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Na história da humanidade, desde o surgimento da filosofia, na Grécia antiga, até às

ciências atuais, o homem sempre buscou, através de sua curiosidade, o entendimento da

realidade concreta e metafísica do mundo por meio de formulações de teorias e de modelos

que explicassem os fatos e as coisas e seu relacionamento com estas.

A ciência, desde Galileu, formula questões claras, imaginando modelos conceituais

das coisas, às vezes teorias gerais, tentando justificar o que se pensa e o que se faz; seja

através da lógica, seja através de outras teorias, seja através de experiências aclaradas por

teorias (BUNGE, 2008).

A ciência é um modo particular de produzir crenças que se diferenciam das demais por

colocarem como pressuposto a noção do real, isto é:

[...] algo permanente y externo, sobre lo cual nuestro pensamiento no pueda incidir. Algo permanente y externo que constituya la piedra de toque para acreditar la verdad de cualquier afirmación. Algo permanente y externo que pueda afectar a los hombres por igual, de modo que la conclusión que se obtenga por referencia a ello, sea una y la misma para todos. La hipótesis fundamental del método científico es ésta: Hay cosas reales, cuyos caracteres son enteramente independientes de nuestras opiniones sobre ellas; estas realidades afectan nuestros sentidos de acuerdo com leyes regulares, [...]

[...]

El método de la investigación científica , como también lo denomina, implica entonces concebir una realidad objetiva y, además, racional. Por este motivo, el método de la investigación científica es el único que admite la corrección desde el exterior. Las creencias que se establecen mediante este método están sometidas al test de una experiencia regida por ciertas reglas que deben valer para todos los individuos [...] (SAMAJA, 1994, p. 24).

Pierce (1966 apud SAMAJA, 1994) estabelece mais três procedimentos ou métodos

para fixação de crenças: (i) o método da tenacidade – corresponde a procedimentos pelos

quais um indivíduo separa sistematicamente seu pensamento de tudo aquilo que possa

conduzi-lo a uma mudança de opinião; (ii) o método da autoridade – ao contrário do anterior,

o indivíduo adota as crenças que regem a sua comunidade e Estado, e se atém a elas, sob pena

de ser castigado; (iii) o método metafísico – corresponde a uma atitude reflexiva que admite

as limitações e relatividade tanto das crenças próprias quanto das comuns, assumidas por

indivíduos possuidores de sentimentos sociais mais amplos.

No processo da construção da inteligibilidade dos fatos e coisas do mundo, o

conhecimento científico, produto da investigação científica, resulta de um permanente ir e vir

entre teoria e prática. De um permanente relacionamento entre experiência e teoria

(SAMAJA, 1994).

Neste processo de construção do conhecimento da realidade, o mundo dos fatos não

pode ser apropriado em sua totalidade tal como se manifesta. Segundo Samaja (1994), o

objeto de investigação científica é e não é o real; é o real recortado, reduzido ou transformado

por algo que informa sobre o real, traduzido por um arcabouço conceitual ou sistema de

ideias. A produção do conhecimento científico sobre a realidade surge a partir da ruptura com

o senso comum no processo de investigação (MEDINA et al., 2005).

Para Bunge (2008, p. 16), a conquista conceitual da realidade, paradoxalmente, inicia-

se por idealizações, extraindo os traços comuns de indivíduos diferentes, agrupando-os em

classes de equivalência, que podem ser representados por modelos teóricos. Esses são

“sistemas hipotético-dedutivos que concernem a um objeto-modelo, que é, por sua vez, uma

representação conceitual esquemática de uma coisa ou de uma situação real ou suposta como

tal”.

Como foi citado anteriormente, um objeto-modelo pode representar esquematicamente

uma situação real ou um fato social, que podemos denominar de eventos-modelo (como

exemplo de objeto-modelo, a lógica da estrutura dos sistemas e matrizes de indicadores, dos

paineis de controle adotados pelas organizações para acompanhar o desempenho através de

indicadores). No Canadá, os modelos teóricos são comumente conhecidos como modelos

lógicos e constituem uma exigência governamental para avaliação das intervenções públicas

(HARTZ, 1999).

