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[A Week in the Future]

Catherine Helen Spence

(1825-1910)

Nascida na Escócia, Catherine Helen Spence mudou-se aos catorze anos com a família para a Austrália, onde se destacou na vida pública como paladina da reforma social e política, defensora dos direitos das mulheres e pioneira na assistência a órfãos e crianças negligenciadas. Aclamada como uma das mulheres australianas mais notáveis de sempre, esta professora, jornalista, polí- tica e sufragista foi uma prolífica autora de romances, poemas, ensaios, artigos de periódicos e palestras públicas, proferidas quer na Austrália, quer nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Suíça.

Publicado em fascículos em The Centennial Magazine: An Australian Monthly, de dezembro, de dezembro de 1888 a julho de 1889, o texto Uma Semana no Futuro conheceu a primeira edição em livro apenas em 1987, o ano anterior àquele em que decorre a ação. Esta narrativa especulativa descreve uma Londres utópica no ano de 1988, acompanhando a narradora autodiegética ao lon- go de uma semana, visto que a protagonista – Emily Bethel, uma mulher de meia-idade, afetada por um problema cardíaco e desenganada pelo médico – opta por trocar um ano da sua vida em Adelaide, na Austrália, pela experiência de viver uma semana no futuro, cem anos mais tarde, na capital do Império, de forma a contactar com as novas gerações e as novas realizações. Para tal, e de acordo com a introdução explanada no primeiro capítulo, o Dr. Brown dá-lhe a beber a mandrágora que lhe provoca o transe e a transporta para o futuro, no qual se mantém idosa, mas em boa forma física e mental. Os restantes sete capítulos, correspondendo a cada dia da semana, versam uma temática específica: casas associadas, produção e distribuição cooperativa, infância e educação, casamento e relação entre os sexos, governo e leis, literatura e arte, e, associado ao domingo, religião e moral. Dando conta dos preceitos de Owen e Fourier, a sociedade próspera do futuro é regida pela cooperação e pelo bem-estar da comunidade. No que toca à alimentação, esta é variada, se bem que o consumo de carne seja diminuto e preterido em prol da dieta à base de legumes e fruta. A boa organização social reflete-se nos hábitos alimentares, a comida é abun- dante, e tanto as crianças como os trabalhadores do futuro têm um regime dietético muito mais saudável do que o seguido no século XIX.

Iolanda Ramos

CAPÍTULO XXII

[...] – Uma causa muito importante da pobreza de antigamente era o desbaratar de mão de obra e de materiais que resultava das limpezas e da cozinha domésticas, assim como da execução indivi- dual de inúmeras outras tarefas às quais nós aplicamos o plano cooperativo. [...]

E Se...? Narrativas Especulativas Sobre Alimentação e Sociedade – Uma Antologia Série Alimentopia

— Em regra as famílias sentam-se juntas às refeições. [...]

Comparei a mesa, à qual se sentavam umas setenta pessoas, com uma mesa numa table d’hô-

te, ou num grande navio de cruzeiro. As instalações eram boas sem serem luxuosas. A toalha e os guardanapos eram toleravelmente finos e de uma brancura deslumbrante. Roupa, vidros, serviço, facas, garfos e colheres, tudo ostentava a marca Casa Owen e podia ser substituído se se partisse ou estragasse. As vinte famílias da classe média do século XIX teriam, pelo menos, dois conjuntos em porcelana e faiança, assim como, relativamente aos copos e aos artigos mais caros, um número extra para fins de hospitalidade. Deste modo, havia uma grande poupança em relação às despesas e gastos das vinte famílias. A comida era abundante e excelentemente confe- cionada e servida, mas havia muito menos carne na mesa do que aquilo que eu estava habituado a ver. Três das famílias eram absolutamente vegetarianas, mas, independentemente desse facto, a dieta de legumes ocupava um lugar muito maior na alimentação, agora que todas as classes viviam do mesmo modo e que se previa que a Inglaterra providenciasse o sustento de toda a sua população. As sopas, feitas sobretudo com legumes secos, uma profusão de hortaliça crua e co- zinhada – alguma que me era conhecida, mas outra completamente nova –, saladas, sobremesas e pastelaria ligeiras, bem como uma grande quantidade de fruta, juntamente com pão branco e castanho à discretion compunham o jantar, que muito apreciei. Havia muita gente que bebia água, mas alguns bebiam cerveja leve e vinho com o jantar. Disseram-me que estes pagavam um pouco mais e os vegetarianos um pouco menos em relação ao contributo médio para as despesas domés- ticas. Quatro criados muito competentes – dois homens e duas mulheres – serviam à mesa. As crianças tinham jantado meia hora antes, na sala de jantar que lhes estava destinada. A refeição durou cerca de quarenta minutos ou três quartos de hora no meio de conversas muito animadas – sobretudo entre cada uma das famílias, mas, ocasionalmente, também mais generalizada. [...]

