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CAPÍTULO IV: REVELANDO OS POLICIAIS

4.10 VIOLÊNCIA POLICIAL

4.10.3 Influência das questões sociais na violência na sociedade

[...] Certamente que isso ocorre. Comprovado por inúmeras pesquisas e estudos. O que só reforça a tese de que é preciso se investir mais em políticas públicas eficientes que garantam a melhoria de vida da população.

(PM 01- Major PM, 16 anos de serviço).

[...] Motivam as pessoas a pensarem que é o fim da humanidade e que não há solução e assim elas não vão contribuindo para uma cultura de paz e sim para a manutenção da violência.

(PM 04 - Soldado PM Feminino - 03 anos e 07 meses de serviço).

O controle social dos setores populares se faz com os policiais recrutados nesses mesmos setores. Os policiais são utilizados no controle da criminalidade permitindo-lhes o uso de desmedida violência contra os criminosos e suspeitos, oriundos daqueles estratos sociais marginalizados, sem maiores preocupações com os custos sociais que isto representa. “[...] As vítimas diretas da violência do sistema penal, isto é, os mortos, sejam criminosos, sejam policiais, todos pertencem ao mesmo estrato social e são igualmente vítimas de violações dos direitos

Muito oportunamente, Zaffaroni (2007) identifica que processo de vitimização ocorre

tanto dos “favelados” quanto dos “policiais”, e que para os reacionários o perigo é todos os da

favela, onde ele inclui os policiais, tomarem consciência da armadilha que estão envolvidos e

juntos fazerem “revolução”.

O perigo para os reacionários não é a morte nas favelas, nem a morte dos favelados, nem a morte dos policiais, mas o risco de os pobres se juntarem e tomarem consciência da armadilha penal. Essa política dos chamados comunicadores sociais e políticos sem programas, que só querem mais poder policial, no fundo é a neutralização da incorporação das maiorias à democracia. É manter um mundo não civilizado marginalizado do mundo civilizado. O mundo da favela e o mundo da Barra! Na medida em que os da favela se matam (aí estão incluídos os policiais), a Barra não tem perigo de invasão, só algum criminoso isolado, mas nada de reclamação política, nada da consciência dos excluídos, nada que possa pôr em perigo as estruturas de classe, que se tornam estruturas de casta na medida em que a sociedade impede a mobilidade vertical, máxima aspiração dos “popularistas penais”. (ZAFFARONI, 2007, p.131, grifos do autor).

Conforme expressa Poulantzas (1980, p.162, grifos do autor): “[...] o Estado concentra não apenas a relação de forças entre frações do bloco no poder, mas também a relação de forças

entre estas e as classes dominadas”. Complementa ainda que:

[...] A configuração precisa do conjunto dos aparelhos de Estado, a organização deste ou daquele aparelho ou ramo de um Estado concentro (exército, justiça, administração, escola, igreja, etc) dependem não apenas da relação de forças interna no bloco no poder90, mas igualmente da relação de força entre este e as massas populares, logo da função que eles devem exercer diante das classes dominadas. O que explica a organização diferencial do exército, da polícia, da igreja, nos diversos Estados e que funciona como a história de cada um deles, história que também marca impressa em seu arcabouço pelas lutas populares. (POULANTZAS, 1980, p.163).

Adorno (2002) alerta sobre a incapacidade do sistema de justiça criminal brasileiro (agências policiais, Ministério Público, tribunais de justiça e sistema penitenciário) em conter o crime e a violência nos marcos do Estado democrático de direito. O crime cresceu e mudou de qualidade, porém o sistema de justiça permaneceu operando como o fazia há três ou quatro décadas.

90 Poulantzas (1974, p.145, grifos do autor) diz que “[...] em relação às classes dominantes, em particular a

burguesia, o Estado tem um papel principal de organização. Ele representa, organiza a ou as classes dominantes, em suma, representa, organiza o interesse político a longo prazo do bloco no poder [...] . Organização, na perspectiva do Estado, da unidade conflitual da aliança de poder e do equilíbrio instável dos compromissos entre seus componentes, o que se faz sob a hegemonia e direção, nesse bloco, de uma de suas classes ou frações, a classe ou fração hegemônica.

Em um estudo mais recente, Adorno (2007) aponta que a crise da segurança pública vem

se „arrastando‟ a pelo menos por três décadas. Os crimes cresceram e se tornaram mais violentos;

a criminalidade organizada se disseminou pela sociedade, alcançando atividades econômicas muito além dos tradicionais crimes contra o patrimônio, aumentando as taxas de homicídios, sobretudo entre adolescentes e jovens adultos, e desorganizando modos de vida social e padrões de sociabilidade inter e entre classes sociais.

Além disso, como ressalta Adorno e Salla (2007) as políticas públicas de segurança permaneceram sendo formuladas e implantadas, segundo modelos convencionais, envelhecidos, incapazes de acompanhar a qualidade das mudanças sociais e institucionais operadas no interior da sociedade. O crime se modernizou, porém, a aplicação de lei e ordem persistiu enclausurada no velho modelo policial de correr atrás de bandidos conhecidos ou apoiar-se em redes de informantes.

Para complicar o quadro de construção da cidadania brasileira, de acordo com Milton Santos (2007):

[...] em nenhum outro país foram assim contemporâneos e concomitantes processos como a desruralização, as migrações brutais desenraizadas, a urbanização galopante e concentradora, a expansão do consumo de massa, o crescimento econômico delirante, a concentração da mídia escrita, falada e televisionada, a degradação das escolas, a instalação de um regime repressivo sem a supressão dos direitos elementares dos indivíduos, a substituição rápida e brutal, o triunfo, ainda que superficial, de uma filosofia de vida que privilegia os meios materiais e se despreocupa com os aspectos finalistas da existência e entroniza o egoísmo como lei superior, porque é o instrumento da ascensão social. Em lugar do cidadão formou-se um consumidor, que aceita ser chamado de usuário. (SANTOS, M. 2007, p.25).

O cidadão não se restringe ao consumidor, ao usuário ou mesmo ao eleitor, ele é “[...]

multidimensional, onde cada dimensão se articula com as demais na procura de um sentido para a vida. Isso é o que dele faz o indivíduo em busca do futuro, a partir de uma concepção de mundo” (SANTOS, 2007, p. 56) e da articulação de um projeto de vida individual, profissional e societário.