• Nenhum resultado encontrado

1 PREMISSAS METODOLÓGICAS E DELIMITAÇÃO DO OBJETO

2.4 Os princípios que regem a atividade fiscalizatória tributária

2.4.6 Verdade jurídica

Para além dos princípios trabalhados até este ponto, é de elementar importância a tratativa da construção da verdade jurídica, enquanto linha diretiva da atividade fiscalizatória. Em que pese a ausência de enunciado prescritivo explícito172 a respeito desta questão, é, além de lógica, indispensável a sua observância no desempenho da atividade fiscalizatória.

Ordinariamente, a verdade é classificada em material e formal, sendo aquela a correspondência entre a proposição e o acontecimento, e esta, a verdade construída em atenção a determinadas regras, mas vulnerável a divergir do evento a que se refere. Com fundamento nesta distinção, é comum o estabelecimento de um vínculo entre a verdade material e a fase administrativa tributária, tanto a precedente à aplicação das normas instituidoras de relações jurídicas em sentido estrito, quanto a contenciosa, e entre a verdade formal e o processo judicial, visto que naquele estágio são dispensadas certas formalidades impreterivelmente observadas no segundo.

172 Reitere-se: ausência de suporte físico explicitamente enunciado. Isso porque, em

conformidade com as premissas metodológicas adotadas, apesar de todos os enunciados terem a aptidão de suscitarem diversas interpretações na mente dos intérpretes e, portanto, serem, sob um ponto de vista, implícitos, diferencia-se aqui a positivação expressa, ou não, de determinados princípios.

Acerca da existência de princípios implícitos e, inclusive, ressaltando a sua importância e alçando-os à categoria de sobreprincípios, são as palavras de Paulo de Barros Carvalho: (os princípios) “algumas vezes constam de preceito expresso, logrando o legislador constitucional enunciá-los com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo para percebê-los e isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e os expressos não se pode falar em supremacia, a não ser pelo conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do intérprete, momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e de sobreprincípios” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 195-196).

Ocorre que, em conformidade com o nosso raciocínio, é impróprio falarmos em correspondência entre o evento e o seu relato, visto que o mundo das coisas e da linguagem não se tocam. Ademais, no que se refere ao Direito, é fundamental a análise do conteúdo das proposições para a aferição da verdade em nome da qual se fala, tornando-se inútil173 diferenciarmos as verdades material e formal.

Neste contexto, surge a ideia da verdade jurídica. Pelo emprego da linguagem prevista no sistema, com a observância do procedimento estabelecido também nas regras do ordenamento normativo, é construída a verdade jurídica174. Durante o momento fiscalizatório, a Administração constrói a sua concepção da verdade, e, nos processos administrativo e judicial, o juiz desempenha esse papel, sendo que, em ambas as ocasiões, são diversos os elementos que objetivam o reconhecimento do fato alegado como verdadeiro. Diante desses relatos, a título de representar a verdade, o Direito estabelece formas para a escolha da verdade que deve prevalecer no sistema jurídico.

Acerca desses elementos que subsidiam a convicção do positivador do Direito, é importante recordarmos que os acontecimentos factuais consistem em meros eventos passíveis de serem submetidos à intuição sensível dos indivíduos, sendo que a sua ocorrência é infinita e irrepetível. Apenas o registro do acontecimento factual propicia o seu conhecimento a sujeitos que não se

173 Como já mencionado no item 1.2.1. Construção de sentido do Direito, as classificações

são reveladas em arbitrariedades daquele que classifica, uma vez que os critérios empregados para a fixação de um discrímen entre os elementos que compõem determinado conjunto são relativos. Assim, não há classificação verdadeira ou falsa, válida ou inválida, mas, sim, útil ou inútil para o estudo a que se propõe o sujeito cognoscente.

