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3 A OUVIDORIA COMO INSTRUMENTO FACILITADOR DA PARTICIPAÇÃO

3.1 Ouvidorias Públicas

A Constituição Federal de 1988 ao compatibilizar princípios da democracia participativa garantiu a participação social como um elemento-chave no controle da ação estatal através de diversos canais, dentre eles a Ouvidoria e, nessa mesma senda, a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) tornou mais palpável a operacionalização do princípio da democracia participativa consagrado na Constituição.

Por sua vez, a LAI, ao criar em seu artigo 9º o Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), a ser desenvolvido em todos os órgãos e entidades do poder público em local e condições apropriadas, estabelece que esses locais servirão para: a) atender e orientar o público quanto ao acesso a informações; b) informar sobre a tramitação de documentos nas suas respectivas unidades; c) protocolizar documentos e requerimentos de acesso a informações. Além disso, haverá a obrigação de realização de audiências ou consultas públicas, com incentivo à participação popular ou a outras formas de divulgação.

Para desenvolver essas atividades a Lei estabelece que cada órgão público deve designar uma autoridade responsável pelo monitoramento e implementação do SIC. Ocorre que, embora não haja previsão legal de que as ouvidorias instaladas nos órgãos devam ser as responsáveis por este serviço, em estudo realizado pela OGU e CGU (2012b; 2017), aponta que na prática, muitas delas vêm assumindo tal responsabilidade. Os mesmos autores que desenvolveram o estudo apresentado pela OGU e CGU esclarecem que a atuação das Ouvidorias públicas:

É diferente da atuação de um serviço de atendimento ao cidadão (SAC), a exemplo dos 0800, Sala do Cidadão, Fale Conosco, Call Center etc., pois tem possibilidade de tratar as manifestações da sociedade com maior acuidade. A ouvidoria não é apenas um instrumento ou mesmo um canal entre o cidadão e a Administração Pública. Trata- se de uma instituição de participação que, juntamente com os conselhos e as conferências, tem o dever de promover a interação equilibrada entre legalidade e legitimidade (OGU; CGU, 2012a, p.7).

Portanto, a ouvidoria pública atua fundamentalmente no processo de interlocução com o cidadão de modo que as manifestações decorrentes do exercício da cidadania provoquem a melhoria dos serviços públicos prestados e tem como finalidade fomentar não apenas a participação popular, mas também instigar a conscientização da população acerca do direito de receber os serviços públicos que são ofertados pelo Estado. Entre as várias ações que se espera de uma unidade de ouvidoria pública, destacam-se:

a) Contribuir para a melhoria do desempenho e da imagem da instituição;

b) Contribuir para o aprimoramento dos serviços prestados e das políticas públicas da instituição;

c) Facilitar ao usuário dos serviços prestados o acesso às informações; d) Viabilizar o bom relacionamento do usuário do serviço com a instituição; e) Proporcionar maior transparência das ações da instituição;

f) Contribuir para o aperfeiçoamento das normas e procedimentos da instituição; g) Incentivar a participação popular na modernização dos processos e procedimentos da instituição;

h) Sensibilizar os dirigentes das unidades da instituição no sentido de aperfeiçoar processos em prol da boa prestação do serviço público; e

i) Incentivar a valorização do elemento humano na instituição (OGU; CGU, 2012a, p.17-18).

Observa-se que dos nove itens destacados acima, três deles tratam do aprimoramento dos serviços públicos. Isto porque não se pode olhar as Ouvidorias como setores opositores do órgão a que pertencem e sim como parceiras da gestão, tendo em vista que qualquer órgão que se diga público deve oferecer seus serviços sempre pensando na satisfação do cidadão. Neste sentido, Marques e Tauchen (2014, p.499), entendem que as Ouvidorias públicas destacam-se pela “capacidade de decodificar os anseios da população trazendo-os para dentro do Estado e, por outro lado, disponibilizando respostas com linguagem de fácil acesso”.

