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Em termos gerais e levando em conta o que expressaram vários pensadores, o controle social pode ser abordado sob diferentes pontos de vista. No decorrer dos tempos e até chegar nas sociedades modernas e contemporâneas, essa discussão permeia dois extremos: uma sob o controle que o Estado (entendido como Poder) exerce sobre os cidadãos e a outra, ao controle que os cidadãos (entendida como sociedade em geral) exercem sobre o Estado (SILVA; FERREIRA; BARROS, 2008).

Tem-se em princípio, a partir dos séculos XVII e XVIII, quando surgiu o interesse em investigar a origem do Estado, ser este entendido como ente legalmente constituído para exercer o poder sobre a sociedade. Para Thomas Hobbes, o controle social é exclusivo do Estado absoluto – sem qualquer controle externo – sobre os membros da sociedade, tornando-os subservientes. Neste sentido há o estabelecimento do contrato social, em que a sociedade entrega parte de seus direitos ao Estado e este se legitima como possuidor de plenos poderes

para governar a mesma sociedade que lhe outorgou tal poder (SILVA; FERREIRA; BARROS, 2008).

Já no entendimento de John Löcke, verifica-se uma limitação do poder estatal, tendo-se aí o início do controle social sobre o poder político do Estado, no sentido de restringir sua ação à garantia dos direitos naturais do indivíduo à propriedade, à vida e à liberdade através da vigilância ao cumprimento das leis. Observa-se ainda em Löcke que a limitação do poder se dava a partir do momento em que a sociedade conservaria ou destituiria seus representantes a depender do desempenho destes na defesa da propriedade (SILVA; FERREIRA; BARROS, 2008).

Com o fito de salvaguardar os direitos civis e limitar o uso arbitrário do poder, Montesquieu defende a separação do poder estatal nas funções a serem desempenhadas pelo Executivo, Legislativo e Judiciário. No entanto essa divisão só seria possível em governos republicanos onde os representantes seriam eleitos pelo povo (FUENTES, 2011).

Alexis de Tocqueville, considerava que a proximidade entre os governantes e seus governados, em um ambiente com descentralização da autoridade política, permitiria um maior controle daqueles sobre as decisões destes. Dizia que a igualdade seria a principal característica da democracia. Uma democracia que seria construída a partir das peculiaridades e características particulares definidas especialmente pelas ações da sociedade civil (ARRETCHE, 2006).

Na perspectiva de Rousseau, o controle social é exercido pelo povo sobre o Estado, para a garantia da soberania popular, defendendo que o ideal da democracia participativa é que anima o difícil e complexo desafio do controle social. Já para Marx, o controle social (entendido dentro da ordem do Estado burguês), é exercido com controle exclusivo do Estado sobre os interesses da sociedade, com o objetivo de garantir a aceitação da ordem do capital e de sua reprodução. E finalmente, para Gramsci, o controle social seria movido pela contraditoriedade presente na sociedade, alternando entre a classe dominante, e as classes subalternas, a sobrevir da coexistência de forças entre essas (MONTÃNO; DURIGUETO, 2010).

Dentre as ideologias citadas relativas ao Estado, a que mais se aproxima da presente proposta é o pensamento desenvolvido por Antônio Gramsci, a partir da concepção de “socialização da política”, que é resultante da presença de organizações, tanto dos trabalhadores quanto do capital no cenário do capitalismo desenvolvido culminando em uma complexificação das relações de poder, que fazem emergir uma nova dimensão da vida social, denominada pelo autor como “sociedade civil” (MONTÃNO; DURIGUETO, 2010).

Essa nova esfera seria o espaço em que se manifestam a organização e a representação dos interesses dos diferentes grupos sociais, na elaboração e/ou difusão de valores, cultura e ideologias. Com o envolvimento da sociedade na política, o Estado se amplia, incorporando novas funções, e incluindo no seu seio o pleito das classes. Ocorre que, mesmo o Estado (ampliado ou integral), preservando a função de coerção (sociedade política), também incorpora a esfera da sociedade civil (cuja função é o consenso) (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010).

