ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE
EMPRESAS – EBAPE
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MODELO PARA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DO SISTEMA DE SAÚDE
MUNICIPAL COM FOCO NAS AÇÕES DA SAÚDE MATERNO-INFANTIL DA
ATENÇÃO BÁSICA POR MEIO DE INDICADORES SOCIAIS
João Antônio Robalinho Ferraz
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE
EMPRESAS – EBAPE
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MODELO PARA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DO SISTEMA DE SAÚDE
MUNICIPAL COM FOCO NAS AÇÕES DA SAÚDE MATERNO-INFANTIL DA
ATENÇÃO BÁSICA POR MEIO DE INDICADORES SOCIAIS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Administração Pública da
Fundação Getúlio Vargas, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Administração Pública.
Orientador:
Professor
Doutor
Fernando
Guilherme Tenório, FGV.
Defesa de Dissertação em: 12 de maio de 2010
Local: Fundação Getúlio Vargas – Rio de
Janeiro/RJ
"O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas,
copiosas, transbordem do indivíduo, e se espraiem,
estancando a sede dos outros. Sem um fim social, o saber
será a maior das futilidades."
AGRADECIMENTOS
Aos meus queridos pais, Luiz Alberto (in memoriam) e Maria Margarida,
responsáveis pelo estímulo constante e apoio aos meus sonhos.
Ao Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco e à Escola de Contas Professor
Barreto Guimarães, pela promoção deste curso de mestrado. Ao inspetor regional de
Garanhuns Júlio César pela apoio e parceria ao projeto. Ao professor Fernando Guilherme
Tenório pelo apoio e confiança.
Também a Paulo Germano de Frias e Suely Arruda Vidal, pesquisadores do
Instituto Materno Infantil de Pernambuco, e a Lia Giraldo, professora do Centro de Pesquisa
Aggeu Magalhães/FIOCRUZ, que muito influenciaram para reflexão do tema. A todos os
especialistas da área de saúde convidados pela pesquisa que dedicaram parte de seu tempo às
discussões.
Aos colegas do Mestrado em Administração Pública, agradeço pelos bons
momentos de convivência vividos em sala de aula, em especial a André Ricardo, Lúcio
Gustavo e Valdevino, companheiros de longos e agradáveis debates.
Agradeço especialmente à minha amada esposa e incentivadora, Ana Cláudia, e
aos meus filhos, Bruna e o pequenino João Lucas, fontes de inspiração, pela tolerância e
ABS:
Atenção Básica à Saúde
IAPs:
Institutos de Aposentadorias e Pensões
ANS:
Agência Nacional de Saúde Suplementar
ACS:
Agentes Comunitários de Saúde
AMQ:
Avaliação para Melhoria da Qualidade da Estratégia Saúde da Família
APS:
Atenção Primária à Saúde
CF/88:
Constituição Federal de 1988
CNES:
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
CNDSS:
Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde
CONDEPE/FIDEM: Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco
COSEMS:
Conselho das Secretarias Municipais de Saúde
CCE:
Coordenação de Controle Externo
CF/88:
Constituição Federal de 1988
DDA:
Doença Diarreica Aguda
DHEG:
Doença Hipertensiva Específica da Gravidez
DNERu
Departamento Nacional de Endemias Rurais
DNS:
Departamento Nacional de Saúde
ESF:
Equipe de Saúde da Família
FINBRA:
Finanças do Brasil
FIOCRUZ:
Fundação Osvaldo Cruz
FPNQ:
Fundação para o Prêmio Nacional da Qualidade
GR1:
Grupo de Referência 1
GR2:
Grupo de Referência 2
IFDM:
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal
IRGA:
Inspetoria Regional de Garanhuns
IBGE:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMIP:
Instituto Materno Infantil de Pernambuco
INAMPS:
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INEP:
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IRA:
Infecção Respiratória Aguda
OMS:
Organização Mundial da Saúde
ONU:
Organização das Nações Unidas
OPS:
Organização Pan-Americana da Saúde
OCDE:
Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento
PDR:
Plano Diretor de Regionalização
PNAB:
Política Nacional de Atenção Básica
PIB:
Produto Interno Bruto
PNUD:
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PHPN:
Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento
PNAB:
Política Nacional de Atenção Básica
PRO-ADESS:
Projeto Desenvolvimento de Metodologia de Avaliação do Desempenho do
Sistema de Saúde Brasileiro
RMAF:
Results-Based Management Accountability Framework
SES-PE:
Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco
SINAN:
Sistema de Informação de Agravos de Notificação
SIAB:
Sistema de Informação de Atenção Básica
SIA:
Sistema de Informações Ambulatoriais
SIH:
Sistema de Informações Hospitalares
SIM:
Sistema de Informações sobre Mortalidade
SINASC:
Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos
SIOPS:
Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde
SISVAN:
Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional
SI-PNI:
Sistema do Programa Nacional de Imunização
SUS:
Sistema Único de Saúde
TCE-PE:
Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco
TCU:
Tribunal de Contas da União
USF:
Unidade Saúde da Família
Quadro 1:
Exemplo de dimensões da qualidade do cuidado e do desempenho da atenção
básica ...
86
Quadro 2:
Critérios e indicadores propostos pelo Modelo ADS ...
95
Quadro 3:
Critérios e indicadores do Modelo ADS validados pelos especialistas ...
150
Quadro 4:
Estimativa da população residente por município do Estado de Pernambuco:
Período de referência 2008 ...
160
Quadro 5:
Estimativa da população da Região do Agreste Meridional residente por
município: Período de referência 2008 ...
161
Quadro 6:
Distribuição dos municípios com porte entre 14 e 35 mil habitantes por
Estado: período de referência 2008 ...
162
Quadro 7:
Demonstrativo das extrações nos sistemas oficiais utilizados ...