Nessa mesma linha, o Decreto n.º 8.243, de 23 de maio de 2014, define em seu parágrafo 2º, inciso V, uma ouvidoria pública federal como “instância de controle e participação social responsável pelo tratamento das reclamações, solicitações, denúncias, sugestões e elogios relativos às políticas e aos serviços públicos, prestados sob qualquer forma ou regime, com vistas ao aprimoramento da gestão pública”.

Essa obrigatoriedade, estabelecida pela legislação, segundo Silva (2010, p.50), “visa contribuir para o surgimento de uma nova mentalidade na burocracia brasileira, de tal modo que os antigos padrões sejam substituídos por um processo de interação cidadão-estado, no qual o diálogo pudesse conduzir à melhoria dos serviços públicos e à prática da cidadania”.

Afirma ainda que a Ouvidoria pública é a instância mais adequada para operacionalizar a participação dos cidadãos na administração pública e é o canal mais viável para influenciar que os serviços sejam prestados de acordo com as expectativas da sociedade.

Machado e Borges (2017), inferem sobre a linha tênue que separa uma Ouvidoria que é vista como parceira da gestão no sentido de melhorar os serviços prestados de outras que atuam mais como um braço da gestão que atua como um aplacador de tensões, que fatalmente acabará por desvirtuar a finalidade de sua criação. Segundo os autores:

A ouvidoria pública tem obrigação de responder às manifestações dos cidadãos, mesmo que estas impliquem problematizar práticas assentadas pelas instituições questionadas. Isso explicita aquilo que é fundamental para as ouvidorias: a qualidade da resposta. O ouvidor público não pode ser um mero repassador de respostas oficiais, sob o risco de transformar a ouvidoria num órgão aplacador de tensões, ou seja, mais um braço da gestão, como comumente acontece nas ouvidorias privadas (MACHADO; BORGES, 2017, p.365).

Para Fontana e Mezzaroba (2014, p.200), as Ouvidorias públicas, em um primeiro momento desempenhavam um duplo papel “o de servir de meio de participação direta, permitindo o controle social da gestão pública; e o de auxiliar a renovação da sociedade civil, a partir da reconstrução da confiança e do respeito, o que depende da autonomia e da eficiência das ouvidorias públicas”. Ainda segundo os autores, atualmente “as Ouvidorias se sobressaem como um dos principais canais de comunicação entre o Estado e o cidadão, quer mediando, opinando, dando sugestões, ou até mesmo fazendo o controle dos atos de gestão” (FONTANA; MEZZAROBA, 2014, p.200).

Ainda no que se refere à ouvidoria pública, Lyra (2010, p.3), afirma que esta se apresenta “como um autêntico instrumento da democracia participativa à medida que transporta o cidadão comum para o âmbito da administração”. Por sua vez, através da ouvidoria, o cidadão ganha voz ativa, à medida que suas críticas, denúncias ou sugestões são acolhidas pela administração, podendo contribuir para a correção e o aprimoramento dos atos de gestão (LYRA, 2010). De acordo com a OGU e CGU (2012a):

A existência de uma unidade de ouvidoria na estrutura de um órgão público pode estreitar a relação entre a sociedade e o Estado, permitindo que o cidadão participe da gestão pública e realize um controle social sobre as políticas, os serviços e, indiretamente, os servidores públicos. (...) A ouvidoria deve funcionar como um agente promotor de mudanças, favorecendo uma gestão flexível e voltada para a satisfação das necessidades do cidadão, garantindo uma prestação de serviços públicos de qualidade, de forma a garantir direitos. (...) Na ouvidoria, a análise das manifestações recebidas pode servir de base para informar ao dirigente do órgão sobre a existência de problemas e, como consequência, induzir mudanças estruturais e, mesmo, melhorias conjunturais (OGU; CGU, 2012a, p.7).

