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O processo de participação social é considerado diverso, pela forma como se opera, pelo tipo de governo exercido em cada país, pela cultura da nação, entre outros, fazendo com que a atuação de seus cidadãos nem sempre ocorra na proporção que se espera de uma democracia participativa. O que não se pode negar é que as pessoas sempre lutaram para participar na arena de discussão da esfera Pública.

Segundo Moroni (2005), além da igualdade e da liberdade, o interesse de participação social sempre se fez presente nas lutas da sociedade nas suas mais diferentes formas e períodos da história. O autor conceitua o termo participar, no sentido de “incidir politicamente nas questões que dizem respeito à vida concreta das pessoas, mas também, nos processos de tomada de decisão do Estado e dos governos, o que, por sua vez, afeta sempre de uma forma ou outra a vida concreta das pessoas” (MORONI, 2005, p.285).

Na perspectiva de Moroni (2005), existem duas dimensões fundamentais interligadas que integram permanentemente o instituto da participação: a dimensão política e a dimensão pedagógica. A primeira traz o sentido de partilha de poder. É o reconhecimento, pelo cidadão, de seu direito de intervir de maneira permanente nas decisões. A segunda dimensão é a que realmente interfere e/ou altera a cultura de um povo.

A participação social em sua dimensão pedagógica, segundo Moroni (2005), denota ao modo como os grupos se percebem como cidadãos, como se expressam no espaço público de forma democrática. Torna a participação não como um fim em si mesma, mas como um processo educativo-pedagógico que se desenvolve na expressão de desejos e necessidades, na construção de argumentos, na formulação de propostas, no consenso, na capacidade de ouvir. Nas palavras do autor, trata-se de “uma verdadeira educação republicana para o exercício da

cidadania, que amplia um espaço real, em que a construção dialogada do interesse público passa a ser o objetivo de todos os homens e mulheres. Por isso, participar também é disputar sentidos e significados” (MORONI, 2005, p.288).

Desta forma, a legitimidade de uma democracia que se diz participativa, somente ocorrerá quando houver o reconhecimento de fato e não apenas do direito, por parte do ente estatal, do instituto da participação da coletividade. Entender que a diversidade dos sujeitos, os conflitos e as negociações ampliam o processo democrático. Que a população passe a ser vista como parceira da democracia representativa e não como sua opositora.

Ocorre que o reconhecimento, por parte do poder estatal, que a população é parceira e integrante do processo democrático depende muito do alicerce onde se assenta a democracia de um povo. “As instituições podem ser criadas propositadamente; admite-se, também, que seja possível planejá-las com regras, estruturas, mecanismos, arranjos e sistemas amplos e complexos. A este planejamento dá-se o nome de desenho institucional” (GUIMARÃES, 2014, p.92).

No Brasil, a forma como se tem desenhado a participação social é considerada por Costa e Vieira (2013), como inovadora, pelo menos em termos legais, tendo em vista os mecanismos institucionais para a garantia dos direitos sociais e da proteção social contra os riscos e vulnerabilidades. Esta participação é baseada na democratização e transparência do sistema decisório, uma maior aproximação dos populares no debate das políticas públicas e nas ações estatais, garantindo a ampliação de seus direitos, bem como a execução de ações para atender ao interesse público. Segundo Faria e Ribeiro (2010):

O retorno à democracia no Brasil, no fim do século passado, foi marcado pelo esforço singular de vinculá-la, não só ao aperfeiçoamento das instâncias tradicionais de participação, mas também à ampliação e a institucionalização de novos espaços participativos. A Constituição Federal de 1988 revelou-se, neste sentido, o ponto de partida deste esforço. Como se sabe, a partir daí uma nova legislação participativa foi implementada, viabilizando a abertura e a posterior institucionalização de um conjunto de novos canais de participação. Passadas mais de duas décadas, estas “inovações” vêm se revelando um grande desafio prático e teórico (FARIA; RIBEIRO, 2010, p.57).

Mais uma vez reforça-se, nas bases da Carta Magna, não somente o controle, mas também a garantia da participação mais ativa da população nas instâncias decisórias do Estado. No entanto, para além do texto constitucional o que se busca é a efetividade dessa participação por parte da população.

Tem-se ainda que no Brasil, as mudanças voltadas para a garantia da participação social, ao longo dos anos 1980 esteve mais voltada para disputa de poder público. Nos dias atuais, se voltam para a participação direta de representantes da sociedade na gestão e, com o intuito de

instigar um aumento da eficiência e da efetividade das políticas públicas, se concebe a participação social como ferramenta de gestão, designada como gestão participativa, abrangendo inúmeras formas de participação e articulações intra e/ou intersetoriais (COSTA; VIEIRA, 2013).

