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2.1 Da escola positivista à sócio-construtivista

2.1.2 Inatismo

Apesar de ser uma teoria desenvolvida para a compreensão da aprendizagem de uma LM (Língua Materna) e que alguns linguistas não a considerarem explicação aplicável à aprendizagem de uma segunda língua, apresentamos aqui a teoria do inatismo devido à sua influência e à sua aplicabilidade em alguns estudos sobre aprendizagem de LE.

Por acreditar que a aprendizagem de uma língua, em específico, seria algo mais complexo do que uma imitação, repetição e formação de um hábito, Chomsky (2008) trouxe em seus estudos a ideia de que os seres humanos seriam biologicamente programados para aprender um idioma assim como aprendem qualquer outra função biológica sem precisar de ensino. A teoria do inatismo se baseia no que Chomsky acreditava ser um problema lógico: crianças aprendem muito mais sobre sua língua do que seria possível tomando por base as amostras da língua falada que elas escutam. Segundo ele, as crianças são expostas à língua falada em um ambiente repleto de informações confusas, de frases incompletas e que não oferece apoio para correção nem para instrução nessa aprendizagem. A teoria da aprendizagem inata defende que as mentes das crianças não são lousas vazias à espera de

serem preenchidas por meio da imitação do que eles escutam no ambiente em que vivem. Ao contrário, elas nascem dotadas de uma habilidade para descobrir por si só as regras que permeiam o sistema de linguagem no qual estão inseridas. Chomsky chamou a atenção para o fato que as crianças aprendem um idioma de forma e em tempo semelhante e que tal forma estaria muito próxima da forma como elas aprendem a andar.

O que Chomsky chamou de Gramática Universal (GU) seria um dispositivo no nosso cérebro que conteria os princípios universais aplicáveis a todas as línguas humanas. Logo, ao serem equipadas com esse dispositivo, as crianças aprenderiam de que forma sua língua materna utilizaria esses princípios, bem como construiria suas variantes. A GU, segundo Lightbown e Espada (1999), se sustenta em 5 evidências.

A primeira diz que praticamente todas as crianças aprendem sua LM em um momento de seu desenvolvimento no qual elas não seriam capazes de aprender algo tão complexo. A segunda seria que elas aprendem sua LM independentemente de variáveis externas partindo da hipótese que a linguagem seria localizada em uma parte diferente do cérebro e assim estaria separada de outros aspectos do seu desenvolvimento cognitivo. Em terceiro lugar, a linguagem a qual as crianças são apresentadas em seu cotidiano não contém muitos exemplos de todas as regras e os padrões de linguagem que elas sabem. A quarta evidência de suporte à teoria do inatismo e da GU é que primatas, considerados com capacidade cognitiva igual à de crianças, não aprendem a manipular um sistema de símbolos tão complicado como uma crianças de 3 ou 4 anos, mesmo recebendo treinamento intensivo. Por fim, o suporte à GU também se baseia no fato de que as crianças aprendem sua língua materna sem que alguém aponte de forma consistente quais das frases que elas escutam e produzem estão corretas ou não.

Contudo, a habilidade de uma criança para se desenvolver não continua indefinidamente. Alguns experimentos demonstraram que crianças que nunca aprenderam uma língua devido à surdez ou a um isolamento extremo não serão capazes de aprendê-la com proficiência caso essas privações continuem por um período extenso. Lightbown e Espada (1999) argumentam que o dispositivo para a aprendizagem da linguagem, assim como outras funções biológicas, só funciona eficazmente se estimulado em um momento específico do seu desenvolvimento chamado período crítico. Ou seja, o domínio de um idioma seria limitado de acordo com estudos em crianças com privação do convívio social por mais de 12 anos.

Mesmo não fazendo menção de suas aplicações à aprendizagem de uma LE, vários linguistas utilizaram a teoria de Chomsky para explicar a aprendizagem de um segundo idioma, entretanto não existe um consenso de como a GU atua no desenvolvimento de uma

LE. Para muitos linguistas, o dispositivo para a aquisição da linguagem (DAL) estaria presente na aprendizagem de um segundo idioma, entretanto o contexto dessa aprendizagem poderia sofrer a influência de um ambiente instrucional e de uma primeira aprendizagem, a língua materna.

