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CAPÍTULO II: O TRABALHO POLICIAL MILITAR NO ESTADO

2.4 A POLÍCIA MILITAR DO PARÁ COMO INSTITUIÇÃO TOTAL

2.4.5 O ideário da guerra na Polícia Militar do Pará

Nesse modelo de organização é sedimentado o ideal do policial guerreiro, que é superior

ao tempo, que jura sacrificar a sua própria vida para “defender a sociedade”. Porém, o ideário de

guerra traz consigo a imagem do inimigo a ser derrotado. Esse inimigo teve diversas faces e construções ideológicas.

A história da Polícia Paraense relata a sua atuação como Corpo de Voluntários da Pátria, na Guerra do Paraguai. No dia 29 de março de 1865 seguiram para o Paraguai 528 homens, segundo um historiador e 521, segundo outro historiador, mas os dois concordam que 17 homens

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Pode-se citar como exemplo o policial ter que pedir permissão para casar, para viajar, para prestar concursos públicos etc.

desistiram de ir para a guerra antes do embarque (MARRECA,1940). Além dos 528, foram

mandados mais 562 e em seguida mais 430, para cobrir os “claros” existentes. O Corpo de

Voluntários da pátria retornou ao Brasil em 08 de julho de 1870, chegando a Belém com 85 mortos e 349 feridos.

Nos registros históricos, encontra-se uma poesia proclamada por um voluntário em plena praça, na despedida de seus familiares, antes de seguir para a guerra:

Se eu morrer em combate ninguém chore A morte de um soldado brasileiro Não olvidem, porém que, foi à pátria, A quem deu seu suspiro verdadeiro.

Não quero funeral, dispenso honras. Que me possam fazer como soldado Só quero que deixem o retrato Que trago no peito resguardado

Nada mais eu desejo, não importa. Que meu corpo não tenha sepultura Meu corpo, que importa cá na terra. Se minha alma ante Deus se encontra pura!

A medalha que adorna a minha farda Desejo que entregue a minha esposa Os martírios sofridos na campanha Sejam só a inscrição da minha lousa.

Si tenho pai, mãe, esposa e amigos Que podem lamentar a minha sorte Também podem dizer cheios de orgulho Que foi em prol da Pátria a minha morte!

Eis tudo o que desejo: o esquecimento Em breve cobrirá os restos meus. Só peço a minha mãe sentida lágrima E fervente oração, por mim, a Deus! (MARRECA, 1940, p. XX).

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Conforme citado, com o nome de Regimento Militar do Estado, a “PMPA” atuou em

1897 na Guerra de Canudos, sendo encontrada a seguinte descrição sobre a participação do Pará no final dos confrontos em Canudos:

[...] Eram, por fim, menos de uma dúzia de “jagunços.

Heroicos brasileiros – digamos- em frente aos quais rugiam raivosamente, como leões esfomeados, cinco mil (5.000) homens, dispondo de cinco mil (5.000) fuzis, vinte canhões e vasto material de guerra.

Ante a excessiva superioridade numérica de seus inimigos, Canudos, sem se render, todavia, caiu em poder da Forças legais com a morte de seus últimos combatentes, apresentando ao mundo o espetáculo dum rubro e imenso campo de sangue e de dor, coalhado com cadáveres, onde a guerra desdobrou crepe sobre corações, desdobrou mortalhas sobre heróis e desdobrou sobre seus morros, vales e campinas, rios de sangue. No dia 6 foram destruídas inteiramente as restantes casas do arraial. (MARRECA, 194045).

Fig. 08 - Brigada Policial do Pará no acampamento de Canudos depois do Combate de 25 de Setembro de 1897.

Fonte: Moraes Rego (1981).

5000 contra menos de meia dúzia de jagunços? Um espetáculo de um rubro e imenso campo de sangue e dor? Ler essa exaltação a atuação da polícia no passado já causa desconforto,

porém ela continua presente na PMPA e em 1924 foi criado o “Dia da Força Pública” e considerado patrono da PMPA, o “CEL Fontoura”, pelo seu “grande desempenho” quando

comandou a tropa.

