma população que ignora o papel destes nichos ecológicos na reprodução da vida marinha, por exemplo ? Ou a preservar uma floresta sem ter conhecimento de sua função climática ? Conforme Martínez-Alier (1994: 276), “durante muito tempo na história da humanidade, as zonas úmidas foram vistas como lugares insalubres e inaproveitáveis, cujo melhor destino era a drenagem e saneamento.” E, continua, sobre esta visão da sociedade humana e quanto a um projeto no Delta do Llobregat, região da Catalunha, Espanha: “A visão primitiva e negativa a respeito das zonas úmidas tem mudado em todo o mundo, também na Catalunha, devido sobretudo ao trabalho pedagógico dos ecólogos” (Id., ib.: 276). Esta observação vem corroborar a afirmação acima sobre o papel da conscientização que exerce o movimento ambientalista. Mas isto não resolve tudo; outros problemas limitam o alcance da abordagem neoclássica, conforme se verá.

Efetivamente, o nível de renda e as condições de vida da sociedade são dois outros elementos importantes a influir na valoração do meio ambiente. Uma coletividade com renda baixa vai avaliar a existência ou perda de um bem ou de um dano ambiental por quantidades monetárias menores do que uma de alta renda. Com efeito, “(...) a valoração das extemalidades, além de incongruente, é política e socialmente determinada” (Id.,ib: 180). Comprova isto muito bem o caso das baixas indenizações pagas, na índia, às vítimas dos graves danos-causados pelo mundialmente conhecido acidente, ocorrido em 1984, na fábrica de pesticidas da Union Carbide em Bhopal. As indenizações, conforme decisão da Corte Suprema daquele País, em 1989, foram inferiores às concedidas no&EsfâÈfossUnidos

em decorrência do desastre ambiental com o navio petroleiro Exxon Valdez no Alasca, em 1989 - e neste último não houve vítimas humanas !... (Martínez-Alier, 1994: 180).

Outro problema geral é quanto ao alcance prático da valoração monetária dos bens ambientais numa economia de mercado. Pode-se definir um valor, mesmo incorreto segundo nosso ponto de vista em relação à avaliação neoclássica, através das técnicas disponíveis. Porém, o fato de valorar economicamente não significa que este valor estará sendo considerado pelo mercado em seu sistema de preços. A valoração de uma extemalidade não subentende sua precificação (passagem ou incorporação do valor aos preços de mercado). A valoração neoclássica pode ser apenas um exercício técnico ou acadêmico de imputação de valor que não será levado em conta efetivamente pelo mercado orientador de decisões.

A ação política, através de pressão sobre o mercado, nas diversas formas possíveis como esta pressão se manifesta, é que pode afetar uma decisão via mercado. Mas chega-se, então, a uma tautologia, senão vejamos: Para o pensamento neoclássico, valorar extemalidades ou bens e serviços ambientais, através da atribuição de um valor monetário, consegue mostrar a importância destes e contribuir nas decisões quanto ao fim a lhes dar. Contudo, o maior ou menor valor é revelado pelas próprias preferências dos indivíduos, nos diversos métodos de avaliação da escola neoclássica. Portanto, sendo os próprios cidadãos os que quantificam monetariamente, é redundante tirar daí um valor referencial da natureza para a sociedade, a qual é composta das mesmas pessoas.

Alguns economistas ambientalistas reconhecem as dificuldades inerentes ao processo de valoração da economia ambiental neoclássica, mas defendem um ponto de vista a que chamam realista; argumentam: “mais vale uma avaliação econômica, mesmo parcial, mesmo criticável, que nenhuma avaliação, esta última situação resultando na prática, dizem- nos, a não considerar o meio ambiente.” (Godard, 1990: 219 rodapé). Revela-se aqui, a nosso ver, um fundamentalismo econômico para o qual aquilo que não é passível de valor econômico não tem como ser considerado.

Conclusões

Não se pretende, com as críticas, diminuir a importância da imputação de valor econômico àquilo que o mercado normalmente não considera, como nos casos específicos de cálculos para efeito de indenizações por danos ambientais, por exemplo, ou como auxiliar em processos de tomadas de decisão. A factibilidade e relativa facilidade de aplicação da metodologia neoclássica para valorar monetariamente bens ambientais faz com que seja bastante aceita (independentemente do posicionamento ideológico, aliás não raramente ignorado pelo seguidor do método).

Refuta-se, todavia, a idéia de que uma economia de mercado venha a impor restrições a si própria mediante uma valoração monetária que não passa pelo mercado real (é feita apenas em mercado hipotético). As políticas públicas, estas sim, respondendo ao movimento ambientalista, podem ser capazes de limitar a ação do capital, e, no geral, estas dispensam valoração monetária para sua adoção.

O problema fundamentai inerente ao método é, conforme se destacou, o da incomensurabilidade intergeracional de valores. Ressaltou-se a questão, já mencionada no decorrer do trabalho, da avaliação dos interesses das gerações futuras. Os atuais não tem como saber quais serão os valores das gerações futuras. Interesses, gostos, hábitos, necessidades, modos de vida, enfim; tecnologias, modo de produção, e outros aspectos, poderão ser tão diferenciados que o padrão de valor atual não consiga nem a “grosso modo” revelar as preferências futuras. Não há padrão de medida comum; são, portanto, valores incomensuráveis economicamente.

Mesmo admitindo-se, como o faz a análise neoclássica, a comensurabilidade dos valores das gerações futuras, ter-se-ia ainda o problema da precária representatividade destas no processo de avaliação. Resulta, então, que os bens ambientais tendem a ser infravalorados. Portanto, ao tratar o tema ambiental com seu fundamentalismo de mercado (o mercado como o meihor orientador para todos os processos - o econômico; o ambiental), a economia neoclássica do meio ambiente não consegue atingir sua pretensão teórica de, através da valoração monetária, internalizar as extemalidades sociais e ambientais, e com isto promover o desenvolvimento sustentável.

Conclui-se que a abordagem neoclássica da questão ambiental, apesar de ser útil para algumas finalidades práticas, não produziu pensamento novo a partir da problemática do meio ambiente: ela apenas incorpora o tema nos seus tradicionais esquemas analíticos (individualismo metodológico; modelo do comportamento otimizador dos agentes; mercado; equilíbrio; máxima eficiência), com o que não dá conta da questão do desenvolvimento sustentável.

4 - ECONOMIA ECOLÓGICA: OS FLUXOS FÍSICOS DE ENERGIA E MATERIAIS

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