163
Quadro 8:
Estatísticas dos grupos de referência do Modelo ADS ...
164
Quadro 9:
Parâmetros dos critérios propostos pelo Modelo ADS e referências do
Ministério da Saúde ...
169
Quadro 10:
Alguns parâmetros do Modelo ADS x Ministério da Saúde ...
192
Quadro 11:
Relação dos indicadores da matriz do Modelo ADS ...
195
Figura 1:
Evolução da Taxa de Mortalidade Infantil: Macrorregiões do Brasil –
1994-2007 ...
19
Figura 2:
Dinâmica dos sistemas de saúde ...
39
Figura 3:
Avaliação normativa ...
47
Figura 4:
Pesquisa avaliativa ...
49
Figura 5:
Construção de um Sistema de Indicadores Sociais ...
65
Figura 6:
Elementos de um modelo teórico ...
70
Figura 7:
Esquema básico de modelo teórico com objetivos de implementação e de
resultados demarcados ...
70
Figura 8:
Esquema de modelo teórico para programas de conscientização na área da
saúde .
71
Figura 9:
Modelo explicativo do desempenho de sistemas de saúde do PRO-ADESS ...
74
Figura 10:
Elementos de avaliação das equipes de saúde da família ...
76
Figura 11:
Cadeia lógica do modelo baseado em resultado ...
78
Figura 15:
Modelo teórico Projeto ADS validado pelo grupo de especialistas ...
116
Figura 16:
Matriz de indicadores do Modelo ADS ...
174
Figura 17:
Distribuição das melhores estatísticas do modelo por grupo de referência ...
191
Figura 18:
Matriz de indicadores do Sistema Municipal de Saúde de Iati: ano-base 2008 ..
194
Figura 19:
Relações de influência entre alguns indicadores de Iati ...
210
Tabela 1:
Avaliação das subdimensões propostas pelo Modelo ADS a partir das notas
apresentadas pelos especialistas consultados ...
109
Tabela 2:
Avaliação dos critérios e indicadores propostos pelo Modelo ADS a partir das
Apêndice 1:
Relação dos participantes convidados para técnica de consenso e um resumo
curricular de cada especialista
Apêndice 2:
Primeira rodada da técnica de consenso para avaliar as subdimensões do
Modelo ADS – convite enviado aos participantes
Apêndice 3:
Quadro das subdimensões do Modelo ADS
Apêndice 4:
Definição das dimensões e subdimensões do Modelo teórico Projeto ADS
Apêndice 5:
Segunda rodada da técnica de consenso para retorno dos resultados da
primeira aos participantes sobre a validação
Apêndice 6:
Consolidação das observações apresentadas pelos especialistas na primeira e
segunda rodada – validação das subdimensões do Modelo ADS
Apêndice 7:
Primeira rodada da técnica de consenso para avaliar os critérios e indicadores
do Modelo ADS – convite enviado aos participantes
Apêndice 8:
Quadro dos critérios e indicadores do Modelo ADS
Apêndice 9:
Matriz dos critérios e indicadores do Modelo ADS
Apêndice 10:
Esclarecimentos sobre alguns indicadores formulados pelo pesquisador
Apêndice 11:
Segunda rodada da técnica de consenso para retorno dos resultados da
primeira aos participantes sobre os critérios/indicadores
Apêndice 12:
Consolidação das observações apresentadas pelos especialistas na primeira e
segunda rodada – seleção e inclusão dos critérios e indicadores no Modelo
ADS
Apêndice 13:
Ficha técnica dos indicadores do Modelo ADS
Apêndice 14:
Relação dos municípios do Grupo de Referência 1 (municípios do Estado de
Pernambuco entre 14 e 35 mil habitantes) – Período de referência 2008
Apêndice 15:
Relação dos municípios do Grupo de Referência 2 (municípios dos Estados:
ES, RJ, SP, SC, RS, PR e MS) – Período de referência 2008
Apêndice 16:
Base de dados extraída para parametrização do desempenho – Grupo de Referência 1 (Estado de Pernambuco): Período de referência 2008Anexo 1:
Solicitação de informações ao Município de Iati, via Ofício TC/IRGA nº 444/2009Anexo 2:
Resposta do Município de Iati, via Ofício nº 085/2009Anexo 3:
Solicitação de informações ao Município de São João, via Ofício TC/IRGA nº 494/20091 PROBLEMA... 15
1.1 INTRODUÇÃO... 15
1.2 OBJETIVOFINAL ... 16
1.3 OBJETIVOSINTERMEDIÁRIOS ... 17
1.4 DELIMITAÇÃODOESTUDO ... 17
1.5 RELEVÂNCIADOESTUDO... 18
1.6 CONTROLEEXTERNOESUASATRIBUIÇÕES ... 20
2 ATENÇÃO BÁSICA... 26
2.1 ATENÇÃOÀSAÚDEESEUCONTEXTO... 26
2.2 CONTEXTODAATENÇÃOÀSAÚDENOBRASIL ... 30
2.3 CONCEITUAÇÃOEDEFINIÇÃODESISTEMADESAÚDE ... 35
2.3.1 Componentes e dinâmica dos sistemas de saúde... 36
3 POLÍTICA PÚBLICA ... 41
3.1 CONCEITUAÇÃODEPOLÍTICAPÚBLICA... 41
3.2 AVALIAÇÃODASPOLÍTICASPÚBLICAS... 44
3.2.1 Contexto e sua conceituação ... 44
3.2.2 Tipologias... 46
3.2.3 Conceituação de desempenho ... 50
3.3 INDICADORESSOCIAIS... 52
3.3.1 Contexto e conceituações ... 52
3.3.2 Tipologias e dimensões dos indicadores ... 55
3.3.3 Qualidades e atributos do indicador... 60
3.3.4 Critérios e parâmetros ... 61
3.3.5 Construção de sistemas/matrizes de indicadores de saúde ... 63
3.4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E SUA COMPLEXIDADE AMBIENTAL MEDIDA ... 65
4 MODELO TEÓRICO/OBJETO-MODELO ... 67
4.1 INTRODUÇÃOEASPECTOSPARAFORMULAÇÃODEMODELOS... 67
4.2 MODELOSTEÓRICOSOFICIAISEXAMINADOS ... 73
4.2.1 Estrutura do modelo teórico PRO-ADESS... 73
4.2.2 Avaliação para Melhoria da Qualidade (AMQ) ... 74
4.2.3 Modelo Lógico Baseado em Resultado para a Atenção Primária de Saúde... 76
4.3 PROPOSIÇÃODOMODELOTEÓRICOADS ... 80
4.3.1 Indicadores propostos pelo modelo (matriz)... 93
5 ASPECTOS METODOLÓGICOS ... 103
5.1 FUNDAMENTAÇÃODOMÉTODODECONSENSO... 103
5.2 ANÁLISEDOMODELOADSPROPOSTOESUAMATRIZDEINDICADORES ... 105
5.2.1 Fase 1: Validação das subdimensões do modelo ... 107