174 Sobre o assunto, são as palavras de Fabiana Del Padre Tomé: “A verdade que se busca no

curso de processo de positivação do direito, seja ele administrativo ou judicial, é a verdade lógica, quer dizer, a verdade em nome da qual se fala, alcançada mediante a constituição de fatos jurídicos, nos exatos termos prescritos pelo ordenamento: a verdade jurídica. Daí por que leciona Paulo de Barros Carvalho46 que, “para o alcance da verdade jurídica, necessário se faz o abandono da linguagem ordinária e a observância de uma forma especial. Impõe-se a utilização de um procedimento específico para a constituição do fato jurídico”, pouco importando se o acontecimento efetivamente ocorreu ou não. Havendo construção de linguagem própria, na forma como o direito preceitua, o fato dar-se-á por juridicamente verificado e, portanto, verdadeiro” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 25).

fizeram presentes à época do seu ocorrido. Neste sentido, “o acontecimento propulsor do lançamento não está acessível à percepção da autoridade administrativa, já que sua ocorrência situa-se no passado e a sua vivência não se perpetua ao longo do tempo”175. Igualmente ao que se sucede no plano do

lançamento, em relação à aplicação das normas homologatórias da atividade do sujeito fiscalizado e impositivas de sanções administrativas, é imprescindível a constituição dos fatos jurídicos enunciados no antecedente dos dispositivos individuais e concretos. Essa construção, obrigatoriamente, deve estar pautada na linguagem probatória.

O sistema normativo prescreve o modo como as provas têm que ser colhidas e produzidas a fim de se tornarem habilitadas a fundamentar fatos jurídicos, sendo que, não obstante a existência de provas da ocorrência de determinado fato, é fundamental que a sua origem e produção tenham sido pautadas em diretrizes e regras previstas nos enunciados prescritivos, sob pena de violação do princípio da proibição da prova ilícita. Acerca da produção probatória no cenário jurídico, é o magistério de Paulo de Barros Carvalho:

[…] é algo pacífico, nos dias de hoje, expressar-se o direito positivo numa linguagem que lhe é privativa. […] dentro do limite da latitude semântica da expressão linguagem jurídica há segmentos do sistema em que os meios de manifestação comunicacional dos participantes ficam adstritos a fórmulas determinadas e adredemente estabelecidas, tendo em vista os valores de certeza e segurança que a ordem normativa visa a realizar. […] são restritos os modos de utilização da linguagem, tendo em vista a comprovação das ocorrências factuais. Nem todos os recursos da comunicação ordinária são admitidos para efeito de atestar a realização de sucessos nessas áreas.176

Enfim, a atividade fiscalizatória é pautada na busca pela verdade jurídica, frise- se, pela construção jurídica do relato de fatos vencedor, isto é, em

175 NEDER, Marcos Vinícius. O problema da prova na desconsideração de negócios jurídicos.

V Congresso Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: IBET, 2009, p. 690.

176 CARVALHO, Paulo de Barros. A Prova no Procedimento Administrativo Tributário.

conformidade com as regras do jogo normativo. Essas traduções, ensejadoras do surgimento dos fatos jurídicos, devem ser fundadas, obrigatoriamente, em provas produzidas no código previsto em lei e em atenção a procedimento específico.

3 ELEMENTOS DA NORMA DE COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA Como muito bem observado por Tárek Moysés Moussalem, “a expressão ‘ato de fala’ padece de plurivocidade significativa”177, sendo empregada em três

acepções: enunciado, ação e ato de produção de enunciados. Enquanto enunciado, o ato de fala no Direito é compreendido como as marcas de tinta no papel, o suporte físico de onde se partirá para a construção de uma significação. Na qualidade de ação, o ato de fala é visto pelo seu caráter performativo, que enfatiza o ato de dizer algo, mediante o qual também se faz algo. Por derradeiro, como ato de produção de enunciados, o ato de fala é empregado como enunciação, ato de enunciar.

A partir desta última acepção, os atos de fala no Direito são “as condutas caracterizadoras de tomadas de decisão, cujo resultado são os enunciados normativos postos no ordenamento”178

. No contexto do presente estudo, sobressai a importância dos atos de fala expedidos com a realização da atividade fiscalizatória.

Pois bem, esse processo de enunciação179 é regulado por uma norma de estrutura: a norma de competência fiscalizatória, que descreve na sua hipótese o fato de ser sujeito que atua em nome da Administração Pública, em determinadas coordenadas espaço-temporais, adotando regras formais e materiais do Direito, e, no seu consequente, a legitimidade de um sujeito fiscalizar e positivar enunciados prescritivos instituidores de relações jurídico- tributárias e o dever de toda a comunidade respeitar o exercício deste direito

177 MOUSSALEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses,

2006, p. 68.

178 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2011, p. 250.

