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Nosso Reuerendo em [ ] Padre

3. Informação sobre a Residência de São Miguel

Autores: Companhia de Jesus

Publicação: 27 de Julho de 1600

Origem: ARCHIVUM ROMANUM SOCIETATIS IESU

Localização: A.R.S.I., Lus. 85 (VIII) – Fundationes: Collegi Elvense – Portuense –

Funchalense, (fls. 222-224v.)

Contexto: Os primeiros Colégios fundados na Província Lusitana foram essencialmente estatais, ou seja, erigidos com uma avultada verba do erário régio e estrategicamente colocados nas principais cidades, Lisboa (O Coleginho) e Coimbra (Colégio de Jesus), em 1542; em Évora (Espírito Santo), em 1551; em Lisboa (Santo Antão), em 1553; em Coimbra (Colégio das Artes), que passou para os Jesuítas em 1555; em Braga (Colégio de São Paulo), em 1560; em Bragança (Colégio do Santo Nome de Jesus), em 1561; seguiram-se as cidades estratégicas das rotas da expansão ibérica: Angra e Funchal, em 1570.

Dentro de outro quadro para a fundação do Colégio da Ilha de São Miguel a Companhia teve de recorrer a doações pias particulares, muitas vezes, fruto de disputas várias, que levaram muitos anos a resolver.

Desde a fundação, em 1570, do real Colégio da Ascensão, em Angra do Heroísmo, que se tinham iniciado várias missões com o intuito de começar a educar na religião cristã, os habitantes e de se preparar a fundação de outro Colégio nas Ilhas: “Com

estes pressupostos o Padre Pedro Gomes, que em 1570 foi com os seus companheiros iniciar o Colégio de Angra, levava de Portugal a incumbência de se dirigir em missão à Ilha de São Miguel, para começar a cultivar os habitantes dela e se preparar de longe a fundação que se desejava. Foi admirável o bem espiritual que o missionário com o seu companheiro fez àquela gente [...] indescritível o alvoroço que despertou nela para haver de permanência na sua Ilha os religiosos da Companhia” 1.

1 A.N.T.T., Cartório Jesuítico, maço 34, doc. 41. Cf. Teresa Maria Rodrigues da Fonseca Rosa, O

Colégio da Ascensão de Angra do Heroísmo: Uma Análise Pedagógica da Companhia de Jesus. Um contributo para a Historia da Educação em Portugal, Universidade dois Açores, 2005, pp. 300-301.

A primeira doação feita por João Lopes para a sustentação da comunidade naquela Ilha foi muito atribulada, pois entrou com os bens de outro irmão, que não se conformou, assim como outros familiares também não concordaram.

Diz-nos Rui Carita que a passagem dos Jesuítas, do Colégio de Angra para Ponta Delgada, se verificou pelo ano de 1582, e, para a sua sustentação, a ilha de São Miguel tinha sido tributada com 200$000 reis2.

Foi-se, com efeito, prorrogando, ano após ano, a fundação por não haver dotação suficiente. Pouco depois, como cresceram um pouco as rendas, aceitou o Geral a fundação do Colégio, ainda que debaixo de certas condições.

A comunidade era, inicialmente, constituída por três Padres e dois Coadjutores Temporais, enviados pelo Colégio da Ascensão ficou à frente do futuro Colégio de Todos os Santos de Ponta Delgada, então ainda somente uma Residência, em 15913,

o Padre Simão Rodrigues, pouco depois substituído pelo Padre Fernão Guerreiro, vindo da comunidade do Funchal, para tratar da fundação4.

