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[An Account of ... the Cessares]

James Burgh

(1714-1775)

De seu título completo Um Relato da Primeira Povoação, Leis, Forma de Governo e Política dos Cessares,

um Povo da América do Sul; Em nove cartas do Senhor Vander Neck, um dos senadores daquela nação, a um seu amigo na Holanda, a obra apresenta-se como edição de documentos autênticos escritos pelo explorador holandês Jacob Corneliszoon van Neck (1564-1638), conhecido pelo seu diário de viagens nas Índias Orientais. A ficção de autenticidade é suportada por documentação aduzida num número apreciável de notas de rodapé, mormente estudos históricos e geográficos, quer an- tigos, quer modernos, eivados de preocupação edificatória, de considerações morais. No excerto, conservamos apenas algumas das notas de rodapé do texto original.

No país dos Cessares, a opulência dos alimentos disponíveis concilia-se com uma ordem po- lítica admirável e com uma população de caráter elevado, caracterizada por sentimentos nobres e costumes simples, além de boa saúde. Ali prevalecem a temperança, o empenho industrioso e o apego patriótico à coisa pública. Trata-se de uma nação que se diz governada de acordo com os princípios da razão, da bondade e da equidade, desde logo manifestas na distribuição equitativa da terra. É uma república, no sentido mais pleno do termo. Para evitar abusos, o Senado fixa o preço não apenas do trabalho mas também dos cereais, do pão e da carne; por outro lado, garante que há provisões de trigo suficientes para suprir eventuais carências durante dois ou três anos. O Senado define ainda as épocas da pesca e da caça, com limites atinentes à preservação das es- pécies. O ecocídio é essencialmente uma ideia do nosso tempo, mas um texto como o presente revela já o despontar de uma consciência ambiental, como, aliás, se nota também em As Memórias

do Signore Gaudentio di Lucca de Simon Berrington. Essa consciência ambiental pode presumivel- mente ser interpretada como correlativa da preocupação de justiça ou de equilíbrio pela qual se pauta a vida dos Cessares no plano sociopolítico e económico.

O etnónimo deriva de uma colónia espanhola – “de los Césares” – supostamente estabelecida numa ilha num lago andino (cf. Claeys 1994: xl).

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De momento esta cidade ainda tem poucas construções e poucos habitantes, mas a sua organi- zação é a seguinte. As ruas têm cerca de uma milha de comprimento e cerca de trinta metros de largura, são praticamente retas e cruzam-se em ângulos retos. E o nome de cada rua está pintado em grandes letras e colocado em cada esquina. As casas são simples e exatamente da mesma for- ma e tamanho, o que dá uma agradável uniformidade a todas as ruas. Estão construídas a uma pequena distância umas das outras, para gozarem um pouco mais de ar fresco e para impedir que incêndios acidentais lancem as suas chamas para as casas vizinhas. E permitimos que cada casa tenha um pequeno terreno que serve de pátio, de jardim ou outras utilizações necessárias; a dimensão total da casa é de cerca de 50 metros de frente e 120 de fundo. As casas são baixas, con- sistindo apenas em dois andares, mas têm vários compartimentos em cada andar e a cobertura é um terraço onde, no verão, é frequente gozarmos o ar fresco. Também não posso omitir que no meio das ruas estão plantadas árvores e arbustos aromáticos a distâncias adequadas, com vista a perfumar o ar e a torná-lo mais saudável.

Várias das nossas estradas públicas estão terminadas e muitas mais estão planeadas numa parte considerável do país. Têm vinte e cinco metros de largura, correm em linha reta, cruzando-se em ângulos retos a cada milha de distância; e desta forma dividem o território em quadrados de uma milha de lado. Cada um destes quadrados é dividido em parcelas entre cerca de dezoito e vinte e cinco hectares, conforme a natureza e a fertilidade do solo. E o proprietário de cada parcela constrói uma casa junto do centro da propriedade para que mais facilmente possa cultivá-la na totalidade.

