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CAPÍTULO II: O TRABALHO POLICIAL MILITAR NO ESTADO

2.1 UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA POLÍCIA NO BRASIL

A literatura brasileira registra a presença de militares desde a fase do Brasil colônia, com atuação das milícias, das tropas regulares, das ordenanças, dos Almotacés, estes últimos

constituem a primeira manifestação de uma “autoridade policial constituída” e eram

encarregados de zelar pela ordem pública nas recém criadas vilas.

Sobre as tropas regulares, identifica-se que os primeiros governadores-gerais são os que se fazem acompanhar das primeiras tropas regulares vindas da metrópole, devendo entre suas tarefas a de organizar o sistema de fortificações costeiras (SODRÉ, 1979). Em relação às milícias, elas foram formadas dentro das prescrições do Regimento de 1548 e do disposto no Serviço de Ordenanças, de 1575, tendo influência decisiva no sistema na estrutura colonial vigente, assim nos indica Martius (apud SODRÉ, 1979):

[...] A influência dessas milícias é grande e importante por dois motivos: por uma parte elas fortaleciam e conservavam o espírito de empresas aventureiras, viagens de descobrimento, e a extensão do domínio português; por outra favoreciam o desenvolvimento de instituições municipais livres, e de certa turbulência e até desenfreamento dos cidadãos, capazes de pegar em armas em oposição às autoridades governativas, e poderosas ordens religiosas. (MARTIUS apud SODRÉ, 1979, p.32).

A noção de inimigo é constituída claramente desde esse período colonial, sendo que:

[...] nas áreas em que se estabelece a agricultura, o inimigo é o indígena, que é preciso desalojar ou escravizar, para que o colonizador se vale de sua superioridade

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em meios materiais, armas em particular, e do divisionamento estabelecido nas tribos; ou o pirata, que investe do exterior, e para deter suas investidas organiza-se o recrutamento baseado na ordem privada, na contribuição obrigatória da população que se organiza em Ordenanças, ao comando dos próprios senhores de terras e de escravos [...] Com a mineração o inimigo principal passa a ser outro: passa a ser o próprio povo, que sofre da tributação extorsiva, enquanto permanece a ameaça da investida externa no litoral, e aparece uma zona de conflito permanente no sul pastoril. (SODRÉ, 1965, p. 59).

Dessa forma, é perceptível uma significação negativa da força militar no Brasil, pois se pode dizer que ela atendia aos interesses de uma parcela da população: “[...] a missão das forças militares, durante os três séculos de dominação lusa, pode ser resumido no seguinte:

assegurar a empresa da colonização” (SODRÉ, 1965, p. 59).

Constata-se que depois da restauração do Reino de Portugal em 1640, inicia-se o processo de instituição de tropas regulares permanentes, ou forças permanentes, tanto na Metrópole quanto no Brasil colônia. Esse processo foi intensificado no Brasil a partir de meados do século XVIII, sendo essas forças repressivas organizadas em três categorias: tropa de linha (ou 1ª linha), tropa de milícia (ou 2ª linha) e corpo de ordenança (ou 3ª linha) (FERNANDES, 1974).

A tropa de linha caracterizada por ser regular e representa a principal base de sustentação do poder metropolitano. A oficialidade é composta, sobretudo de portugueses e o efetivo de praças é completado pelos colonos. Seu engajamento é feito de voluntários (em geral, muito restritos), desocupados (libertos, vagabundos, vadios e criminosos) e, sobretudo, pelo recrutamento forçado, maciço e indiscriminado da “massa despossuída”.

Como auxiliares das tropas de linha, organizam-se de início os terços, reorganizados a partir do século XVIII, em regimentos denominados de milícias. Seus efetivos são completados pela arregimentação da própria população colonial, sendo seu serviço obrigatório e não remunerado [...]

Quanto aos corpos de ordenança, são compostos por indivíduos das várias camadas sociais da população colonial, não engajados nas tropas de 1ª e 2ª linha (entre 18 e 60 anos). [...] Todo civil é também um militar, desde que todos os colonos eram obrigados ao serviço militar dos 18 aos 60 anos. Os oficiais dos corpos de ordenança são escolhidos entre os colonos de acordo com os serviços prestados à Metrópole e com a posição socioeconômica.

[...]

Essa disposição das tropas em três linhas persiste em Portugal e no Brasil por aproximadamente dois séculos e meio e só será alterada em 1831, na Regência, quando é criada da Guarda Nacional. (FERNANDES, 1974, p. 36-37, grifos do autor).

O marco decisivo para a formação do que viria a ser conhecido como polícia militar teve origem na vinda da família real para o Brasil em 1808, tendo como marco a criação da

Divisão Militar da Guarda Real de Polícia29, corpo estruturado à semelhança do Exército, que tinha como principal função atender às ordens do intendente na manutenção do sossego público. Seus quadros originais são formados na tradição patrimonial portuguesa, com homens de maior poder aquisitivo que obtêm o privilégio de comandar um corpo policial, oferecendo como contrapartida a manutenção de seus praças30. Dessa Guarda Real original derivaram as instituições policiais uniformizadas de formato militar que ainda hoje fazem o policiamento urbano (BRETAS, 1998).

