• Nenhum resultado encontrado

1 PREMISSAS METODOLÓGICAS E DELIMITAÇÃO DO OBJETO

2.4 Os princípios que regem a atividade fiscalizatória tributária

2.4.2 Legalidade

O cânone da legalidade, inserido no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, anuncia que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Esta regra não é dirigida exclusivamente ao legislador, no sentido de exigir a definição de situações gerais e abstratas às quais se deve imputar consequências jurídicas, mas, também, ao Executivo e ao Judiciário, aos quais cabe aplicar o Direito às situações concretas e individuais. De acordo com o princípio em comento, especificamente no que tange à atividade fiscalizatória, toda a atuação dos agentes fiscais deve estar pautada

142 XAVIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro:

Forense, 2005, p. 166.

em lei autorizativa144. Neste sentido, por meio do exercício da função administrativa, os agentes fiscais emitem “comandos complementares, ou de atos integrativos, aos preceitos normativos abstratos com a finalidade de lhes dar completa e imediata operatividade”145 , 146, não existindo espaço para a

imposição de vontades pessoais147. Isto é, a Administração interpreta e aplica o direito positivo, conferindo-lhe máxima concretude, sendo que referidos atos de aplicação devem estar em completa sintonia com a lei que lhes fundamenta, sob pena de revisão pelo próprio órgão que o emitiu, em sede de controle da perfectibilidade dos atos de seus agentes, ou pelo Legislativo ou Judiciário148. A razão de ser deste princípio justifica-se na homenagem do ordenamento jurídico a um ideal de participação política dos particulares, sob o aspecto de que, na República, a vontade dos cidadãos é expressa por meio de seus

144 “A atividade administrativa é uma atividade muito mais assujeitada a um quadro

normativo constritor do que a atividade dos particulares. Esta ideia costuma ser sinteticamente expressada através das seguintes averbações: enquanto o particular pode fazer tudo aquilo que não lhe é proibido, estando em vigor portanto o princípio geral de liberdade, a Administração só pode fazer o que lhe é permitido. Logo, a relação existente entre um indivíduo e a lei, é meramente uma relação de não contradição, enquanto que a relação existente entre a Administração e a lei, é não apenas uma relação de não contradição, mas é também uma relação de subsunção” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 12-13).

145 ALESSI, Renato apud FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. São

Paulo: Malheiros, 1985, p. 25.

146 Delimitando o papel do administrador público e reforçando a importância do princípio da

legalidade, são as palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello: a função administrativa consiste na “função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 36).

147 “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na

administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 82-83).

148 “A função administrativa consiste no dever de o Estado, ou de quem aja em seu nome, dar

cumprimento fiel, no caso concreto, aos comandos normativos, de maneira geral ou individual, sob regime prevalente de direito público, por meio de atos e comportamentos controláveis internamente, bem como externamente pelo Legislativo (com o auxílio dos Tribunais de Contas), atos, estes, revisíveis pelo Judiciário” (FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1985, p. 29).

representantes no Legislativo, que estabelecem, por meio da introdução de enunciados prescritivos no sistema normativo, os parâmetros de quanto o indivíduo consente em concorrer com os gastos públicos e em que medida o fará149,150. Noutros termos, a função fiscalizatória se realiza na criação concreta da utilidade pública, de modo que o desempenho dessa atividade deve ser absolutamente vinculado à lei, pois é esta que expressa a vontade dos administrados151,152.

É importante apontarmos que o princípio da legalidade desdobra no princípio da motivação153, revelado no dever do agente fiscal de provar a ocorrência do fato jurídico tributário, expondo os motivos de fato e de direito que motivaram a expedição da norma individual e concreta que afirma ou infirma o fato jurídico tributário ou confirma a atividade do particular. Aqui, a relevância da motivação se justifica na circunstância de que o exame acerca da correta aplicação da lei aos específicos casos apenas pode ser aferida mediante a análise das razões que conduziram a produção normativa da autoridade fiscal ao termo do procedimento fiscalizatório.

149 Neste sentido, “nada do que faça o Estado é válido sem o consentimento dos governados”

(ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 181).

150 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 1997, p.

86.

151 “O Direito Administrativo não é um Direito criado para subjugar os interesses ou os

direitos dos cidadãos aos do Estado. É, pelo contrário, um Direito que surge exatamente para regular a conduta do Estado e mantê-la afivelada às disposições legais, dentro desse espírito protetor do cidadão contra descomedimentos dos detentores do exercício do Poder estatal” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 47).

152 “Quem criou o Estado foi o cidadão, quem atribuiu competências ao Estado foi o cidadão,

quem atribuiu meio – ação de tributar – foi o cidadão, e, portanto, este instrumento só pode ser exercido sob e nos termos do consentimento do cidadão” (GONÇALVES, José Artur Lima. Planejamento Tributário – Certezas e Incertezas. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. v. 10. São Paulo: Dialética, 2006, p. 270).

153 Neste sentido: “A rigor, o dever de prova do fato típico tributário titularizado pelos

agentes fiscais representa a dimensão processual do princípio da legalidade tributária, vale dizer, a demonstração objetiva, na forma e nos limites do devido processo legal (cuja eficácia alcança também a atividade administrativa no que esta atina à esfera jurídica dos indivíduos), do atendimento cabal às exigências normativas emanadas daquele princípio” (PONTES, Helenilson Cunha. O direito ao silêncio no Direito Tributário. In: FISCHER, Octavio Campos (Coord.). Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 89).

Neste sentido, para a prova da realização do fato e da subsunção à hipótese da norma tributária, é imprescindível a descrição do motivo do ato, consignando objetivamente a prova dos fatos-índices que se referem ao fato jurídico tributário, não podendo haver sombra de dúvida sobre a concreção do fato que dá causa à autuação administrativa.

Corroborando este dever de fundamentação, que milita como uma garantia do administrado em face da atuação do Estado, o Decreto nº 70.235/72, em seu artigo 10154, ao descrever os requisitos do documento que constitui as obrigações tributárias, elenca a descrição do fato, bem como a indicação da disposição legal infringida, atribuindo à ausência desses elementos a pena de nulidade do ato administrativo. Decerto, essas informações são fundamentais para a identificação da conduta constatada in concreto e tipificada pelo Direito Tributário, outorgando artifícios para o autuado consentir ou impugnar o crédito constituído, assim como para o julgador, seja em sede administrativa ou judiciária, decidir a respeito da subsunção do fato à norma.

No mais, não é exagero frisar que a prévia fixação das regras pertinentes à sua atuação também reforça princípios essenciais para o bom funcionamento da Administração, quais sejam, a moralidade e a impessoalidade, que prezam pela adstrita observância da legislação em detrimento de quaisquer condutas ensejadoras de benefícios próprios.