5.2.2 Fase 2: Seleção dos indicadores do modelo ... 117
5.3 CONSTRUÇÃO DE PARÂMETROS AVALIATIVOS DO MODELO ADS... 156
5.3.1 Definição dos grupos para parametrização ... 159
5.3.2 Sistemática de cálculo dos parâmetros do modelo ... 162
5.4 ANÁLISE PRELIMINAR DA MATRIZ DO MODELO ADS E SEUS PARÂMETROS ... 177
5.4.1 Exame dos grupos de referência ... 177
5.4.2 Avaliação do modelo: Sistema Municipal de Saúde de Iati ... 192
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 211
REFERÊNCIAS ... 215
APÊNDICES... 226
O presente trabalho aborda o desempenho dos sistemas municipais de saúde, tendo como foco
a saúde materno-infantil. Com o objetivo de apontar as possíveis fragilidades dos sistemas de
saúde, especificamente daqueles em que a Atenção Primária (AP) é a principal ou exclusiva
estratégia de atuação da gestão municipal, foi criado um modelo teórico de avaliação dos
indicadores de saúde, denominado de ADS. Aplicado às cidades com população entre 14 mil
e 35 mil habitantes, onde o sistema de saúde se baseia exclusivamente na política de AP, esse
modelo foi construído por meio da técnica de consenso, com a formação de um grupo de 12
especialistas na área de saúde coletiva para definição e validação de critérios para análise dos
sistemas. Testado na cidade de Iati, localizada no Agreste Meridional e distante 282
quilômetros da capital pernambucana, o ADS apontou fatores ambientais e socioeconômicos
abaixo da média, além de vulnerabilidades da assistência materno-infantil que influenciam
negativamente a situação de saúde do município. A avaliação verificou ainda desempenho
insatisfatório no que diz respeito ao acompanhamento das crianças e gestantes por meio de
consultas médicas (efetividade); assistência à criança (continuidade); cobertura de consultas
em crianças e imunização de gestantes (acesso aos serviços da Atenção Primária);
produtividade das ações realizadas pelos profissionais de saúde (eficiência) e capacidade de
investigação dos óbitos infantis, qualidade dos registros e controle da sífilis em gestantes
(vigilância à saúde). Também foi observada baixa alocação de investimentos em saúde em
combinação com a carência de recursos humanos e materiais para prestar os serviços. Ao final
da pesquisa, foi possível constatar a viabilidade de aplicação do modelo para planejamento
das auditorias, avaliando o desempenho dos indicadores de saúde no âmbito municipal.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Saúde Materno-Infantil; Avaliação do Sistema
The current work concerns the performance of municipal health systems, focusing on
maternal/child healthcare. With the aim of identifying possible weaknesses in health systems,
specifically those in which Primary Attention (PA) is the main or exclusive strategy of
municipal administration activity, the theoretic model of health indicators named ADS, was
created. Applied in cities with populations between 14,000 and 35,000 inhabitants, where the
health system is exclusively based on PA policy, this model was constructed using the
consensus technique, with the formation of a group of 12 specialists in the area of collective
health to define and validate the criteria for analysis of the systems. Tested in the town of Itai,
located in the Meridian hinterland, 282 kilometers from the capital of Pernambuco, the ADS
indicated below average environmental and socio-economic factors, besides vulnerabilities in
maternal/child healthcare which negatively influenced the condition of health in the
municipality. The evaluation further verified unsatisfactory performance in terms of child and
pre-natal accompaniment through medical appointments (effectiveness); child assistance
(continuity); appointment realization for children and pre-natal immunization for mothers
(access to Primary Attention services); productivity of the actions performed by health
professionals (efficiency) and capacity to investigate infant mortality, quality of registers and
pre-natal control of syphilis (health vigilance). A low level of investment in healthcare was
also observed, combined with inadequate human resources and material to provide services.
At the end of the research, it was possible to identify the viability of the models application in
planning.
Key words: Primary health attention; Maternal/child health; Municipal health evaluation;
1
PROBLEMA
Este capítulo se propõe a apresentar o tema a ser pesquisado e o problema que será
investigado. Também são expostos o objetivo final e os intermediários buscados pela pesquisa
acadêmica, a delimitação e a relevância do estudo.
1.1
INTRODUÇÃO
A partir da segunda metade do século XX, a sociedade brasileira sofreu profundas
transformações tecnológicas, sociais, culturais e econômicas. Apesar dos avanços sociais
resultantes das políticas públicas compensatórias, as distorções sociais, para a grande maioria
da população, ainda permanecem. Neste quadro, somam-se, ainda, as alterações no arranjo
federativo promovido pela Constituição Federal de 1988, que conferiu aos municípios
autonomia administrativa, política e fiscal. Os novos entes federativos assumem funções de
gestão de políticas públicas por iniciativa própria, por adesão a outros programas, estadual ou
federal, ou por expressa imposição constitucional (ARRETCHE, 2000).