Um dos pontos de convergência nos estudos que tratam de Ouvidorias públicas na perspectiva da democracia participativa é o seu potencial para estabelecer laços mais próximos entre o Estado e a sociedade civil. Para garantia desse viés é de suma importância a autonomia

de atuação dessa instância participativa, não como um braço da gestão como dito acima e nem como sua opositora, mas como colaboradora da gestão seja no momento de demonstrar as falhas para que se corrijam os rumos, seja para reafirmar seus atos para manter um padrão de qualidade nos serviços oferecidos. Atua no sentido de permitir e instigar o envolvimento regular e contínuo dos cidadãos de forma individual ou coletiva com a administração pública.

Sendo uma instituição política algumas formas de valores, preconceitos e formas de discurso, podem atuar como um limitador ou empecilho para a efetiva participação social. No entanto, não se pode esquecer que o “o âmbito público se estende, e passa a ser assunto de todos, e não somente do governo. A relação entre o Estado e a Sociedade, passa ser menos vertical, e mais horizontalizada” (QUINTÃO, 2014, p.288). Ainda segundo o autor, a qualidade das instituições participativas dependerá essencialmente do seu desenho institucional, do contexto político onde estão inseridas e do senso de responsabilização da sociedade civil, mas especialmente, da vontade política dos governantes em implementar a participação.

Para a OGU e CGU (2012a), o efetivo funcionamento das ouvidorias depende, cada vez mais, de sua integração sistêmica, sendo necessário que elas se relacionem de forma colaborativa, mas não-hierárquica, realizando ações continuadas e em rede, de forma presencial e/ou virtual, independentemente da localização física, com o intuito de compartilhar conhecimentos, aprender e gerar inovações no trabalho das ouvidorias.

Ocorre que a troca de informações sobre conceitos, fluxos, procedimentos, normas, experiências e relações internas e externas proporcionam um crescimento mútuo das ouvidorias numa teia de relações onde todas ganham e isso se tornou possível a partir da implantação do sistema informatizado implantado e gerenciado pela CGU através da OGU, denominado e- OUV (Sistema de Ouvidorias do Poder Executivo Federal), onde todos os órgãos da administração pública podem aderir ao programa, permitindo ao órgão parceiro utilizar o e- OUV.

O Sistema de Ouvidorias do Poder Executivo Federal é o meio preferencial de acesso através do qual é possível registrar uma manifestação, consultar o andamento das solicitações e ter acesso à resposta, permite ainda o encaminhamento de manifestações a diversos órgãos da administração pública que também utilizem o programa, no caso de demandas que não competem ao órgão ou que tenham sido enviadas equivocadamente, além do mais está disponível initerruptamente.

Quanto à finalidade de uma unidade de Ouvidoria Pública além do que já foi mencionado, a OGU e CGU (2012a) entendem que elas são instâncias potenciais na contribuição para a formulação de políticas públicas, uma vez que ela auxilia na identificação

de pontos a serem aprimorados ou mesmo podem identificar políticas a serem descontinuadas por sua ineficácia. Dessa forma, pode-se afirmar que a sobrevivência das organizações está intimamente relacionada à sua capacidade de adaptação e flexibilidade às demandas que lhe são apresentadas especialmente por aqueles que usufruem dos serviços prestados. Relativo às diretrizes para o funcionamento de uma unidade de Ouvidoria, a OGU e CGU orientam que devem observar:

a) Zelo pela celeridade e qualidade das respostas às demandas dos seus usuários; b) A objetividade e a imparcialidade no tratamento das informações, sugestões, reclamações e denúncias recebidas de seus usuários;

c) A gratuidade de suas atividades e serviços;

d) A preservação da identidade dos seus usuários, quando por eles solicitada expressamente;

e) A pessoalidade e a informalidade das relações estabelecidas com seus usuários; f) A defesa da ética e da transparência nas relações entre a Administração Publica e os cidadãos;

g) A transparência e a moralidade da atuação dos órgãos e entidades públicas; h) A atuação coordenada, integrada e horizontal entre as unidades de ouvidoria; i) O aprofundamento do exercício da cidadania dentro e fora da Administração Pública (OGU; CGU, 2013b, p.38).