Esta pesquisa ora em desenvolvimento considerou os sistemas municipais de saúde

como objetos-modelos que desempenham papel importante para preservação da saúde da

população através de intervenções públicas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define

os sistemas de saúde como um conjunto de atividades cujo principal propósito é promover,

restaurar e manter a saúde de uma população (OMS, 2000). Na definição de Lobato e

Giovanella (2008, p. 107), o sistema de saúde é o:

Conjunto de relações políticas, econômicas e institucionais responsáveis pela condução dos procedimentos referentes à saúde de uma dada população que se

concretizam em organizações, regras e serviços que visam a alcançar resultados condizentes com a concepção de saúde prevalente na sociedade.

No campo da avaliação, há um consenso aceito pela maioria dos avaliadores de que a

ideia que operacionaliza o objeto-modelo é a expressão “modelo lógico” (logic model ou

logical framework) (MEDINA et al., 2005).

Nesta pesquisa não se pretende capturar a realidade por completo dos sistemas

municipais de saúde a partir do modelo proposto, mas iniciar o seu entendimento a partir de

poucos elementos simples conjugados numa lógica que, ao longo do tempo, com as sucessivas

reflexões e revisões, permita aprofundar o entendimento desta realidade. A formação de cada

modelo começa por simplificações, mas a sucessão histórica dos modelos é um processo de

complexidade necessário para entendimento da realidade. Isto se deve ao fato de que, quanto

mais se exige fidelidade ao real, mais será preciso tornar complexo o modelo teórico

(BUNGE, 2008).

Os modelos teóricos não são considerados eternos. A dinâmica da realidade promove

as transformações de novos contextos que forçam os pesquisadores a modificar os modelos de

forma total ou parcial através de reinterpretações dos objetos estudados.

Para Bunge (2008), o modelo teórico pode ser descrito como o auxílio de diagrama

que possui o potencial de conter mais informações e ser mais intuitivo que uma descrição

verbal ou mesmo uma tabela de números.

No entendimento de McLaughlin e Jordan (1999 apud MEDINA et al., 2005), o

processo de elaboração do modelo teórico tem como produtos finais o diagrama do modelo,

um texto descrevendo o diagrama e o plano de medidas. Para os autores, existem cinco etapas

a serem vencidas ao longo do processo de construção: (i) realizar coleta de informações sobre

o objeto estudado a partir de várias fontes; (ii) definir claramente o problema objeto da

intervenção e seu contexto; (iii) identificar os elementos do modelo teórico; (iv) desenhar o

modelo teórico; (v) finalmente, avaliar continuamente, via consenso, junto aos grupos

envolvidos, se o modelo produzido representa a lógica do objeto estudado e se é válido.

Na literatura, existem várias formas para construção de modelos teóricos com vários

tipos de representação visual, complexidade e níveis de especificidade. São apresentadas a

seguir algumas formas possíveis de construção de modelos de avaliação de programas.

Figura 6 – Elementos de um modelo teórico

Fonte: Jordan; Mclaughlin (1999 apud MEDINA et al., 2005).

Figura 7 – Esquema básico de modelo teórico com objetivos de implementação e de resultados demarcados

Fonte: Rush; Ogborne (1991 apud MEDINA et al., 2005).

RECURSOS

(insumos) ATIVIDADES PRODUTOS Público alvo

EFEITOS DE CURTO PRAZO EFEITOS DE LONGO PRAZO & SOLUÇÃO DO PROBLEMA EFEITOS INTERMEDIÁRIOS

INFLUÊNCIAS EXTERNAS E PROGRAMAS RELACIONADOS

COMPONENTES PRINCIPAIS (atividades/recursos)

OBJETIVOS DE IMPLEMENTAÇÃO (ex: fornecer, dar)

PRODUTOS

(ex: indicadores dos serviços prestados e características dos clientes)

OBJETIVOS A CURTO PRAZO (ex: elevar, reduzir, maximizar, evitar)

OBJETIVOS A LONGO PRAZO (ex: prevenir)

Figura 8 – Esquema de modelo teórico para programas de conscientização na área da saúde

Fonte: Wong-Rieger; David (1995 apud MEDINA et al., 2005).