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A citação está sem página, pois se trata de um livro raro, que encontrava-se em condições precárias, que foi posteriormente extraviado.

Fig. 09 - Coronel Fontoura.

Fonte: Dantas de Feitosa (1994, p. 103 apud MACHADO, 2008, p.77).

Decreto n° 4.099 – O Governador do Estado, tendo em alta consideração os relevantes serviços que à causa pública vem prestando em toda a sua já longa e brilhante vida, na segurança da ordem legal, na defesa da autonomia do Estado, como das instituições republicanas a Força Pública Militar do Pará;

Considerando ainda que por sua disciplina, lealdade e bravura merece os aplausos do Governo e da coletividade da qual é guarda valorosa das suas garantias;

Considerando que a data de 25 de setembro de 1897, nos sertões baianos, teve a Força Pública Paraense um dos seus mais heroicos feitos, resolve, como demonstração de alto apreço e confiança que inspira esta organização militar, criar o dia da Força Pública do Estado, nos termos do presente decreto:

Art. 1º - Fica designada a data de 25 de setembro como “Dia da Força Pública do Estado”, gozando os oficiais e praças do descanso e perdão por qualquer pena disciplinar, além das demonstrações festivas do estilo.

Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário.

O secretário geral do Estado assim o faça executar. Palácio do Governo do Estado do Pará, 24 de setembro de 1924.

SOUZA CASTRO Deodoro Mendonça Raimundo Furtado de Leão,

Cel. Cmt. Geral”. (MACHADO, 2008, p. 279).

Cem anos depois, em 1987, o Comandante Geral da Polícia Militar do Pará declama em uma solenidade de aniversário da instituição:

[...] Nos duros confrontos da campanha de Canudos, enfrentamos Antônio Conselheiro e seus seguidores, nas agruras do sertão baiano. Destacou-se, nesse sangrento episódio, o heroísmo e a vontade férrea no cumprimento do dever, do Cel Antônio Sérgio Vieira da Fontoura, o nosso insigne patrono”.

Porém sendo observado o outro lado da história, o significado que ele teve para a população local, como é registrado na fala de um coronel da PMPA:

[...] Nós viajamos para Canudos, acho que foi em 1988, foi uma comitiva, pois queríamos que fosse construído um monumento para marcar a atuação da PMPA na guerra de Canudos, mas nem demoramos lá, pois descobrimos que se fizéssemos alguma coisa com certeza seria destruído [...] a população local odeia a nossa PM. (LIMA, 2001, p. 27, grifos meus).

Os fatos e atos considerados heroicos são relembrados e festejados pela instituição, trazendo como atual um ideário de policial que não corresponde à exigência da população e ao cotidiano do policial-militar. E continua a existir nas Polícias Militares Brasileiras uma premiação por atos de bravura, medalhas e promoções por feitos heróicos, alimentando o ideário do policial militar acima dos meros mortais. Pode-se dizer que os mitos na literatura militar, os grandes feitos heróicos, nem sempre correspondem à realidade dos fatos, mas provocam em seus leitores imagens deste passado e delírios sobre a possibilidade de realização, sendo agraciados os que um dia conseguirem chegar perto desta pretensa realidade.

Vale ler a letra da Canção da Polícia Militar do Pará46, entoada em todas as solenidades e formaturas desta instituição:

Altaneira Polícia Militar

Cobre de louro o teu nome tradicional Para a glória do Brasil

Terra santa e imortal

Teus soldados heróicos e destemidos Quer na paz ou na guerra feroz O Brasil, o Pará, hão de honrar O teu nome exaltar

E a luta cessará

Teu pavilhão mais uma vez tremulará

O teu nome está gravado na história E ligado ao de um bravo e grande herói

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A canção enobrece o Coronel Fontoura, porém é válido informar a título de curiosidade que conta-se na própria Polícia Militar que ele envelheceu com transtornos mentais e foi encontrado morto em uma vala na cidade de Belém. Há outra versão de Machado (2009, p.218) que diz que à época “o Estado atrasado no pagamento do seu funcionalismo, Fontoura, pobre, peregrinava humilde, integrando a avalanche dos dependentes do recebimento de vencimentos, como se não fosse uma glória nacional autêntica. Resistia a essa mágoa do público paraense. Mas não resistiu presenciando o seu heróico Regimento manobrado por intrigas políticas, depondo autoridades constituídas inclusive um Governador do Estado, e daí alteração das faculdades mentais e aneurisma de que veio a falecer no Asilo de Alienados, a 25 de fevereiro de 1923, consternando o Pará e o país”.