Dessa forma, Gramsci traz à tona uma nova concepção de poder, onde o Estado é formado pela junção da sociedade política com a sociedade civil, excluindo a dominação pura da burguesia e incluindo a hegemonia baseada num certo consenso e aceitação dos setores subalternos. O Estado ampliado torna-se o espaço onde se confrontam os diversos projetos de sociedade, incorporando as lutas de classe na esfera estatal.

Na perspectiva brasileira, vários autores vêm trabalhando o termo controle social associado às políticas sociais. Pereira (2009), ao afirmar que apesar do Estado ser dotado de poder coercitivo, mesmo assim pode realizar ações protetoras, desde que seja pressionado e controlado pelos membros da sociedade. Ainda diz que esse poder do Estado representa a força concentrada e organizada da sociedade com vistas a regular a sociedade em seu conjunto.

Bravo e Correia (2012), afirmam que no Brasil, a expressão controle social tem sido utilizada como sinônimo de controle da sociedade civil sobre as ações do Estado, na área das políticas sociais, a partir do período de redemocratização nos anos de 1980. A utilização da expressão se desenvolveu e ganhou notoriedade em meio às lutas políticas que deram início à democratização do país frente ao Estado autoritário, implantado a partir da ditadura militar, período de intenso controle e dominação do Estado sobre a sociedade. Nesta senda, a defesa do exercício do controle pela sociedade acabou por propiciar a consolidação do capitalismo monopolista, em que tanto o comércio quanto a indústria são controlados pelo sistema financeiro exercido por bancos e outras instituições de mesma natureza. Com a redemocratização o processo se inverte e passa a ser compreendido como o controle da sociedade sobre o Estado.

Resultantes do processo de redemocratização do país durante as décadas de 1980-90, o controle social passou a dispor de vários dispositivos legais implantados. Dentre eles pode-se citar a Constituição Federal de 1988, a Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, nominada como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), além da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), entre outros.

A Constituição de 1988 prevê, em vários dos seus artigos, a participação popular nas decisões políticas da nação. Em seu parágrafo único do art. 1º traz o fundamento desta

participação: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”.

A Constituição também é rica em fornecer direitos aos cidadãos de exercer o seu poder de controle sobre o Estado, como os descritos no inciso LXXIII do art. 5º, constantes do título dos Direitos e Garantias Fundamentais, o qual trata do instrumento da ação popular, que pode ser considerado um meio de controle social, pois busca proporcionar ao cidadão solicitar a interrupção de qualquer ato que este considere lesivo ou abusivo ao patrimônio público. Tem- se que:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (BRASIL, 1988).

Além desse, diversos artigos predispõem a participação popular na administração pública: o art. 58, em seus incisos II e IV prevê a participação popular no processo legislativo pelas audiências públicas e contestações contra órgãos ou autoridades públicas. Aditivamente, tem- se o art. 61 que em seu §2º prevê a iniciativa popular para a produção das leis; o §2º do art. 74 possibilita a provocação do Tribunal de Contas da União (TCU), por meio de queixa popular. Os Conselhos Gestores de Saúde, de Educação Pública, de Assistência Social e de Proteção à Criança e ao Adolescente, estão respectivamente pautados pelos artigos 198, 206, 204 e 227. Diante de tantos direitos protetivos e reivindicatórios percebe-se com base nesses princípios que o Controle Social é um direito fundamental do cidadão e deve ser garantido pelo Estado.

Decorrentes da Constituição, duas Leis podem ser citadas como principais para a efetividade do controle social no quesito das finanças públicas: a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar nº. 101, de 2000) e a já citada anteriormente, Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, que é renovada a cada exercício.