Jordan e Mclaughlin (1999 apud MEDINA et al., 2005) sugerem algumas questões ao

final do processo de elaboração do modelo teórico para verificar se ele representa a lógica do

programa: Se o nível de detalhamento dos elementos e de suas relações foi suficiente para

criar o entendimento? Se a lógica do programa está completa? Se a lógica do programa é boa?

Se os elementos foram organizados segundo uma lógica? Se todos os fatores importantes do

contexto e suas potenciais influências foram identificados e descritos?

Nas avaliações em saúde, a estrutura proposta por Donabedian é usualmente utilizada

para subsidiar a formulação de modelos teóricos que pretendam avaliar o desempenho das

intervenções e ações de políticas públicas de saúde. O autor sugere três abordagens para julgar

a qualidade dos cuidados de saúde: Estrutura - Processo - Resultado (DONABEDIAN, 2003).

Os aspectos relacionados à estrutura servem para avaliar as condições em que os

cuidados são prestados. Fazem parte desta abordagem os recursos matérias (instalações e

equipamentos), recursos humanos (número, variedade e qualificação dos profissionais e

pessoal de apoio) e características organizacionais, relacionadas a organização das equipes

médicas e de enfermagem, presença de funções de ensino e pesquisa, tipos de supervisão e de

avaliação de desempenho, métodos de pagar por cuidados, entre outros. Já os aspectos

relacionados a processo abordam as atividades que constituem os serviços de saúde

(diagnóstico, tratamento, reabilitação, prevenção e educação do paciente), geralmente

realizadas por profissionais. Por último, a dimensão de resultado, que avalia as mudanças

desejáveis, ou indesejáveis, em indivíduos e populações atribuíveis aos cuidados de saúde.

ATIVIDADES DO PROGRAMA PRODUTOS DOS SERVIÇOS OFERTADOS (Tipos, clientes) RESULTADOS IMEDIATOS (atitudes, sentimentos, motivações RESULTADOS FINAIS (comportamentos)

Para Donabedian (2003), as inferências sobre qualidade não são possíveis, a menos

que haja um relacionamento predeterminado entre as três abordagens, de modo que a estrutura

influencie o processo e o processo influencie os resultados.

Estrutura Processo Resultado

A relação linear descrita em seu modelo é uma versão muito simplificada de uma

realidade muito mais complexa, em que certas causas têm seus efeitos, que se tornam causas

de efeitos posteriores, e assim por diante em uma única cadeia, ou em uma cadeia com

ramificações (DONABEDIAN, 2003).

Como se pode observar, a classificação proposta por Donabedian se faz presente, de

forma direta, ou indiretamente, nos modelos teóricos expostos anteriormente (Jordan e

Mclaughlin, e Wong-Rieger e David).

Os modelos teóricos permitem a exposição da infraestrutura necessária para

operacionalização dos programas, apresentando os insumos (estrutura), as atividades e

produtos gerados (processo) e os efeitos imediatos, de médio e longo prazo (resultados),

decorrentes das intervenções. Os modelos também são usados como uma fonte de referência

para formulação de indicadores de natureza quantitativa e qualitativa relativos à estrutura,

processo e resultados, como propõe Donabedian, e contribuem para avaliação da cadeia

causal estabelecida pelo pesquisador (HARTZ et al., 1997).

Outro ponto relacionado aos modelos teóricos é a relação que estes têm com a

macroteoria e microteoria do programa. A microteoria, baseada em normas, descreveria os

aspectos estruturais e operacionais do programa, produzindo informações sobre as suas partes;

a macroteoria detalharia os aspectos organizacionais e sócio-políticos que favoreceriam ou

inibiriam os efeitos do programa. A microteoria estabelece, então, uma relação entre os

recursos disponíveis, atividades e resultados enquanto que a macroteoria se preocupa com os

aspectos relacionados ao contexto de implantação do Programa (HARTZ et al., 1997).

No próximo tópico, apresentam-se alguns sistemas de avaliação de desempenho

formulados por órgãos oficiais para acompanhar as ações em saúde.