O Sr. Oliphant era, nessa altura, membro do comité da Casa Owen e mostrou-me toda a pro- priedade. Primeiro fomos à cozinha, com o seu maravilhoso fogão e a lareira central que aquecia suficientemente todo o edifício a um custo muito reduzido para cada família, mesmo no inverno. A mesma poupança caraterizava a iluminação elétrica do estabelecimento. O saneamento era perfeito e, em consequência, a saúde da pequena comunidade era, em geral, excelente.

Os bens essenciais eram fornecidos por lojas cooperativas, as quais, por seu turno, estavam ligadas a quintas e a fábricas cooperativas. [...] A Casa Owen cultivava toda a fruta e legumes que consumia e o jardim também lhe fornecia o mel. Os restos da horta e da casa alimentavam os porcos e a capoeira, mas o leite era comprado, assim como os outros lacticínios, o pão, a carne, a mercearia em geral e a cerveja e o vinho eram adquiridos nas lojas cooperativas de que a Casa era membro. [...]

A refeição da noite foi anunciada antes de eu conseguir absorver tudo o que queria acerca da Casa Associada e do seu funcionamento. A ceia, como lhe chamavam, era diferente do jantar, pois na mesa não havia carne nem sequer peixe. Havia chá, café e cacau – uma bebida muito recente apadrinhada pelos vegetarianos – pão, manteiga, compotas, doces leves, saladas e grande abun- dância de fruta. Só comiam carne uma vez por dia, mesmo aqueles que não eram vegetarianos, mas os melhores substitutos vegetais do tipo feijão ou grão eram largamente consumidos, espe-

CAPÍTULO II

SEGUNDA-FEIRA Casas Associadas [...] — E como fazem com os criados? — perguntei.

— O serviço nesta e nas outras casas é feito por contrato. Os homens e as mulheres que zelam pelo conforto diário nas nossas vidas são tão independentes e respeitados quanto aqueles a quem servem.

[...] A nossa agradável conversa foi interrompida neste ponto pelo som estridente de uma cam- painha elétrica.

— É a chamada para o jantar — disse ela —, é meio dia e meia. — Chamam jantar à vossa refeição do meio dia e não almoço? — Claro, porque é jantar.

— Quais são as horas das vossas refeições?

— Pequeno almoço às sete e meia, jantar à uma e ceia às seis e meia são as nossas horas na casa Owen.

— Nem todas as pessoas que estão a trabalhar podem vir comer ao meio dia.

— Alguns dos cavalheiros que trabalham na City comem lá o jantar, mas quase todos nós con- seguimos aparecer para a refeição principal do dia. Vai querer tirar o seu chapéu e a capa e lavar as mãos. Vou tocar para alguém lhe ir mostrar o seu quarto.

— Suponho que não se vestem para o jantar do meio dia?

— Oh, troco esta touca, que serve muito bem para o meu quarto, por uma mais fresca e tiro o avental, é tudo.

— Então vestem-se para a refeição da noite?

— A gente nova pode arrebicar-se um bocadinho, mas nós os velhotes não nos mudamos. [...] Vi, deste lado da casa que dava para as traseiras, uma horta cultivada de uma forma que ultrapassava tudo quanto eu tinha visto ou sonhado. Eram canteiros de hortaliças – sem que se avistasse qualquer erva daninha –, eram árvores de fruta encostadas aos muros e podadas de modo a apanharem o máximo que pudessem do parco sol inglês. Alperces dourados que me lem- bravam a Austrália, pêssegos penugentos, maçãs rosadas, peras que se desfaziam em sumo; toda a tribo das groselhas e outras bagas estava representada, assim como a das framboesas; os mo- rangos, é claro, já tinham acabado, com exceção de uns que pareciam ser uma variedade branca tardia. Devia haver à volta de hectare e meio de terreno nesta parte de trás, para além do jardim que já tinha visto na frente. Estavam construídos no local mais favorável um grande coberto e uma estufa de modo a que as flores e os frutos exóticos pudessem ser cultivados, tal como as vul- gares variedades inglesas. Este pomar e esta horta pareciam estar a cargo de três jardineiros que, como eu vi, vestiram os casacos e foram jantar, provavelmente nos respetivos Lares Associados. [...] Dirigimo-nos para a sala de jantar dos adultos, na qual as crianças não eram admitidas até fazerem catorze anos.