Assim, a parte habitada do país, dividida como está em pequenos lotes, encontra-se bem culti- vada e melhorada; e as casas, como são construídas longe umas das outras e rodeadas de jardins e pomares, com campos aráveis e verdes pastagens onde abundam as ovelhas e o gado, dão a todo o território uma perspetiva deliciosa e agradável, com o aspeto de um belo e fértil jardim.

Compreendo que aos olhos daqueles cuja principal felicidade reside na pompa, na grandeza e nos requintes de luxo, nós devemos ser vistos a uma luz mesquinha e desprezível, desprovidos de qualquer gosto e delicadeza, porque não temos ouro nem prata para nos vangloriarmos, não ostentamos aparadores cheios de baixelas, não possuímos casas grandiosas nem móveis sump- tuosos, nem roupas finas e espampanantes, nem negócios e comércio externo que introduzam entre nós aquelas modas caras e as inúteis superfluidades que, pouco a pouco, começam a ser con- sideradas as verdadeiras necessidades da vida. Os nossos campos e jardins, os nossos rebanhos, manadas e aves de capoeira são a nossa única riqueza, abastecem todas as nossas necessidades, e com isto nos contentamos, sendo felizes ignorantes dos vícios de outras nações e livres do desejo desses tolos requintes e vãos embelezamentos da vida que fazem que tantas pessoas na Europa vejam destruída a sua paz de espírito e acabem a envolver-se noutras dificuldades, carência e ruí- na. Nós, pelo contrário, somos extremamente cuidadosos para impedir a introdução dos luxos e daqueles orgulhos que são o perigo da virtude pública, a grande fonte de corrupção das maneiras, e que levaram à ruína todos os estados mais florescentes do mundo.

Talvez pensem que trinta e cinco ou até cinquenta acres de terra não serão suficientes para sustentar um homem que tenha uma grande família, mas achamo-los mais que suficientes.*

Temos não só cereais de todos os tipos, gado, ovelhas e porcos, como também inúmeros galiná- ceos, patos, gansos, perus e pombos; as montanhas vizinhas também nos fornecem cabras, aves e animais selvagens; e os nossos rios e riachos estão cheios de peixes. As nossas hortas e pomares fornecem-nos a maior parte dos frutos, ervas, legumes e tubérculos que existem na Europa, para além daqueles que são nativos deste país; e no verão secamos muitos figos, uvas e outros frutos que armazenamos para o inverno. As nossas abelhas também nos dão uma gran- de abundância de mel, e temos muita castanha com que alimentamos os porcos, cuja carne fica assim muito boa, firme e saudável.

Não bebemos bebidas espirituosas exceto em casos de doenças; e muito raramente vinho, cerveja ou bebidas fermentadas; os nossos filhos bebem apenas água. É a esta abstinência que atribuímos em grande medida a nossa constituição robusta e saudável, assim como o exercício calmo, livre e desembaraçado dos nossos poderes racionais.** Também não nos faltam os bons chás, que fazemos

com as ervas que encontramos nos nossos jardins ou nas montanhas próximas, e que animam a nossa força e revitalizam os nossos espíritos sem intoxicarem a cabeça. Também somos amantes de leite, que temos em grande abundância, e não duvido que se lembraram imediatamente do excelente caráter que Homero atribui aos antigos Citas, quando lhes chama comedores de leite, os mais justos dos

* Dos melhores estudos que fiz, concluí que nove acres de boa terra arável bastam para qualquer família no que toca a todos os tipos de cereais: três podem ser semeados num ano com trigo, ficando depois em pousio durante um ano, sendo no terceiro ano semeados com cevada, aveia ou favas para os cavalos, porcos e aves de capoeira. Um acre juntamente com as suas sebes será sufi- ciente para madeira e lenha para os fogões, se não tiverem carvão ou turfa. A casa, pátio, celeiros e estábulos podem ocupar mais um acre; e dois acres de jardim chegam para todo o tipo de fruta, ervas e raízes. O resto do terreno fornecerá pastagem suficiente para duas ou três vacas, outros tantos cavalos e vinte ovelhas, que parece ser o gado suficiente que qualquer cessariano desejará. E se o pomar for demasiado pequeno podem sempre plantar algumas árvores de frutos nos campos a boa distância umas das outras. – Os responsáveis da colónia da Geórgia davam a todos os homens cinquenta acres, independentemente da qualidade do terreno: destes era-lhes concedida uma pequena parcela de sessenta pés de frente e noventa pés de fundo numa cidade, sendo o resto no campo. Ver Moore, Viagem à Geórgia, p. 7.