Que em Canudos cobriu-se de mil glórias Salve Fontoura, o precursor da vitória.

Outra referência que permanece no enaltecimento dos atos heroicos é a solenidade homenagem póstuma a Fontoura, que ocorre na semana comemorativa de aniversário da PMPA, no mês de setembro. Por sua vez, convém citar como ocorreu a concessão do terreno para a

construção do “Mausoléu dos heróis da Polícia Militar”.

O Prefeito Municipal de Belém, querendo homenagear os briosos e valentes oficiais que tomaram parte na Força Expedicionária contra o movimento insurreto de Canudos, no ano de 1897, no sertão do Estado da Bahia, escrevendo uma das mais empolgantes páginas de disciplina e heroísmo da nossa tradicional Força Policial, - resolve conceder o terreno, medindo quatro (4) metros de frente por três (3) de fundos, no quadro 23-G do Cemitério de Santa Isabel, à Força Policial do Estado para nele ser construído um Mausoléu dedicado a esses antigos servidores do Estado.

Cumpra-se. (apud MACHADO, 2008, p. 293).

A atuação da tropa paraense na guerra de Canudos ainda é enobrecida mesmo nos tempos democráticos no ano de 2006 por meio de um decreto governamental foi oficializada a Polícia Militar do Pará como Corporação de Fontoura.

D E C R E T O N. 2.487, DE 5 DE OUTUBRO DE 2006

Estabelece a denominação histórica da Polícia Militar do Pará - PMPA e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO PARÁ, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 135, incisos III, VII e X, da Constituição Estadual, e

Considerando a passagem dos 188 anos de criação da Polícia Militar do Pará – PMPA, marcando a trajetória histórica, tradições e relevantes conquistas da Corporação, no permanente compromisso de defesa e segurança da sociedade;

Considerando o destacado propósito de reconhecimento aos feitos e à indelével memória do Coronel Policial-Militar ANTÔNIO SÉRGIO DIAS VIEIRA DA FONTOURA, herói da Campanha de Canudos e Patrono da Corporação;

Considerando, ainda, o interesse de se perpetuar a imagem de Fontoura como símbolo de exemplar profissionalismo do policial militar paraense,

D E C R E T A:

Art. 1º Fica estabelecida como “Corporação de Fontoura” a denominação histórica da Polícia Militar do Pará, em homenagem ao seu insigne Patrono.

Art. 2º A denominação histórica da PMPA constará de toda a documentação oficial e de qualquer forma de representatividade institucional da Corporação.

Art. 3º Ato do Comandante-Geral da PMPA disciplinará a utilização da denominação histórica da Polícia Militar do Pará, prevista no artigo anterior.

Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO DO GOVERNO, 5 de outubro de 2006. SIMÃO JATENE

CAPÍTULO III: A “SEGURANÇA PÚBLICA” EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO

PARADIGMÁTICA

3.1 SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

Definir segurança pública é uma árdua tarefa, pois segundo Câmara (s/d, p. 11), ela pode ser conceituada como uma atividade, desenvolvida pelo Estado, que se destina a empreender ações e oferecer estímulos positivos para que os cidadãos possam conviver, trabalhar, produzir e

usufruir o lazer. Nesse conceito, as instituições responsáveis por essa atividade “[...] atuam no

sentido de inibir, neutralizar ou reprimir a prática de atos anti-sociais, assegurando a proteção coletiva e, por extensão, dos bens e serviços públicos”.