Neste contexto social em transformação, insere-se o Tribunal de Contas do Estado de
Pernambuco (TCE-PE) como órgão de fiscalização da gestão pública estadual e municipal. A
celeridade das mudanças sociais e econômicas ocorridas na segunda metade do século XX
influenciaram na inserção de novas competências aos Tribunais, exigindo, cada vez mais, a
busca de melhores resultados nas suas atividades por meio de instrumentos capazes de
responder, com qualidade e rapidez, às demandas da sociedade (accountability vertical e
horizontal)
1.
A Lei n° 12.600/2004, que dispõe sobre a Lei Orgânica do TCE-PE, estabelece em seu
artigo 3° os princípios que regem as fiscalizações e os julgamentos emanados do órgão de
controle
externo
estadual:
legalidade,
legitimidade,
economicidade,
moralidade,
impessoalidade e publicidade. Devido à natureza do órgão, os princípios da legalidade e da
1
materialidade se sobressaem como valores fundamentais do órgão. Tais princípios estão
presentes na formação cultural da organização, principalmente no planejamento do escopo das
fiscalizações.
O planejamento das atividades de fiscalização do TCE-PE, calcado nos princípios da
legalidade e da materialidade, não permite a visualização da realidade social dos municípios
sob diversas dimensões, vez que os escopos e os exames de campo se debruçam sobre a
legalidade dos atos promovidos pela gestão pública, ou seja, verificação da conformidade dos
atos executados conforme estabelece o ordenamento jurídico.
Porém, neste contexto social em transformação, os procedimentos que subsidiam o
planejamento do escopo das fiscalizações realizadas pela Inspetoria Regional de Garanhuns
(IRGA)
2do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) não são suficientes para
identificar as possíveis fragilidades das ações da gestão municipal para promoção da saúde
materno-infantil a serem investigadas pela inspetoria.
Assim, em um contexto em que os princípios da legalidade e da materialidade por si
sós não respondem às demandas sociais devido aos exames de natureza estritamente legalista
que se operam sobre o objeto auditado, e em que as ferramentas utilizadas pelas inspetorias
para planejamento do foco das fiscalizações apenas valorizam questões de conformidade legal
da aplicação dos recursos públicos, chega-se, assim, ao problema central da nossa pesquisa: a
IRGA pode adotar como ferramenta de planejamento um sistema/matriz de indicadores de
saúde, a partir de um modelo teórico, que permita à inspetoria definir o foco de quais aspectos
do sistema municipal de saúde deveriam ser examinados/fiscalizados? Como?
1.2
OBJETIVO FINAL
Desenvolver e validar um modelo teórico/matriz de indicadores que sinalize os pontos
mais frágeis dos sistemas municipais de saúde e que contribua para o monitoramento do
desempenho da gestão municipal e para o aperfeiçoamento da atuação das fiscalizações
realizadas pela Inspetoria Regional de Garanhuns.
1.3
OBJETIVOS INTERMEDIÁRIOS
■
Formular um modelo teórico representado por um sistema/matriz de indicadores;
■
Validar o modelo teórico e selecionar as medidas do sistema/matriz de indicadores a
partir da opinião de especialistas;
■
Desenvolver parâmetros de desempenho para cada indicador do modelo;
■
Testar o sistema/matriz de indicadores de saúde do modelo proposto em um município
fiscalizado pela IRGA;
■
Identificar as principais fragilidades do sistema municipal de saúde selecionado
mediante a aplicação da matriz de indicadores.
1.4
DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
O sistema/matriz proposto pretende apontar as possíveis fragilidades dos sistemas
municipais de saúde, especificamente daqueles em que a Atenção Básica é a principal ou
exclusiva estratégia de atuação da gestão municipal. O modelo não pretende avaliar a
problemática dos sistemas municipais de saúde, mas servir como ferramenta de apoio para o
planejamento das fiscalizações e exames a serem realizadas pela Inspetoria Regional de
Garanhuns do TCE, como um ponto de partida para as investigações a serem realizadas em
profundidade em campo, a partir da leitura da matriz de indicadores de cada município da
Região do Agreste Meridional. A aplicação do modelo ficará restrita aos municípios com
população entre quatorze e trinta e cinco mil habitantes, que não executem serviços de saúde
de média e alta complexidade, aqueles em que o sistema de saúde se baseia exclusivamente na
política de atenção primária.
O governo federal define como áreas estratégicas para operacionalização da atenção
básica a eliminação da hanseníase, o controle da tuberculose, o controle da hipertensão
arterial, o controle da diabetes mellitus, a eliminação da desnutrição infantil, a saúde da
criança, a saúde da mulher, a saúde do idoso, a saúde bucal e a promoção da saúde (BRASIL,
No entanto, entraram no modelo apenas as ações que impactem direta, ou
indiretamente, para promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da saúde
materno-infantil.
Para formulação e escolha dos indicadores de saúde que fariam parte na matriz, que
representariam de forma direta ou indiretamente cada subdimensão da matriz do modelo,
tomou-se a decisão de inserir apenas indicadores que, para sua construção, necessitassem de
variáveis já disponíveis nas bases de dados dos sistemas oficiais do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de
Pernambuco (CONDEPE/FIDEM) e do DATASUS, bem como: Sistema de Informação de
Atenção Básica (SIAB); Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN);
Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC); Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM); Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA); Sistema de Informações
Hospitalares (SIH); Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN); Sistema de
Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN); Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS); Sistema do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI); e Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde (CNES).