** O meu autor concorda aqui com Sydenham, que observa que a água é neste momento a bebida comum à maior parte da humanidade: que são mais felizes na sua pobreza do que nós somos com todos os nossos luxos e abundâncias. Isto é confirmado pelas muitas doenças que nos afligem; para além das lesões causadas à mente por devanear muito e sugerir pensamentos vãos e ociosos em vez de raciocínios sólidos, fazendo de nós tolos e bobos em vez de homens sensatos. Ver terceira edição, p. 492. – E a história universal garante-nos que todas aquelas nações que usam apenas água como bebida normal são notáveis em termos de saúde, força física e longa vida. E Kolben observa que os Hotentotes, que não bebem vinho nem licores fortes, vivem muito tempo e não sofrem de grandes doenças, enquanto que aqueles que bebem licores fortes encurtam a vida e vêem-se atingidos por doenças que dantes lhes eram desconhecidas. Ver

a presente situação no Cabo da Boa Esperança, Volume I, p. 48. – Também era esta a feliz situação dos índios do continente da América do Norte até os europeus lhes levarem bebidas espirituosas que quase destruíram várias dessas nações, embora eles se tivessem queixado aos governadores ingleses, instando-os a que não permitissem que esses licores lhes fossem enviados; mas sem sucesso, pois a ruína e a destruição de milhares pouco importa aos homens malvados e avarentos se puderem lucrar alguma coisa com isso. – Ver também Douglas sobre a situação dos povoamentos britânicos

homens, porque tinham poucos desejos e se contentavam com uma dieta simples e saudável.***

A nossa principal ocupação consiste no cultivo das terras e na economia doméstica e a guardar os nossos rebanhos e gados: um trabalho do mais inocente e útil, direi mesmo o mais indispensá- vel de todos; e que só por si fornece abundância à vida e felicidade a toda a gente. E algumas das nossas horas de lazer são passadas em vários ofícios mecânicos, como carpinteiros, torneiros e afins, em que muitos dos nossos conterrâneos são muito hábeis; e o resto do tempo dedicamo-lo a educar os nossos filhos e as nossas próprias mentes. As mulheres ocupam-se dos assuntos da casa, da leitaria e dos galináceos, e fiam o algodão, o linho e a lã. E cada criança trabalha conforme a sua idade e as suas forças, porque ninguém pode ficar ocioso.

Mas não me compreendam mal, como se estivéssemos continuamente num trabalho árduo e cansativo: não, não há necessidade disso, porque tudo aquilo de que precisamos e é conveniente para a vida é fácil de obter.****

Tradução de Luísa Feijó. Revisão da tradução de Jorge Bastos da Silva.

*** Rollin comenta com toda a justiça que não há ofício que se compare à agricultura, da qual a própria vida depende e que só a depravação das nossas maneiras pode achar desprezível. Embora o ouro e a prata possam ser destruídos, embora dia- mantes e pérolas possam permanecer escondidos na terra e no mar, embora o comércio com outras nações possa ser proibi- do, embora todas as artes que não têm outro objetivo que não seja a beleza e o esplendor possam ser abolidas, a agricultura e o trabalho da terra, com poucas outras atividades necessárias, fornecem-nos todas as coisas de que carecem a subsistência, o bem-estar e a felicidade da humanidade. Em tempos antigos eram altamente estimadas; e entre os Assírios e os Persas eram recompensados os governadores em cuja jurisdição as terras eram bem cultivadas, sendo punidos aqueles que desprezavam esta parte dos seus deveres. E em Roma, ao longo de várias épocas, os senadores cultivavam os seus terrenos com as próprias mãos, e os cônsules e ditadores eram muitas vezes chamados quando aravam os seus campos. Ver a sua História Antiga, Volume

X, sobre a agricultura.