Ao exercer seu papel de porta-voz do cidadão na organização, o ouvidor tem revelado ser um importante instrumento de interação entre o órgão e a sociedade, aliado na defesa dos direitos do usuário, na busca de soluções de conflitos extrajudiciais e colaborador eficaz dos programas de qualidade implantados nas organizações. Quanto à figura do Ouvidor, a OGU e CGU (2012a) inferem que:

Entidades públicas vêm dotando o ouvidor de uma sensibilidade na captação de problemas, encaminhamento de sugestões e livre acesso entre os diversos setores da organização na busca de soluções, contribuindo para o aperfeiçoamento do atendimento e valorização do cidadão. O ouvidor atua também em defesa da administração, procurando subsidiar o atendimento de reivindicações de funcionários, exercendo um controle preventivo e corretivo de arbitrariedades ou de negligências, de problemas interpessoais ou, ainda, de abuso de poder das chefias (OGU; CGU, 2012a, p.12)

Voltando à questão política, o ouvidor independente de ser nomeado pelo gestor da instituição, por órgão colegiado ou outra modalidade, deverá atuar em várias frentes. Para isso é necessário que tenha ampla capacidade de mediação na resolução de conflitos, negociação, empatia, acolhimento entre outros atributos que facilitem a atuação da ouvidoria e, logicamente obtenham as informações necessárias para responder às demandas que lhe chegam. Deve ainda ter um olhar sistêmico para visualizar possíveis problemas ou oportunidades futuras para a instituição a que pertence.

É interessante pensar também no acesso que o Ouvidor tem às diversas demandas recebidas tanto pela comunidade interna quanto externa. Nessa senda, a OGU e CGU (2013b), chamam a atenção que o Ouvidor não pode ser obrigado a testemunhar ou levantar documentos

em processos judiciais. Isso também evita que o Ouvidor dispenda recursos em defesas processuais, além do tempo requerido para comparecimento em tribunais. Na realidade o que mais se requer de um Ouvidor é a sua discrição especialmente nos processos em que o demandante solicite sigilo e mesmo em situações que o próprio Ouvidor perceba a necessidade de o processo receber o caráter sigiloso.

Esta nova forma de olhar as Ouvidorias coaduna com o conceito que vem sendo difundido pela Ouvidoria Geral da União relativo às Ouvidorias Ativas, adicionalmente às competências próprias de uma unidade de Ouvidoria:

É incumbida de executar processos de relacionamento com os cidadãos, especialmente os usuários dos serviços e atividades do órgão/entidade a que pertencem, com o objetivo de promover a maior participação e controle da comunidade na avaliação do desempenho institucional e na proposição de diretrizes para a sua atuação. Essa ouvidoria é assim denominada pela natureza proativa de suas atividades: não apenas recebe demandas dos cidadãos e atua sobre elas, mas se incumbe de identificar e levantar informações junto aos cidadãos para subsidiar as decisões da alta direção do órgão/entidade quanto às melhorias e inovações que podem ser implementadas (OGU; CGU, 2013b, p.14).

Observa-se que a natureza proativa da Ouvidoria tem como objetivo instigar os cidadãos a participarem mais ativamente das políticas públicas. Trata-se de uma forma mais inclusiva de participação que trará resultados mais próximos daquilo que se espera de uma política, tendo em vista que a opinião a respeito de seu funcionamento virá dos próprios usuários. Esta forma de ação coaduna com os estudos que tratam da formulação de políticas públicas caracterizadas no original como bottom-up, ou conforme Avritzer (2008), de baixo para cima, justamente por enfatizar a participação dos grupos alvo em vez do tipo top-down, quando a política é formulada pelo Estado sem a participação efetiva da comunidade.

Desta forma, com base nas variações decorrentes do desenho institucional que pode incidir sobre uma Ouvidoria, a autonomia que lhe é concedida, os limites da atuação do ouvidor, as formas de acesso entre outros, são aspectos pelos quais é possível afirmar que seu desenho influenciará na aproximação ou não da comunidade, tornando-a mais ou menos inclusiva.