Segundo o art. 144, da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos; é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, com ações desenvolvidas nos níveis federal, estadual e municipal.

Esse texto constitucional foi resultado de lutas sociais para redemocratização do Estado Brasileiro, após anos de regime autoritário (1964-1985). No bojo desse processo emergiram também as denúncias das violações de direitos humanos, cometidas pelo Estado Brasileiro, em especial, a tortura e o desaparecimento de pessoas.

Na década de noventa, já em “tempos democráticos”, vários acontecimentos colocaram

em pauta que o Estado Brasileiro continuava sistematicamente a cometer violações de direitos humanos, constituindo-se como os principais agentes dessas violações os integrantes das organizações policiais estaduais.

Apareceram, ao final da referida década, diversas propostas no Congresso Nacional47para as polícias estaduais. As discussões ocorreram principalmente na esfera federal, apontando três perspectivas para as instituições policiais: extinção, unificação ou integração das policias.

Extinção/Unificação: alguns mais radicais pregavam exclusivamente a completa extinção das polícias civil e militar, outros referendavam a extinção, complementada pela criação de

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Uma proposta de Emenda Constitucional, elaborada conjuntamente pelo Fórum Nacional de Ouvidores do Sistema de Segurança com representantes da sociedade civil, que extinguia a dualidade na função policial e alterava o funcionamento da persecução penal, foi entregue ao Governo Federal no dia 14 de Dezembro de 1999 e aos Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados no dia 19 de Janeiro de 2000.

Polícias Estaduais, que atuariam nas diversas ações de policiamento (preventiva, investigativa e repressiva).

Integração: essa outra proposta mantinha as estruturas dos organismos policiais, mas sua funcionalidade deveria estar intrinsecamente interligada, mediante a criação de um sistema de segurança pública. Esta foi a proposta efetivada pioneiramente no Pará e depois em vários Estadosbrasileiros, sendo adotada como modelo oficial pelo atual governo federal.

O Sistema Único de Segurança Pública – SUSP foi regulamentado, em 2007, para articular as ações federais, estaduais e municipais na área da segurança pública e da justiça criminal, definindo os princípios e metas do Sistema:

Direitos humanos e eficiência policial são compatíveis entre si e mutuamente necessários.

O Sistema de Justiça Criminal deve ser democrático e justo, isto é, orientado pela igualdade, acessível a todos e imune ao exercício violento e discriminatório do controle social.

Ação social preventiva e ação policial são complementares e devem combinar-se na política de segurança.

Polícias são instituições destinadas a servir os cidadãos, protegendo direitos e liberdades, inibindo e reprimindo, portanto, suas violações.

A Polícia compete fazer cumprir as leis, cumprindo-as.

Policiais são seres humanos, trabalhadores e cidadãos, titulares, portanto, dos direitos humanos e dos benefícios constitucionais correspondentes às suas funções.

Promover a expansão do respeito às leis e aos direitos humanos. Contribuir para a democratização do Sistema de Justiça Criminal.

Aplicar com rigor e equilíbrio as leis no sistema penitenciários, respeitando os direitos dos apenados e eliminando suas relações com o crime organizado. Reduzir a criminalidade e a insegurança pública.

Controlar o crime organizado e eliminar o poder armado de criminosos que impõem sua tirania territorial a comunidades vulneráveis e a expandem sobre crescentes extensões de área públicas.

Bloquear a dinâmica do recrutamento de crianças e adolescentes pelo tráfico. Ampliar a eficiência e reduzir a corrupção e violência policial.

Valorizar as policiais e os policiais, reformando-as e requalificando, levando-os a recuperar a confiança popular e reduzindo o risco de vida a que estão submetidos. (PORTAL SEGURANÇA COM CIDADANIA)48

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Disponível em:

<http://www.segurancacidada.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=16&Itemid=40>.Acesso em: 10 ago. 2009.

Como uma forma de pressionar os Estados, o governo federal prioriza a liberação de verbas federais para projetos integrados, ou seja, em especial que participem simultaneamente a Polícia Militar e a Polícia Civil de cada respectiva unidade da federação.