**** O caráter que Salmon atribui aos habitantes de Santa Helena, tais como os encontrou em 1701, parece-se em certos aspetos com o dos Cessares. Mas, como há trezentos ou quatrocentos soldados que residem normalmente na ilha, e como os navios das Índias Orientais ali aportam frequentemente, a sua virtude e inocência devem estar gravemente corrompidas. – Eles eram, diz Salmon, de uma tez fresca e rubicunda e de uma constituição robusta, dedicando-se aos saudáveis exercícios da jardinagem e da economia doméstica; e pareciam-me ser o povo mais honesto, inofensivo e hospitaleiro que eu encontrei. Perguntei a alguns deles se não tinham curiosidade de ver o resto do mundo do qual tinham ouvido dizer coisas tão belas, e como podiam contentar-se vivendo confinados numa ilha que mal chegava às vinte e uma milhas de perímetro, separados do resto da humanidade. – Ao que eles me responderam que gozavam de todas as necessidades da vida em abundância, que não os afligia o calor excessivo nem o frio terrível, que viviam em perfeita segurança, sem risco de inimigos, ladrões ou animais selvagens, que não tinham estações rigoro- sas e que viviam felizes e em boa saúde constante. – Que, como não havia gente rica entre eles, raro era aquele que possuía mais de mil dólares (ou duzentas e vinte e cinco libras esterlinas), não havia pobres na ilha, já que ninguém possuía menos de quatrocentos dólares (ou noventa libras); e que ninguém era obrigado a trabalhar mais do que o necessário para se manter de boa saúde. – Que, se tivessem de se mudar para outras terras, compreendiam que as suas pequenas fortunas certamente não os poriam ao abrigo de necessidades, além de que ficariam expostos a inúmeros perigos e problemas, dos quais não conheciam nada, só tendo ouvido falar deles a alguns conterrâneos.

As Viagens de

Hildebrand Bowman

(1778)

[The Travels of Hildebrand Bowman]

John Elliot

(1759-1834)

Apresentando uma sequência de lugares imaginários, alguns deles com nomes que aludem à experiên- cia sensorial (Olfactaria, Auditante – estamos, afinal, na época do empirismo filosófico), as viagens de Hildebrand Bowman narram as andanças do protagonista pela terra australis já não totalmente

incognita (o texto refere as viagens de James Cook), num registo que combina o modelo da robinsonada com reminiscências de As Viagens de Gulliver: deparam-se-nos pigmeus e homens com aparência de porcos, povos de audição ou olfacto supinamente apurados, o envolvimento do viajante em guerras locais, etc., sendo o relato pontuado por apontamentos críticos de costumes e da política britânica e internacional. Desamparado em terras desconhecidas (o primeiro excerto abaixo refere-se a lugares na Nova Zelândia, o segundo a lugares imaginários), Bowman refere com insistência a comida que en- contra, de peixes e moluscos a frutos, na sua angústia da sobrevivência; e não falta um episódio muito vivo de canibalismo, que suscita ao herói reflexões porventura surpreendentes, uma vez que pondera a hipótese de, tivesse acaso nascido naquela parte do mundo, não lhe repugnar a antropofagia.

Descrita no capítulo VI, a ilha de Bonhommica – quer dizer, dos homens bons –, com a sua capital na cidade de Ludorow, é a eutopia por excelência desta obra. Os bonhommicanos são um povo co- rajoso, cuja bravura se exprime apenas no serviço da pátria. São trabalhadores, modestos, avessos a vícios como o do jogo e o da luxúria, cumpridores das promessas que fazem. São fisicamente atraen- tes e possuem seis sentidos; o sexto é a consciência moral, muito reforçada pela educação. Praticam o comércio com entusiasmo, através de feitorias como a de Miro-volante, mencionada abaixo. A terra produz cereais, azeite, fruta, legumes, e têm ainda gado e animais de quinta. Não existem mendigos.