Cabe ainda destacar nesse processo o importante papel de outras formas de atuação da sociedade junto ao poder público: Portais da Transparência (onde contém as informações relativas às finanças públicas das instituições); Conselhos Municipais: importantes entidades de participação, onde a sociedade civil une-se ao conselho para fiscalizar a atuação e traçar as linhas de trabalho daquela área, a exemplo do Conselho do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) e Conselho do Idoso, além das Audiências Públicas que são reuniões nas quais a sociedade é convidada a debater sobre assuntos relevantes para a comunidade, quer seja para uma definição futura, quer seja para a fiscalização de determinada atividade. Cita-se ainda as Conferências que são instâncias onde a sociedade é convidada a debater sobre política pública, opinando a respeito da condução de determinada atividade.

Outro marco importante que auxiliou na viabilização do controle social foi a proposta de Reforma do Aparelho do Estado iniciada em 1995. O escopo da proposta tem como seu maior defensor o então Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, quando à frente do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE). Entendeu que aquele era o momento mais adequado para propor e implantar um novo modelo de gestão nos três níveis do Estado: Federal, Estadual e Municipal, medidas essas que se encontram consubstanciadas no Plano Diretor para a Reforma do Aparelho do Estado (PDRE).

Para Bresser Pereira (1997), os políticos devem permanentemente prestar contas aos cidadãos, haja vista que quanto mais clara for a responsabilidade do político, e a cobrança dos cidadãos em relação ao governante, mais democrático será o regime. Ainda segundo o autor,

Depois da grande crise dos anos 80, na década de 90, está sendo construído um novo Estado. Este novo Estado será o resultado de profundas reformas. Estas reformas habilitarão o Estado a desempenhar as funções que o mercado não é capaz de desempenhar. O objetivo é construir um Estado que responda às necessidades de seus cidadãos. Um Estado democrático no qual os burocratas prestem contas aos políticos e estes aos cidadãos de uma forma responsável (BRESSER-PEREIRA, 1997, p.20). Decorrente do PDRE percebeu-se uma reorganização administrativa, principalmente no governo federal. Destacam-se as mudanças relativas às informações da administração pública através do governo eletrônico que reduziu custos e aumentou a transparência. Na área fiscal, o marco mais importante foi a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Verificou-se também inovações vinculadas à sistemática de planejamento, centradas no Plano Plurianual (PPA), embora, segundo Abrucio (2010, p.544), “este tenha avançado mais em termos de programação orçamentária do que nos de programação das políticas públicas — não por acaso, o PPA hoje funciona mais como um "OPA" ("orçamento plurianual")”.

No entanto, verifica-se que o contexto histórico porque passava o país corroborou para que muitos desses avanços voltados para o controle social fossem alcançados. Segundo Rezende (2002, p.112):

Pode-se considerar os anos 1990 como a década das reformas da administração pública. Uma combinação de fatores como a crise fiscal do Estado, a escala e a magnitude dos processos de democratização política e de globalização econômica, bem como o declínio de desempenho e accountability nas relações Estado-sociedade, aliados à urgente necessidade de rever padrões de intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais, contribuíram decisivamente para a difusão em escala jamais vista das políticas de reforma do aparato burocrático de Estado.

Em continuidade às mudanças, a partir do ano de 2002, segundo Abrucio (2010), a herança positiva decorre do aperfeiçoamento de alguns importantes mecanismos de controle da corrupção que podem também ser demandas a partir da atuação dos cidadãos. Trata-se das ações da Polícia Federal (PF) e, principalmente, o trabalho da Controladoria Geral da União (CGU).

Percebe-se ao longo dessa discussão acerca do controle social, que a participação da sociedade é de fundamental importância, uma vez que, consciente dos seus direitos o cidadão se empodera da possibilidade de fiscalizar e até interferir nas ações do Estado, a fim de assegurar seus direitos e manter um maior controle sobre os investimentos públicos.

Desta forma, para fins deste estudo, propõe-se a utilização da expressão “controle social” no sentido da sociedade exercer o papel de fiscal e, ao mesmo tempo controlar as atividades do Estado, remetendo a práticas que oportunizem uma maior transparência das informações e da participação da sociedade no processo decisório e de controle social, invertendo as ações do tipo top down que remetem a modelos mais tradicionais e autoritários de gestão das políticas públicas.