1.5
RELEVÂNCIA DO ESTUDO
Atualmente, os conceitos sobre indicadores e índices de caráter social são citados com
mais frequência pela mídia e pelos debates políticos. Cada vez mais, jornalistas, lideranças
populares, políticos, acadêmicos e a sociedade como um todo se utilizam de indicadores
sociais para avaliar o avanço ou retrocesso da qualidade de vida da população ou para apontar
o desempenho das políticas públicas.
Os indicadores sociais passaram a fazer parte do cotidiano dos agentes políticos
responsáveis pela definição das prioridades das políticas sociais e alocação dos recursos
públicos. Na virada do século, as métricas sociais ganharam um papel de destaque nas
discussões político-sociais da sociedade brasileira.
A atual gramática social exige dos órgãos de controle externo desenvolvimento de
mecanismos que permitam o acompanhamento e a atuação das cortes de contas sobre os
resultados das políticas públicas de cunho social. O foco na cultura da legalidade e da
TCE-PE como órgão fiscalizador da efetividade das ações públicas é de grande importância,
principalmente devido às distorções sócio-econômicas e desigualdades sociais dos estados
localizados na Região Nordeste, comparado com outras regiões do país.
Neste contexto social municipal destacamos a Política Nacional de Atenção Básica
(PNAB), operacionalizada pela estratégica de saúde da família, que pretende garantir direitos
de cidadania e melhoria da qualidade de vida da população. A atenção primária caracteriza-se
como a porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS) e corresponde à organização
dos serviços de saúde realizados nos municípios, levando em consideração as necessidades da
população. É a estratégia para promoção da saúde dentro dos princípios e diretrizes
estabelecidos pelo SUS: (i) universalidade de acesso; (ii) integralidade de assistência; (iii)
igualdade da assistência; (iv) participação da comunidade; (v) descentralização
político-administrativa dos serviços de saúde; (vi) resolubilidade (BRASIL, 1990).
Apesar dos avanços promovidos pela PNAB, a Região do Agreste Meridional de
Pernambuco apresenta, historicamente, indicadores sociais de saúde desfavoráveis, quando
comparados com a média do país. Tome-se como exemplo, a taxa de mortalidade infantil de
23,8 por mil nascidos vivos, no ano de 2007: mais de 45% acima da média nacional de 16,4.
Quase o dobro, quando comparada com a da região Sul.
Figura 1 – Evolução da Taxa de Mortalidade Infantil: Macrorregiões do Brasil – 1994-2007
23,8
12,9 16,4
10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
A no
Nort e
Nordest e
Pernambuco
Agrest e M eridional - PE
Sudest e
Sul
Cent ro-Oest e
Brasil
Fonte: Ministério da Saúde/DATASUS/SIM3 e Ministério da Saúde/DATASUS/SINASC4.
3
Base de dados extraída do DATASUS em 14/10/2009:
Aliado a este contexto regional, observa-se uma crescente preocupação da saúde
infantil e materna não só dos órgãos nacionais, mas também dos internacionais. A Declaração
do Milênio das Nações Unidas, aprovada pelos países membros do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em setembro de 2000, estabeleceu a redução da
mortalidade infantil e a melhoria da saúde materna como alguns dos objetivos de
desenvolvimento do milênio. Segundo o PNUD
5, as taxas de mortalidade de bebês e crianças
até cinco anos caíram em todo o mundo, mas o progresso foi desigual. Todos os anos morrem,
antes de completar cinco anos, quase 11 milhões de crianças ao redor no mundo. A maioria
por doenças evitáveis ou tratáveis (diarreia, doenças respiratórias, sarampo e malária). No
contexto nacional, o Brasil reduziu a mortalidade infantil de 4,7%, em 1990, para 2,5%, em
2006. No entanto, a desigualdade ainda é grande; as crianças pobres têm mais do que o dobro
de probabilidade de morrerem do que as ricas.
O presente estudo é relevante não só para o TCE-PE, mas, principalmente, para os
municípios que desejam acompanhar o desempenho dos seus sistemas de saúde. O
desenvolvimento de um modelo teórico, representado por uma matriz de indicadores que
retrate o sistema municipal de saúde sob diversas dimensões, que identifique os prováveis
fatores que influenciam direta, ou indiretamente, o estado de saúde da população, contribuirá
para o preenchimento de uma lacuna de atuação dos tribunais de contas estaduais.
Uma nova abordagem de fiscalização auxiliada a partir de uma matriz de indicadores
que sinalize as possíveis fragilidades dos sistemas de saúde municipais poderá contribuir para
a melhoria das condições de vida da população e para a redução das desigualdades sociais.
1.6
CONTROLE EXTERNO E SUAS ATRIBUIÇÕES
A ideia de criação de um tribunal de contas surgiu pela primeira vez no Brasil em 23
de junho de 1826, com a iniciativa de Felisberto Caldeira Brandt, Visconde de Barbacena, e
de José Inácio Borges, os quais apresentaram, ao Senado do Império, projeto de lei nesse
sentido. Somente após a queda do Império, as reformas político-administrativas da jovem
República possibilitaram a institucionalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Em
4
Base de dados extraída do DATASUS em 14/10/2009:
novembro de 1890, por iniciativa do então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, através de
decreto, foi criado o TCU.
A Carta Magna de 1891, a primeira republicana, ainda por influência de Rui Barbosa,
institucionalizou o TCU, através do artigo 89, constante nas disposições gerais (BRASIL,
1891). Foi atribuído ao Tribunal o papel de liquidação das contas de receita e despesa e
verificação de sua legalidade antes da prestação de contas ao Congresso Nacional.
Estabeleceu, ainda, que os membros seriam nomeados pelo Presidente da República, com
aprovação do Senado, perdendo este cargo apenas via sentença.