Em 25 de março de 1824, D. Pedro I promulgou a Constituição do Império onde foram definidas as linhas gerais da estrutura militar oficial, obedecendo aos moldes coloniais que haviam estabelecido as três linhas: a primeira, composta da tropa regular e paga; a segunda e a terceira, compostas de milícias e ordenanças, auxiliares e gratuitas. “[...] Daí as três categorias

militares, exército, milícias e guardas policiais” (SODRÉ, 1979, p. 89), com efetivo e

recrutamento fixado anualmente.

O exército destinava-se a defender as fronteiras e nelas estacionar, as milícias incumbiam-se de manter a ordem pública nas comarcas [...] as guardas policiais eram encarregadas de fornecer a segurança dos indivíduos, perseguindo e prendendo os criminosos.(SODRÉ, 1979, p. 89, grifos meus).

Ao iniciar no país sua vida autônoma, as Forças Armadas tinham a missão de manter a base física herdada da base colonial e a de assegurar o exercício da autoridade central em toda a extensão daquela vasta base física. É o problema da unidade, entendido, em sua significação mais simples e rudimentar, isto é, a de manter unidas às antigas capitanias, agora províncias, reduzindo as resistências locais, sufocando os movimentos de rebeldia, impondo a toda a autoridade central, evidentemente no interesse da classe dominante senhorial, que ao assumir a autonomia e procuraria configurá-la dentro dos limites de seus interesses, afastando do poder outras classes que poderiam disputar com ela.

Em suma deveria assegurar a unidade nacional e territorial, ligada a uma ideia quantitativa, e uma nova tarefa, a da unidade, subordinada a uma estrutura social em que a classe dominante, latifundiária e escravista, considerava como gerais, nacionais, portanto, os seus interesses.

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Também foram criadas “o Arsenal Real da Marinha, a Intendência e Contadoria da Marinha, a Real Academia dos Guardas Marinhas e a Real Fábrica de Pólvora.” [...] Lançam-se os “fundamentos do ensino militar com a criação da Academia Real Militar, em 1814” (SODRÉ, 1979, p. 57).

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A hierarquia militar do Exército compõe-se de dois grandes círculos: o dos oficiais (general, coronel, tenente- coronel, major, capitão, 1º tenente e 2º tenente) e das praças (sub-tenentes, sargentos, cabos e soldados).

Mas ocorreu a impossibilidade das Forças Armadas, de realizarem na circunstância, tudo aquilo que estava configurado em sua missão, havendo o perigo para a classe dominante de submergir ante uma situação de generalizada rebeldia. Isso obrigava a autoridade constituída a valer-se de instrumentos militares que não as forças armadas, isto é, os mercenários e os elementos que a Inglaterra colocava à disposição do governo do Rio de Janeiro.

Porém, uma situação desse tipo envolvia riscos consideráveis, evidentemente, e denunciava, desde logo, que a classe dominante preferia compor-se com potência estrangeiras, no caso a Inglaterra, a aceitar a composição com outras classes e camadas do próprio povo (SODRÉ, 1965).

Na fase autônoma pode-se apreciar a longa transformação das Forças Armadas de instrumento, já inadequado, da classe latifundiária, que tem necessidade, por isso mesmo de criar a Guarda Nacional, sua força militar específica, depois de ter utilizado o mercenário e o comando estrangeiro - em instrumento do latifúndio e da burguesia, ora conciliadas, ora em luta, até o momento em que a burguesia passa a ser dominante.

“A fase colonial, no que diz respeito à organização militar, encerra-se, a rigor, com a criação, a 18 de agosto de 1831, da Guarda Nacional” (SODRÉ, 1979, p. 58) quando os

homens que representavam o governo retomam em suas „mãos‟ a organização militar. A lei de criação da Guarda Nacional extingue as Ordenanças e Milícias e estabelece a Guarda

Nacional como força auxiliar do Exército, tendo por finalidade “[...] defender a Constituição,

a liberdade, a independência e a integridade da Nação” (SODRÉ, 1979, p. 119).

Ainda sobre a Guarda Nacional visualiza-se que ela estava fora da “alçada militar”, subordinada a autoridade política, a serviço direto dos interesses da classe dominante. Na Guarda Nacional, todos os homens maiores de dezoito anos e menores de cinquenta eram obrigados a servir, se reservava o direito de recrutar os elementos da sociedade e distribuía os comandos, segundo os senhores de terras. Enquanto isso, o exército se obrigava a selecionar os elementos marginalizados da sociedade para constituir a tropa, enquanto recrutava nas camadas médias a oficialidade.

A distribuição do “poder” na Guarda Nacional era feita da seguinte forma:

[...] os chefes locais de prestígio recebiam, automaticamente os postos mais altos dela; o posto de coronel era concedido ao chefe político da comuna, as patentes de capitão a chefes locais influentes, e o conselho de qualificação, que declarava quem devia servir na reserva e quem ficava isento de servir na Guarda, era composto em cada município, de eleitores do 2º grau mais votados, sob a presidência de um juiz de paz. Era uma arma fortíssima nas mãos dos senhores rurais, não só porque

legalmente se tornavam chefes militares, como porque em suas mãos esta mandar este ou aquele servir no Exército. (SODRÉ, 1979, p.131).