As escolas, porém, só passados alguns anos abriram. Em 1614, tinha o Colégio apenas uma aula de Casos de Consciência de que foi primeiro mestre, o Padre Manuel Seco. Em 1621, no governo do Superior, Padre António Leite, introduziu- se a primeira classe de Latinidade e, em 1636, a segunda. Foi nessa data que a Residência subiu à categoria de Colégio, sendo o primeiro Reitor o Padre Luís Lopes5,

2 Carita, Rui, “O Padre António Vieira e os Colégios nas Ilhas”, in Oceanos N.º 30/31, 1997, p. 73.

3 Alguns autores referem o ano de 1591, como a data da fundação da residência na Ilha de S. Miguel, nomeadamente o Padre António Franco in Synopsis Annalium Societatis Jesu in Lusitânia, p. 494. Nos documentos do Arquivo Romano (catálogo e memória dos Superiores que governarão desde o seu princípio), Lus. N.º 85, fls. 216-228, é atribuído também, o ano de 1591 para o início da instituição sendo o primeiro Superior o Padre Fernão Guerreiro. Por outro lado, José Maria Teixeira Dias in Todos

os Santos uma Casa de Assistência Jesuíta em São Miguel, p. 208, refere o ano de 1588, para o seu

inicio.

4 A.R.S.I., Lus. N.º 44 I, Catalogus Triennales, (1587-1611), fl.44.

5 Embora José Maria Teixeira Dias in op. cit., p. 330, baseado nos dados fornecidos pelo Padre António Cordeiro in História Insulana, p. 234, e o Padre Francisco Rodrigues op. cit., Tomo II, Vol. I, p.79, refira que o primeiro Reitor foi o Padre Luís Lopes. O Padre António Franco in Synopsis Anna-

lium Societatis Jesu in Lusitânia, p. 494, diz-nos que o primeiro Reitor foi o Padre Ludovico Lopes no

ano de 1636. Na verdade, nos catálogos do Arquivo Romano, Lus. N.º 39, Catalogus Brevis, (1579- 1623/1686-1687), fl. 136, surge a referência ao Padre António Leite como Reitor no ano de 1621 assim como essa data para o início do Colégio.

natural da Vidigueira e exemplar exímio de virtude religiosa6. Este governou de 1636

a 1639.

O Colégio lecionava duas aulas de manhã, “aulas de primeira” ou “aulas de prima”, Casos de Consciência e Latim, e ainda uma aula de Moral, por certo à tarde7.

Contém: Informações gerais sobre a Residência de S. Miguel, escritas pelo Padre visitador no ano de 1600. Inclui a lista do número de Irmãos e Padres residentes na Instituição nesse ano, e o cargo ocupado pelos mesmos. Refere também qual o montante de renda e despesas que possuía a Residência. Clarifica ainda a noticia sobre o dote de João Lopes, oferecido aos Padres para a fundação de um Colégio na Cidade, à imagem dos Colégios de Angra e do Funchal.

Auia nesta Residençia de S. Miguel 8 da Companhia, 4 Padres, e 4 Irmãos. Tres dos Padres no qual numero entra tambem o Superior, pregam, e confessam, o quarto padre confessa somente. Todos fazião estes offiçios, e os mais ministerios Spirituaes da Companhia cõ edificação, e fructo, e erão açeitos, amados, e acreditados na çidade. Os Irmãos erão todos coadjutores, cada hũ util em sua occupação, e obseruante. Hum delles esta dedicado à grangearia das herdades, onde reside toda a somana, e uẽ a casa aos domingos, e dias Sanctos; custumaua estar e dormir lá só sem companheiro cõ algũ defenido da obediençia que ha comum de Uosso Padre e tambem da speçial ordem que Uosso Padre pera sua carta mandou sobre o mesmo Irmão não andar, nem dormir só naquela grangearia. Porem ja agora lhe deputei companheiro inseparauel.

Do Spiritual

Na disciplina domestica, e religiosa se proçedia cõ obseruançia e exemplo. Nem achei louuoures a Deos, nesta parte desordens de muita importançia, tirando as que apontarei abaixo, em materia de fazenda, que sam graues.