Os Bonhommicanos regem-se por uma monarquia constitucional, ao presente encabeçada por uma rainha de nome Tudorina – alusão à saudosa Isabel I. Bonhommica forma um contraste com o país de Luxo-volupto, governado pelo rei Gorgeris, isto é, Jorge III, monarca da Grã-Bretanha à época da escrita da obra. Sendo moralmente mais relaxados, os costumes dos luxo-voluptanos assemelham-se aos dos britânicos, mais do que aos de Bonhommica. No final da obra, em jeito de balanço, o narrador declara-se determinado a contrair amizades apenas com pessoas que sigam a conduta virtuosa dos bonhommicanos. As Viagens de Hildebrand Bowman são, assim, uma história de fantasia, mas também de sátira e de instrução.

E Se...? Narrativas Especulativas Sobre Alimentação e Sociedade – Uma Antologia Série Alimentopia

O navio foi primeiro para East Bay; mas como ali não havia em quantidade aquilo de que necessi- távamos, rumámos para Grass Cove, onde havia tudo em abundância. Enquanto os homens tra- balhavam a recolher as coisas, eu entrei na floresta para ver se encontrava alguma caça; sem ter a mínima suspeita de um ataque dos nativos. A minha sorte acabou por me afastar mais do que eu tencionava dos nossos homens; e fiquei muito alarmado quando ouvi, vindo do lado do navio, um tiro de mosquete. Corri imediatamente a toda a velocidade para lhes prestar assistência, mas antes de chegar a metade do caminho os disparos cessaram; e ouviu-se uma gritaria medonha que só podia provir dos selvagens e que não parecia de desespero, mas sim de vitória. Isto pôs fim à minha corrida e fez com que a autopreservação se tornasse um dever necessário. Avancei, pois, com cautela em direção ao lugar, resolvido, se possível, a não ser visto, mantendo-me a coberto das árvores enquanto explorava o cenário da ação. Mas, oh meu Deus! Que espetáculo horrendo se me deparou! Todos os nossos homens jaziam mortos, rodeados por algumas centenas de selva- gens de ambos os sexos e de todas as idades. A princípio, senti-me tentado a disparar para o meio deles, mas, pensando que se o fizesse eles viriam procurar-me e seria impossível escapar, refreei o meu ressentimento; mas continuei no meu lugar de vigia para observar as suas ações. Contudo, como relatar o festim medonho que foi preparado para aquela multidão? A fogueira foi atiçada e os membros cortados dos meus pobres patrícios e camaradas marinheiros foram postos a cozer para o repasto contranatura daqueles selvagens; houve mesmo partes que eu vi serem devoradas. Não consegui aguentar mais, o horror apoderou-se de mim! Tremia como varas verdes e quase não consegui refugiar-me na floresta. Andei por ali vacilando, sem saber o que fazia nem o que devia fazer, exceto pôr distância entre mim e aqueles vis canibais.

Gradualmente fui recuperando a minha força e o meu espírito, mas ainda em grande excitação avancei a toda a pressa, com o ouvido atento ao menor ruído feito pelo vento entre as árvores e a olhar muitas vezes para trás para ver se estaria a ser perseguido.

Quando me afastei umas quatro ou cinco milhas daquele lugar fatal, pus-me a analisar como regressaria ao Adventure. Tendo saído do navio por água, tinha dado pouca atenção à margem e a pressa com que tinha fugido para a floresta, juntamente com a espessura do bosque, deixou-me completamente perdido, sem qualquer noção de para onde dirigir os meus passos.

Após refletir durante algum tempo sobre o rumo a tomar, enquanto descansava um pouco, a necessidade de encontrar o navio decidiu-me a seguir uma linha (não havia estradas nem cami- nhos) que me parecia a que mais provavelmente me levaria a Charlotte Sound. Fi-lo com menos pressa e mais compostura do que anteriormente, mas com o coração muito pesado, considerando o perigo dos selvagens, a incerteza de encontrar o navio e a falta da necessária subsistência na- quele triste deserto. Tendo obedecido a esta resolução por várias horas e muito cansado, a noite caiu; o que chamou a minha atenção para como passar a noite a salvo dos animais selvagens (se é que os havia) ou de homens ainda mais selvagens. Não tardei a descobrir uma solução, uma árvore surgiu-me pela frente com ramos grossos que prometiam, pelo menos, proteger-me dos