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Castelo de Thyma [...] [T]odos se reuniram para o jantar na sala de banquetes. [...]

O segundo apartamento conservava a sua forma antiga e era usado como sala de jantar nos dias normais. [...]

Três mesas estavam dispostas num quadrado aberto; as cadeiras de carvalho do Barão e da Baronesa estavam voltadas para a janela, os convidados sentavam-se às outras mesas, de lado para eles, os criados moviam-se pelo lado de fora e, assim, colocavam a comida à frente deles sem empurrar nem incomodar ninguém. Uma quarta mesa encontrava-se a um canto, entre o fogão de sala e a janela.

[...] Por uma questão de cortesia, ele levou aos lábios a taça de duas asas cheia de fina cerveja, que circulava em contínuo em torno da mesa e que nunca se podia pousar; um criado tinha por única tarefa cuidar que nunca se interrompesse o avanço da taça. Mas ele não bebia nada e nada comia; não conseguia engolir.

[...] O jantar continuava e a conversa tornou-se mais barulhenta. A truta, o frango, o cordeiro com tomilho (apanhado nas colinas pelos pastores), os ovos de tarambola, o lombo, a doçaria (a cuja feitura presidia a Baronesa em pessoa), toda a profusão da mesa o dispunha contra a comida mais do que o tentava. Nem beber conseguia, por mínima que fosse a gota de um brandy antigo servido a cada conviva à guisa de conclusão e que era tão precioso quanto ouro líquido, porque tinha sido herdado dos antepassados e, quando aquela pipa estivesse vazia, não poderia voltar a encher-se.

A sobremesa, os morangos, as nozes e avelãs, cuidadosamente conservadas com um pouco de sal, sendo o cesto sacudido de tempos a tempos para não ganharem mofo, as maçãs, o mel no favo com fatias de pão branco, nada lhe agradava. Nem bebeu, para além do golinho exigido pela cortesia, do delicado vinho de Gloucester, caro como era, que era ali cultivado nas vinhas e que era trazido de barco pelo Lago, tornado ainda mais caro pelo risco dos piratas. Este era servido em jarros de madeira de ácer que, tal como a taça de barro da cerveja, nunca podia tocar a mesa antes de o repasto terminar. [...]

Os excertos, retirados da Parte II, situam-se em dois cenários diferentes: os capítulos VIII e IX no castelo de Thyma, com a descrição pormenorizada de um banquete, com abundância e variedade de alimentos e bebidas, e os capítulos XVII e XVIII, passados num acampamento de soldados, dando a conhecer a existência de poucos alimentos em tempos de paz e muitas provisões quando se declarava guerra.

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— Porque — disse —, mais vale beber enquanto pode, meu jovem. Há sempre muita bebida e diversão no princípio de uma guerra, e às vezes no meio já não há nem gota que se beba nem migalha que se trinque.

Ao ouvir as conversas deles enquanto tomava o pequeno almoço, Felix descobriu por que ra- zão não se viam oficiais: é que a maior parte deles tinha bebido demasiado à vontade na noite an- terior. O próprio rei, disseram, tinha sido levado para a cama bêbedo que nem um cacho e grande era a quantidade de líquido necessária para encher tal recipiente, porque o rei era um homem de uma corpulência notável. [...]

CAPÍTULO XVIII

O Imposto do Rei

[...] Felix levou o carregador de regresso ao acampamento e, em sinal de gratidão, ofereceram-lhe de beber. Ele disse que preferia comida e serviram-lhe então uma profusão de alimentos. O cava- lariço, numa conversa fiada enquanto cumpria as suas tarefas, foi dizendo que apreciava sempre o começo das guerras, porque em tempos de paz viviam sempre meio esfaimados, a ter de roer os ossos como os cães. Mas, quando a guerra era declarada, eram reunidas grandes quantidades de provisões e todos enchiam o bandulho à fartazana. Até para os cães era um fartote; apontou para uma meia dúzia de animais que estraçalhava e devorava uma pá de borrego. Antes da campanha chegar ao fim, aqueles mesmos cães podiam estar mortos de fome. [...]

Tradução de Luísa Feijó. Revisão da tradução de Iolanda Ramos.

CAPÍTULO IX

Superstições

[...] Só a Baronesa se sentava à mesa, os convidados sentavam-se onde muito bem entendiam ou onde o acaso os levava; a maioria ficou de pé, ou encostados na reentrância da janela aberta. Chá propriamente dito não existia; chá era coisa que não se conseguia arranjar nem por amor nem por dinheiro nos últimos cinquenta anos e, de facto, o seu uso teria mesmo sido esquecido, sobrevivendo apenas o nome, não fora as pequenas quantidades que tinham sido guardadas e que eram servidas em raras ocasiões nos palácios. Em vez dele havia chicória preparada com a raiz da planta que era cultivada para esse efeito; leite fresco; cerveja e hidromel; e vinho de Gloucester. Manteiga, mel e bolo encontravam-se também na mesa.

Os hóspedes serviam-se ou esperavam que os criados chegassem junto deles com os tabulei- ros de madeira trabalhada. A característica particular dos chás é ser livre de formalismos; não é necessário que as pessoas se sentem como nos jantares ou nas ceias, nem fazer como os outros fazem; cada qual faz como lhe apetece e não há cerimónias.

[...] Passado algum tempo, um criado chegou junto dele com um tabuleiro; ele serviu-se de mel e de pão. Quase logo a seguir veio outro criado que lhe apresentou um prato sobre o qual estava uma taça com vinho, dizendo: “Com os votos da minha senhora”.

[...] Enviar a um convidado um tabuleiro com comida ou vinho é a mais alta marca de estima e aquele prato em particular quase não tinha preço, como Felix se apercebeu quando a sua con- fusão se desvaneceu. Era de uma porcelana muito antiga, que, naquele tempo, não se encontrava sequer nas casas dos mais abastados. [...]

CAPÍTULO XVII

O Acampamento

[...] Dirigiu-se então até ao centro do acampamento e viu, com espanto, grupos de soldados espa- lhados por todo o lado, que comiam, bebiam, conversavam e até jogavam às cartas ou aos dados, mas nem um único oficial de qualquer patente que fosse. Finalmente, detendo-se junto ao bra- sido de uma fogueira, perguntou timidamente se podia tomar um pequeno almoço. Os soldados riram-se e apontaram para uma carroça que estava atrás deles, dizendo-lhe que se servisse. As traseiras da carroça, voltadas para a fogueira, estavam carregadas de pão e de pedaços de touci- nho de que os magalas cortavam fatias que grelhavam nas brasas.

Ele fez como lhe diziam e, logo de seguida, um soldado, que já não estava muito firme nas pernas apesar da hora matinal, ofereceu-lhe uma caneca.