Em todos auia uniam entre si, e cõ o Superior, inda que algũs tinhão desabores cõ o Padre Luis Pinheiro Superior desta residençia, por quexas que delle faziam,

6 Rodrigues, Francisco, História da Companhia de Jesus na Assistência em Portugal, Tomo II, Vol. I, p. 79.

occasionadas da condiçam do Padre, que he algum tanto rija, e diffiçil de sofrer. Pola qual rezão pedião os Padres todos licença pera se irem desta residençia a uiuer em outra parte da Companhia dizendo que se não atreuiam a continuar cõ elle. Mas como o Padre Luis Pinheiro se ha de partir cedo pera Portugal quietarãose os Padres. As desordens, como dizia, mais notaueis, que achei, forão em materia de fazenda e ja os annos passados tinha escritto o Padre Manoel de Magalhães, Reitor do Collegio de Angra ao Padre Prouincial, que andauão os nossos nesta Ilha muito occupados no negoçio da fazenda cõ algum dispendio da profissão religiosa.

A 1ª desordem foi que comprarão os Padres grande quantidade de pastel em bolos, s. quatro çentos e treze quintaes, e depois o mandarão granar, pera que com este benefiçio e industria lhes rendesse mais, polo menos, e a uenda de bois, e uacas que ali se crião. Porem, quid quid sit de taes criações de animais (o que uera V. P.) a grangearia das herdades pera trigo, e çeuada, parece proueitosa e que pode continuarse, sed ad huc seruatis seruandis, porque não he cousa desusada entre religiosos, nem na mesma Companhia, como uemos em muitas partes della; mas pollo meu nem ainda isto permittira, porque não pareçe cõueniente pera fundação de nouos collegios, laurarem os da Companhia e grangearem campos.

Do temporal

Uiuem os nossos nesta residençia da renda della, ainda que tambem são muito aiudados cõ as esmolas e liberalidade da Çidade.

Em dinheiro não tem mais que uinte e seis cruzados e meio, os quaes são de foros e alugueres de casas.

De trigo tem uinte moios de renda, que ualem treçentos cruzados.

Tem tambem entre trigo e çeuada de sua laura, havendo boa industria, qual agora ha, trinta moios que montão quatroçentos cruzados, ate quatroçentos e çinquenta. E se laurasem de trigo e çeuada toda a terra que tem, muita da qual lauram de pastel, terião nos annos ordinarios polo menos oitenta moios, e nos de fertilidade mais de cento.

Da particular laura do pastel, podem ter hũ anno por outro, sendo a industria, qual de presente he, quinhentos quintaes, que descontãdo treze por çento que paga qualquer laurador de pastel a el rey, montão mil e treçentos e çinco cruzados uendido o pastel em terra a tres cruzados o quintal, mas uendido em barcado monta mais,

e deste modo o uendem os que querem ganhar mais nelle, quais são os tratantes. O que tudo nos preços sobre ditos uem a fazer soma de dous mil e setenta e oito cruzados e meio.

De toda esta soma se descontarmos o que se tira pera gastos que se fazem em beneficiar as herdades que sam quinhentos cruzados, fição foros mil e quinhentos e setenta e oito cruzados e meio.

Tem tambem esta residençia terras em que pasta seu gado e tem mais huã pretenção sobre certos moios e interesses delles, de que temos ja huã sentença no foro eclesiástico e se o mesmo se julgar no secular teremos uinte moios de renda mais do que oje ha, porem a demanda he muito intricada e uaia dilatando a parte contraria quasi in infinitum.

Finalmente temos doação da terçeira parte da fazenda de João Lopez a qual parte montaua mais de trinta mil cruzados, mas oje esta de posse de toda a fazenda de João Lopez seu irmão Marcos Lopez, o qual a tem embaraçada em tanto estremo cõ diuidas e dificuldades, que quasi não ha esperança alguã de podermos cobrar della cousa que monte.

As diuidas tem creçido muito, porque são ao presente cinco mil cruzados, e alguã cousa mais.

Pera pagar boa parte destas diuidas tem os Padres huã boa quantidade de pastel.