A partir da Carta de 1946, surgiu a relação expressa entre o Poder Legislativo e o
órgão fiscalizador dos atos da gestão pública. O artigo 22 estabeleceu que a administração
financeira da União, especialmente a execução do orçamento, seria fiscalizada pelo Congresso
Nacional, com o auxílio do TCU; e, nos estados e municípios, pela forma que fosse
estabelecida pelas constituições estaduais (BRASIL, 1946).
Cabe ressaltar que, a partir da Constituição de 1946, os artigos que se referem ao TCU
encontram-se na seção que trata do orçamento, localizado no capítulo do Poder Legislativo.
Nas constituições anteriores os artigos que versam sobre o Tribunal de Contas estão inseridos
em capítulos exclusos do legislativo, entre os quais se cita: (i) Constituição de 1891 – nas
disposições gerais desatrelado de qualquer poder; (ii) Constituição de 1934 – o Tribunal de
Contas da União encontra-se inserido no capítulo que rege os órgãos de cooperação nas
atividades governamentais, dividindo espaço com Ministério Público e os Conselhos Técnicos
do Congresso Nacional; e (iii) Constituição de 1937 – inseriu o TCU em capítulo próprio,
logo após o que menciona a Justiça Militar.
A Carta de 1967 instituiu avanços significativos para fiscalização da administração
pública. Foi incorporada, a partir do artigo 71, a fiscalização orçamentária, a denominação do
controle externo exercido pelo TCU, órgão que auxilia o Congresso Nacional, e a criação da
figura do sistema de controle interno do poder executivo federal para fiscalizar os órgãos
públicos (BRASIL, 1967).
O artigo 72 da referida Carta estabeleceu os seguintes objetivos do sistema de controle
interno: i) criar condições indispensáveis para eficácia do controle externo e para assegurar
regularidade à realização da receita e da despesa; ii) acompanhar a execução de programas de
trabalho e do orçamento; e iii) avaliar os resultados alcançados pelos administradores e
verificar a execução dos contratos.
O acompanhamento e controle do princípio da legalidade dos atos emanados pela
Para responder a esta insuficiência e modernizar a gestão pública, o Governo Federal
estabeleceu, através do Decreto-Lei n° 200/67, diretrizes para reforma administrativa. O
inciso V, do artigo 6°, do referido Decreto, estabeleceu o “controle” como um dos princípios
fundamentais a serem obedecidos pelas atividades da administração federal (BRASIL,
1967a).
A partir da incorporação do controle como princípio fundamental a ser seguido pela
administração, as atividades exercidas pelos órgãos de controle externo e interno são
valorizadas devido à necessidade de verificação da legalidade dos atos da gestão pública.
Segundo Geórgia Campos de Almeida
6:
[...] fiscalização e revisão são os elementos fundamentais do controle, sempre calcados no princípio da legalidade. A fiscalização nada mais é que o poder de verificação das atividades dos órgãos e agentes administrativos; é a verificação de que as atividades públicas estão cumprindo suas finalidades, enquanto a revisão é o poder de corrigir condutas administrativas, seja por que eivadas de vícios de legalidade, seja em função de mudanças nas políticas públicas.
Para Carlos Henrique Fêu:
O controle interno se funda em razões de ordem administrativa, jurídica e mesmo política. Sem controle não há nem poderia haver, em termos realistas, responsabilidade pública. A responsabilidade pública depende de uma fiscalização eficaz dos atos do Estado.
O controle assume papel preponderante para democratização e transparência da gestão
pública. Um dos objetivos principais do controle interno é o de possuir ação preventiva antes
que ações ilícitas, incorretas ou impróprias possam atentar contra os princípios da
Constituição da República Federativa do Brasil, principalmente o artigo 37, seus incisos e
parágrafos (BRASIL, 2002a).
A atual Constituição Federal (CF/88) apresentou um grande avanço para
desenvolvimento e abrangência da fiscalização e mecanismos para o controle social
desempenhadas pelos Tribunais de Contas, constantes entre os artigos 70 e 75. O artigo 70 da
CF/88 incorporou a fiscalização contábil, operacional e patrimonial às já existentes
(financeira e orçamentária). Cabe esclarecer os objetos que fazem parte dos tipos de
fiscalização (BRASIL, 2002a).
Contábil – fiscaliza os registros de receita e despesa.
Financeira – examina os controles sobre depósitos bancários, pagamento e
recebimento de valores, empenhos, etc.
Orçamentária – acompanha o orçamento, bem como a fiscalização dos registros nas
rubricas adequadas.
Operacional – avalia a execução das atividades administrativas em geral, sobre o
funcionamento da máquina administrativa, bem como o atendimento aos princípios da
eficiência, eficácia e da celeridade.
Patrimonial – examina os bens públicos e sua guarda (fiscalização em almoxarifado).
O artigo 73 e o parágrafo único do 75 da CF/88 estabelece que o TCU será composto
por nove Ministros e os Tribunais de Contas estaduais, por sete conselheiros cada. O caput do
artigo 75 instituiu, pelo princípio da simetria, que as normas estabelecidas na seção que trata
da fiscalização contábil, financeira e orçamentária aplicam-se à organização, composição e
fiscalização dos Tribunais de Contas dos estados e do Distrito Federal, bem como dos
Tribunais e Conselhos de Contas dos municípios.
O Tribunal de Contas de União atua em todo território nacional Atualmente, existem
trinta e três Tribunais de Contas estaduais e municipais, assim distribuídos: (i) 22 Tribunais de
Contas Estaduais (TCEs) que examinam as contas de cada um dos estados e ainda dos
municípios destes estados (com a exceção do Rio de Janeiro e São Paulo que auditam suas
capitais); (ii) 4 TCEs que examinam apenas as contas estaduais (Bahia, Ceará, Goiás e Pará);
(iii) 4 Tribunais de Contas Municipais (TCMs) (Bahia, Ceará, Goiás e Pará), mantidos pelos
estados, que examinam apenas contas municipais; (iv) Tribunal de Contas do Distrito Federal
que examina matérias comuns aos estados e aos municípios, que, no caso, são todas do
Distrito Federal; (v) TCMs do Rio de Janeiro (instituído em 1980) e São Paulo (criado em
1968) que auditam apenas as capitais.