No entanto, ainda de acordo com Costa e Vieira (2013), as reais intenções das promessas de participação na gestão com os projetos de reforma do aparelho do Estado, que apontam a descentralização como estratégia de solução para a exclusão social, sinalizam a existência de contradições em função de seu suposto caráter de categoria estratégica e conteúdo normativo de princípios e critérios afeitos à dialética mercadológica. Sabe-se que a participação cidadã está sujeita a responsabilidade e a definição de suas atribuições, de modo a não comprometer a atuação dos governantes. Nas palavras das autoras:

Isso não significa que a participação da sociedade civil deva sofrer qualquer forma de cerceamento no campo das ideias e das inovações e desafios que esses atores encetam no debate público. Na realidade, os limites legais são atinentes a todos aqueles que atuam na esfera pública (COSTA; VIEIRA, 2013, p.266).

Corroborando com as autoras, esse cerceamento, baseado nas limitações estatais, tem sido utilizado para alimentar os mitos institucionais a respeito de participação social. Conforme apontados por Moroni (2005), quatro mitos se difundem para justificar o afastamento da população do processo decisório. Para o primeiro mito, diz-se que: “a participação por si só muda a realidade”. Trata-se de uma tentativa de despolitização da participação social, bem como de enfraquecer o interesse da população em participar de mobilizações e dos espaços de discussão. Ora o que se sabe é que há grupos interessados em que as mudanças não ocorram. São atores que se mobilizam na participação das arenas decisórias para a perpetuação de decisões que, em geral, prejudicam a grande massa da população (MORONI, 2005, p.291).

O segundo mito é pregado no sentido de que “a sociedade não está preparada para participar, como protagonista, das políticas públicas” (MORONI, 2005, p.291). Por si só, pregar esse mito é assumir uma postura extremamente exclusivista e discriminatória. Justifica-se no saber técnico para fazer valer a ação representativa em espaços que poderiam ser ocupados por qualquer cidadão.

Moroni (2005, p.291), aponta como terceiro mito que “a sociedade não pode compartilhar da governabilidade”. Para justificar esse conceito, há uma forte afirmação à teoria representativa, onde a participação dos cidadãos se restringiria apenas ao voto. A partir daí, toda e qualquer decisão estatal seria de responsabilidade dos representantes eleitos, tornando o Estado privado aos interesses e ideologias do partido que vence a eleição.

O quarto e último mito apontado por Moroni (2005, p.291) diz que “a sociedade é vista como elemento que dificulta a tomada de decisão”. A justificativa em defesa desse mito se pauta especialmente na questão tempo, no sentido de que, convidar a sociedade para participar das decisões torna o processo moroso para a tomada de decisão. Este mito traz à baila a discussão de Cardoso Júnior (2011), sobre o Planejamento Governamental no século XX. Para o autor:

Grande parte do século XX, teria predominado o planejamento sem gestão – mal compensado pelo recurso histórico à chamada “administração paralela” – e a busca de objetivos estratégicos sem a devida constituição de aparato administrativo para tal. Por outro lado, a partir da década de 1990, ganharam primazia a gestão e a construção de suas instituições, desprovidas, porém, de sentido ou conteúdo estratégico, isto é, ênfase em racionalização de procedimentos e submissão do planejamento à lógica físico-financeira da gestão orçamentária (CARDOSO JÚNIOR, 2011, p.51)

Dessa forma, ao alegar que a sociedade dificulta a tomada de decisão, nada mais é do que a falta de planejamento estratégico por parte do Estado ao deixar de incluir os prazos necessários de participação social nas discussões políticas e sociais. No mais, verifica-se que esses mitos, somados aos conhecidos problemas brasileiros de práticas patrimonialistas, clientelistas e de corrupção, relegam a participação social e o exercício da democracia apenas ao voto, quando na verdade, um Estado que se diga Democrático, deve proporcionar aos seus cidadãos a participação plena na arena de discussão das políticas públicas.

Após análise dessas duas instâncias relativo ao controle e à participação social, divididos por uma linha tênue entre si, no próximo item verificar-se-á as discussões acerca do processo de Accountability que, conforme dito alhures, irá margear os conceitos de controle social, mas se deterá na responsabilização, tanto por quem responsabiliza, quanto por quem é responsabilizado.