desaparecera porque as necessidades mundiais eram satisfeitas sobretudo com os rápidos bar- cos a vapor construídos em ferro, o mercado para a madeira de construção tornara-se muito limitado e, assim, as espécies produtoras de alimento, como macieiras, pereiras, ameixoeiras e nogueiras, tinham vindo substitui-las. Uma grande instalação leiteira empregava continuamente vários habitantes da Casa Ossulton. Outro contingente estava encarregado dos porcos e das aves de capoeira que existiam em proporções muito maiores do que nas velhas quintas capitalistas. A criação destas aves tornou-se, de facto, um empreendimento científico e era perfeitamente possível que cada cidadão tivesse uma galinha na panela aos domingos, segundo o generoso, mas pouco eficaz desejo de Henri Quatre. Até as colmeias da quinta contribuíam consideravelmente para os fundos comuns. Os ovos, a manteiga ou o queijo já não vinham do estrangeiro, e de fruta apenas a pouca que o clima inglês não conseguisse produzir. [...]

Estes trabalhadores já não viviam em casebres frios e húmidos nem tinham falta de comida nem de roupa que os agasalhasse contra as mudanças climáticas. Não só tinha havido progressos consideráveis na dieta do trabalhador agrícola em Inglaterra, como o lavrador americano e o agricultor australiano não tinham uma dieta tão boa nem tão variada, nem nada que se parecesse com o conforto alimentar de que gozavam estes agricultores cooperativos. O serviço era todo feito por membros da casa e exclusivamente por mulheres. [...]

A cerveja caseira era excelente, leve e deliciosamente fresca, feita com malte e lúpulo cultiva- dos na quinta. Havia também cidra para quem a preferisse. Encontrei menos abstémios na Casa Ossulton do que na Casa Owen, mas talvez isto se devesse ao facto de ser época de colheitas. A comida não era tão delicada, mas era particularmente boa. [...]

Tradução de Luísa Feijó. Revisão da tradução de Iolanda Ramos.

cialmente ao pequeno almoço que, segundo me disseram, era uma refeição mais substancial do que a ceia. Ao pequeno almoço comiam papas de aveia e trigo, lentilhas e outros legumes, com ovos preparados de diferentes maneiras, toucinho e peixe. Nunca na vida comi pão e manteiga mais deliciosos do que na ceia – a única memória que se aproximava era de Paris. Três refeições por dia era a regra da casa. Os inválidos podiam comer com mais frequência, mas considerava- -se que as crianças e os adultos saudáveis ficavam abundantemente alimentados com o pequeno almoço, o jantar e a ceia. Comparei estes repastos com os das pessoas abastadas em Melbourne e achei que, embora diferentes, eram substancialmente tão bons uns quanto os outros; mas, quan- do os comparei com os dos trabalhadores australianos, carne, chá e pão três vezes por dia, percebi que os trabalhadores do futuro tinham um regime dietético muito mais saudável e que, no que tocava às crianças, a quem dei uma espreitadela, não havia comparação. [...]

CAPÍTULO III

TERÇA-FEIRA

Produção e Distribuição Cooperativas

[...] — A maquinaria aligeirava o trabalho em todos os aspetos [...]. Encontravam-se todos os trens de cozinha, panelas para cozer, tabuleiros para assar, tachos de cozer a vapor, instrumentos para pelar, descascar e cortar que tão úteis são quando há que preparar grandes quantidades de comida, mas que não vale a pena comprar para cada casa isolada. O mesmo acontecia em todos os departamentos. Fiquei convicto de que com exceção das artes do têxtil, seis horas de trabalho são tão eficazes agora como dez quando deixámos o mundo.

— O serviço pessoal deve ser muito mais eficiente — disse eu. — A menos que as vossas vinte famílias precisem de muito menos apoio do que antigamente.

— Provavelmente é isso. Aqui ninguém toca a campainha para obrigar uma criada a subir dois andares para lhe dizerem que querem isto ou aquilo e mandá-la descer para ir buscar a tal coisa. Mesmo com o elevador e o telefone, os nossos auxiliares não têm muitas interrupções desse tipo. Todos os serviços necessários no que toca a limpeza da casa, cozinhar e servir as refeições, lava- gem e arrumo de roupas nos são prestados sem termos o trabalho de os ordenar.

— Então nunca ficam desiludidos porque a cozinheira decidiu ir-se embora a correr na véspera de um grande jantar ou porque a rapariga que se ocupa do bebé resolve aceitar à última da hora um trabalho mais bem remunerado.

[...] Havia campos de ervilhas e favas que não eram exclusivamente para as rações dos cava- los como antigamente. O bem-estar da comunidade beneficiava grandemente da utilização de produtos, dantes desprezados como alimento humano. Eram produzidos legumes para venda assim como para fornecer com abundância a todos quantos trabalhavam na quinta. Plantavam-se árvores de fruta como abrigo onde eu me habituara a ver filas de abetos ou de outras espécies florestais. Agora que as artes da construção tinham colapsado e a construção naval também

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