A Constituição Federal vedou em seu artigo 31, § 4°, a criação de novos tribunais,
conselhos ou órgãos de contas municipais. A existência dos TCMs do Rio e de São Paulo se
devem por serem anteriores à promulgação da referida Carta.
A Constituiçao Federal vigente instituiu, em seu artigo 71, as competências do TCU, e
pelo princípio da simetria, dos Tribunais de Contas Estaduais. As atribuições do controle
Fiscalizadora: consiste na realização de inspetorias e auditorias em órgãos e entes da
administração direta e indireta. São, como exemplo, examinadas a legalidade dos atos de
admissão e de aposentadoria, a aplicação das transferências de recursos, o cumprimento
da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o endividamento público, a gestão dos
programas governamentais e os editais das licitações.
Judicante: o artigo 71, II, da CF/88, dispõe que compete ao Tribunal de Contas o
julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e
valores públicos. Essa função, aqui chamada de judicante, é que viabiliza a imposição de
sanções aos autores de irregularidades, como por exemplo, nos casos de infração à LRF.
Sancionadora: esta função é importante para que o Tribunal de Contas possa coibir
irregularidades e garantir o ressarcimento aos cofres públicos. Como exemplo, cita-se a:
aplicação de multa proporcional ao débito imputado; multa por infração à LRF;
decretação de indisponibilidade de bens por até um ano; declaração de inidoneidade para
contratar com a administração pública por até cinco anos; declaração de inabilitação para
o exercício de função de confiança, etc.
Consultiva: consiste na elaboração de pareceres prévios sobre as contas do Chefe do
Executivo, dos demais Poderes e do Ministério Público, a fim de subsidiar seu
julgamento pelo Poder Legislativo. Consultas feitas por determinadas autoridades sobre
assuntos relativos às competências do Tribunal de Contas.
Informativo: função exercida mediante a três situações: envio ao Poder Legislativo de
informações sobre as fiscalizações realizadas; expedição dos alertas previstos pela LRF;
manutenção de página na Internet contendo dados importantes sobre a atuação do
Tribunal, as contas públicas, dentre outros.
Corretiva: agrupa-se em dois procedimentos previstos no artigo 71, IX e X da CF/88:
fixação de prazo para a adoção de providências que visem ao cumprimento da lei; e
sustação do ato impugnado quando não forem adotadas as providências determinadas.
Normativa: origina se do poder regulamentar conferido pela Lei Orgânica, que faculta a
expedição de instruções, deliberações e outros atos normativos relativos à competência
do tribunal e a organização dos processos que lhe são submetidos.
Ouvidoria: corresponde ao recebimento de demandas apresentadas pelo controle interno,
por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato; acompanhamento do
processo de apuração de denúncia; e esclarecimentos sobre atuação do Tribunal de
A Constituição Federal estabelece, no parágrafo único do art. 70, que deverão prestar
contas quaisquer pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, que utilizem, arrecadem,
guardem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos ou pelas quais a União
responda, ou que, em nome desta, assumam obrigações de natureza pecuniária (BRASIL,
2002a).
O julgamento das contas anuais dos gestores e ordenadores de despesas, qualificados
no dispositivo acima indicado, representa uma das principais atribuições desempenhadas
pelos Tribunais de Contas. A atuação do controle externo, nesses casos, ocorre depois de
cometida à irregularidade na aplicação do dinheiro público, ou seja, a posteriori.
Na opinião de Barreto:
A eficácia das decisões dos Tribunais de Contas é instrumento essencial da ação de controle. O órgão encarregado pela execução deve ter em mãos informações sintéticas e exatas do título executivo. O acórdão deve indicar o valor da dívida e a data da ocorrência do dano, permitindo sua liquidação, ou seja, a certeza do valor da obrigação. A decisão tem natureza jurídica declaratória e constitutiva, uma vez que afirma a vontade da lei aplicada ao caso concreto e declara a existência da obrigação. O intercâmbio entre o Ministério Público e o Tribunal de Contas possibilita a solicitação de auditorias específicas, uma vez verificada a ilegalidade de qualquer despesa, para impor à Administração Pública providências necessárias para o exato cumprimento da lei e sustação da execução do ato impugnado (BARRETO, 2009).
O artigo 196 da Costituição Federal estabelece que a saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação. Compete aos municípios a prestação de serviços de
atendimento à saúde da população.
A atual Carta Magna estabelece no § 3º, do artigo 77 das disposições transitórias, que
os recursos dos estados, do distrito federal e dos municípios destinados às ações e serviços
públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por
meio de fundos de saúde que serão acompanhados e fiscalizados pelos Tribunais de Contas.
Neste capítulo, foi apresentado o objeto sob exame e o problema que balizará a
pesquisa, bem como os objetivos almejados. Foram expostas a delimitação dos estudos e a
relevância da pesquisa para o TCE-PE, a sua contribuição para melhoria dos indicadores
sociais de saúde municipais, e por último, as atribuições impostas constitucionalmente aos
2
ATENÇÃO BÁSICA
2.1
ATENÇÃO À SAÚDE E SEU CONTEXTO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem como objetivo a busca pela garantia de
níveis de saúde, os mais altos possíveis, para todos os seus povos. Para a organização, saúde
não é apenas a ausência de doenças, mas, um estado completo de bem-estar físico, mental e
social dos indivíduos. Estabelece ainda que as necessidades de saúde dos indivíduos
representam um direto humano a ser buscado e é uma obrigação da sociedade a mobilização
de recursos para promoção e preservação da saúde (OMS, 1946; OMS, 1978).