Uma teoria para a aprendizagem de um idioma estrangeiro por adultos inspirada no inatismo é a do modelo monitor, ou hipótese do input ou da compreensão desenvolvida por S. Krashen nos anos 70 do século XX. Segundo Paiva (2010), Krashen argumenta que o conhecimento de uma LE em adultos é fruto da contribuição de ambientes informais e formais o qual se dá por dois processos distintos os quais ele chama de aquisição e de aprendizagem. Aquisição seria a interiorização da LE de forma implícita, um conhecimento inconsciente consequente da contribuição do ambiente informal; e aprendizagem seria a forma explícita, um conhecimento consciente devido à interferência do ambiente formal, a sala de aula.

O modelo monitor é constituído por cinco hipóteses. Primeiramente, a hipótese aquisição-aprendizagem já mencionada acima. Vale salientar que, para Krashen, adquirimos um idioma estrangeiro na medida em que somos expostos a amostras dessa LE que entendemos, sem uma atenção consciente à forma. Para o teórico, seria o processo mais importante e que a linguagem adquirida estaria mais rapidamente disponível para uma comunicação natural e fluente.

A segunda seria a hipótese do monitor a qual teria como função o monitoramento dos enunciados e necessita de três fatores para ser bem sucedida: tempo, foco na forma e conhecimento da regra. Enquanto o sistema de aquisição atuaria no sentido de promover fluência, espontaneidade e julgamentos intuitivos sobre erros, o sistema de aprendizagem atuaria como um monitor, um editor capaz de modificar e aperfeiçoar o que o sistema de aquisição venha a produzir. Esse monitoramento seria feito pelos alunos ao utilizar as regras que eles conhecem a respeito do idioma em atividades onde eles tenham maior interesse em produção correta e possuam tempo para refletir sobre a sua produção como em uma produção escrita. Nesse sentido, Paiva (2010) ressalta que enquanto a correção explícita dos erros não é relevante para o sistema de aquisição, ela se posiciona como fator de extrema importância para o sistema de aprendizagem.

A terceira hipótese seria a da ordem natural a qual prediz que o estudante de um idioma estrangeiro aprende a língua em uma sequência previsível, assim como na aprendizagem de sua língua materna e, portanto, essa aprendizagem não depende da ordem em que os conteúdos ou regras são ensinados em sala de aula. Seria uma espécie de sequência natural ou estágio de desenvolvimento que guiaria a aquisição do novo idioma. Essa hipótese

nasceu de pesquisas realizadas por Krashen que revelaram que regras simples, ensinadas em sala de aula, nem sempre são as primeiras a serem aprendidas pelos estudantes. A exemplo, a utilização do s em verbos na terceira pessoa do singular em inglês, mesmo sendo uma regra simples e apresentada em sala em estágios iniciais, não é por vezes utilizada por estudantes avançados na língua inglesa em situações de comunicação rápida e espontânea.

A quarta hipótese seria a do input ou hipótese da compreensão. O input, para Krashen, seria o contato com o idioma que é compreensível ao aluno e seria a hipótese crucial para fundamentar sua teoria sobre aquisição de linguagem. A hipótese do input compreensível afirma que aprendemos um novo idioma de uma forma simples: compreendemos a mensagem. Ou seja, utilizamos através de processos inatos o nosso dispositivo biológico de aquisição de linguagem (idealizado por Chomsky) para gerar regras possíveis para aquilo que ouvimos. De acordo com Lightbown e Espada (1999), a compreensão e a subsequente aquisição da linguagem ocorrem se o input possuir formas e estruturas em um nível pouco acima do grau de competência no idioma do aluno, por isso, a exposição ao idioma a ser adquirido é de fundamental importância.

Entretanto, para explicar o fato de que alguns estudantes não alcançam altos níveis de proficiência no uso do idioma estrangeiro mesmo sendo expostos a uma grande quantidade de input compreensível, Krashen elabora sua quinta hipótese: o filtro afetivo.

Esse filtro, conforme Krashen (1981), seria uma barreira que delimita a ação do input compreensível antes que ele seja processado pelo dispositivo humano de aquisição de linguagem, ou como ele chama, nosso organizador cognitivo. Seria uma espécie de bloqueio mental fruto da baixa autoestima, da falta de motivação, da insegurança e da ansiedade capaz de impedir a conexão entre o input e o DAL. Para Krashen (1981), questões como atitude e a motivação são essenciais para qualquer consideração em linguística, e assim, quanto mais alto for o filtro afetivo, menor será a aquisição da linguagem. Por outro lado, quanto menor for o filtro afetivo, maior será a aquisição o que revela a importância dada por Krashen à afetividade para a aquisição de um idioma estrangeiro.