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)
7tem como uma de suas missões a
de orientar os esforços estratégicos de cooperação técnica entre os Estados membros e outros
parceiros, no sentido de promover a equidade na saúde, combater doenças, melhorar a
qualidade de vida e elevar a expectativa de vida dos povos das Américas. Desde antes de
1978, a OPAS adota como foco estratégico a promoção da Atenção Primária à Saúde (APS)
como maneira de estender os serviços de saúde para todas as comunidades e de aumentar a
eficiência do uso dos recursos (OPAS, 2007).
Em 1978, a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, ocorrida
em 12 de setembro, no Cazaquistão, ex-URSS, instituiu e aprovou a Declaração de Alma-Ata
8que afirmava a responsabilidade dos governantes sobre a saúde de seus povos por meio de
medidas sanitárias e sociais, reiterando a saúde como direito humano fundamental e uma das
principais metas mundiais.
No ano seguinte, a Assembleia-Geral da OMS (1978) lançou em âmbito mundial a
Estratégia de Saúde para Todos no Ano 2000, que estabeleceu como principal meta a ser
atingida até 2000: o alcance de um nível de saúde que permitisse vida social e
economicamente produtiva. A Declaração de Alma-Ata estabeleceu ainda que os cuidados
primários de saúde constituem a chave para atingir as metas traçadas pela Conferência, como
parte do desenvolvimento, no espírito da justiça social.
7 http://www.opas.org.br/opas.cfm em 25/01/2010.
Em 1996, a Organização adotou um conjunto de princípios para construção das bases
da atenção primária dos serviços de saúde a partir da Carta de Lubliana. Esta propõe que os
sistemas de atenção à saúde deveriam ser (STARFIELD, 2002):
■
dirigidos por valores de dignidade humana, equidade, solidariedade e ética
profissional;
■
direcionados para a proteção e promoção da saúde;
■
centrados nas pessoas, permitindo que os cidadãos influenciem os serviços de saúde e
assumam a responsabilidade por sua própria saúde;
■
focados na qualidade, incluindo a relação custo-efetividade;
■
baseados em financiamento sustentável, para permitir a cobertura universal e o acesso
equitativo;
■
direcionados para a atenção primária.
Ao final do Século XX, o processo de globalização dos mercados e seus acordos
multilaterais trouxeram facilidades de intercâmbio socioeconômico, cultural, político e
turístico e acarretaram crescente fragilidade às barreiras sanitárias. A globalização e o
crescimento populacional contribuíram para o aumento das desigualdades sociais. Estes fatos
colocaram a OMS em alerta e aceleraram a adoção de uma série de ações para redução dos
impactos (SCARATTI, 2007).
Neste contexto, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou os Objetivos do
Milênio como compromisso de seus países-membros para combater a desigualdade e
melhorar o desenvolvimento humano no mundo, a serem atingidos até 2015. Trata-se de um
compromisso assumido pela comunidade internacional, formalizado a partir de uma carta de
orientação voltada a (i) erradicar a pobreza extrema e a fome; (ii) universalizar o ensino
fundamental; (iii) promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; (iv)
reduzir a mortalidade infantil; (v) melhorar a saúde materna; (vi) combater epidemias; (vii)
garantir a sustentabilidade do meio ambiente; (viii) fomentar uma associação mundial para o
desenvolvimento (OMS, 2005).
A Declaração de Alma-Ata conferiu à atenção primária um papel abrangente, pois lhe
atribui a função central dos sistemas de saúde e como parte do processo mais geral de
desenvolvimento social e econômico das comunidades.
A primeira proposição que trata da organização do sistema de serviços de saúde tem
principais de serviços: (i) centros de saúde primários; (ii) centros de saúde secundários; (iii)
hospitais-escola. Este arranjo teórico serviu de base para a reorganização dos sistemas de
saúde em vários países (LORD DAWSON OF PENN, 1920 apud STARFIELD, 2002).
Tais sistemas apresentam, de forma geral, duas metas principais: otimizar a saúde da
população por meio dos conhecimentos mais avançados e minimizar as disparidades de modo
que determinados grupos não estejam em desvantagem sistemática em relação ao seu acesso
aos serviços de saúde e ao alcance de um ótimo nível de saúde (STARFIELD, 2002).
A assistência à saúde realizada pelos sistemas de serviços de saúde geralmente se
organizam em três níveis de atenção: primária, secundária e terciária. A atenção primária
representa o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o
sistema de saúde. Os cuidados de saúde devem ocorrer o mais próximo possível dos lugares
em que as pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento
de um processo
continuado de assistência à saúde. A atenção secundária à saúde representa o conjunto de
serviços médicos ambulatoriais e de exames laboratoriais especializados com atendimento em
hospitais comuns ou unidades de pronto-atendimento. A atenção terciária à saúde representa
os serviços médicos e exames laboratoriais de alta complexidade que apresentam custos
geralmente elevados (OMS, 1978).
A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em
Alma-Ata, representou um marco introdutório para as reformas sanitárias em vários sistemas de
saúde. A implementação da APS foi incentivada pela OMS como estratégia para minimizar as
crescentes iniquidades sociais e de saúde em quase todos os países. Ela aborda os problemas
mais comuns na comunidade, oferecendo serviços de prevenção, cura e reabilitação para
maximizar a saúde e o bem-estar. Segundo a OMS, atenção primária à saúde compreende:
[...] cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e autodeterminação. [...] o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelos quais os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde (OMS, 1978, p. 1).
A definição de APS adotada pela Organização Mundial de Saúde foi adaptada para a
realidade brasileira, durante o processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS),
[...] conjunto de ações, de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação (BRASIL, 1999, p. 9).