179 Merece destaque a delimitação das definições dos termos enunciação, enunciado e

enunciação-enunciada: a enunciação é o ato de enunciar algo, o enunciado é a mensagem, enquanto suporte físico (no âmbito do direito é o texto das normas de conteúdo substantivo relacionadas com a matéria regulada) e, a enunciação-enunciada são as marcas da enunciação (ato de enunciar) que ficaram no enunciado (mensagem).

subjetivo de exigir a submissão à fiscalização desenvolvida dentro das regras previstas no sistema jurídico180.

Noutro discurso, a norma de competência fiscalizatória descreve um fato, que é o processo de enunciação necessário para a realização dos atos fiscalizatórios, e imputa a esse fato uma relação jurídica fiscalizatória181.

Em apurada análise dessa espécie normativa, Cristiane Mendonça e Tácio Lacerda Gama propõem modelos lógico-sintáticos de representação das normas de competência, ou seja, dos mandamentos que prescrevem como outras normas devem ser produzidas. No estudo do tema, Cristiane Mendonça aventa a seguinte estruturação:

Dsm

Nct = {Hct = (Cm+Ce+Ct)  Cct =[Cp(Sa+Sp) + Cda(Lf+Lm)]}182

Significando: na hipótese da norma de competência é descrito o fato de ser sujeito competente (Cm), dentro de determinada esfera territorial (Ce), em

específico marco temporal (Ct), a cuja tipificação imputa-se a autorização

(Dsm) para legislar, desde que respeitados específicos critérios delimitadores da autorização (Cda), isto é, observadas as restrições quanto à matéria (Lm) e

180 Adaptações das lições de Cristiane Mendonça, acerca da norma de competência tributária:

“Antecedente: Se for pessoa política constitucional no território brasileiro no tempo X. Consequente: Deve-ser a autorização (permissão ou imposição) para distintos sujeitos de direito (ocupantes de órgãos unipessoais ou colegiais), de acordo com determinados limites formais (relativos ao procedimento) e materiais (concernentes à substância dos enunciados a serem criados), editarem e revogaram (parcial ou totalmente) enunciados prescritivos instituidores de tributos – no plano geral e abstrato ou individual e concreto – e o dever jurídico de a comunidade respeitar o exercício de tal permissão (faculdade) ou o direito subjetivo de exigir o cumprimento da imposição (obrigatoriedade), em consonância com os limites (formais e materiais) previstos no sistema” (MENDONÇA, Cristiane. Competência Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 70).

181 Tácio Lacerda Gama, acerca da norma de competência tributária: “no antecedente dessa

norma, descreve-se um fato – o processo de enunciação necessário à criação dos tributos –, imputa-se a esse fato uma relação jurídica, cujo objeto consiste na faculdade de criar tributos” (GAMA, Tácio Lacerda. Contribuições de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 73).

procedimento (Lp), cujo conteúdo vinculará o sujeito enunciador (Sa) e seletos

sujeitos passivos (Sp).

Com os toques lapidares das lições de Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, Tácio Lacerda Gama expõe o seguinte esquema normativo para o estudo da competência legislativa:

Njurídica de competência = H {[s.p(p1, p2, p3, ...)].(e.t)}  R[S(s.sp).M(s.e.t.c)]183,

em cuja hipótese descrevem-se as características necessárias para o desempenho do papel de sujeito enunciador – s –, que deve adotar determinado procedimento – p(p1, p2, p3, ...) –, em específicas condições de espaço – e – e

de tempo – t. Da positivação dessa hipótese surge o fato jurídico exercício da competência, que institui a criação de um texto normativo sobre certa matéria, com limites subjetivos, espaciais, temporais e materiais em sentido estrito – M(s.e.t.c) –, sem que os sujeitos destinatários da norma – sp – possam impedir o enunciador – s – de exigir essa norma como válida.

Aproveitando-nos dos ensinamentos dos aludidos estudiosos, podemos, simplificadamente, constatar a presença de sete elementos essenciais para a disciplina da competência: o sujeito competente, em determinadas coordenadas espaçotemporais, adotando o procedimento previsto em lei, emite norma jurídica, que vincula um sujeito ativo a um sujeito passivo, numa relação abrangente de determinada matéria.

Suplantando esses ensinamentos para o estudo da particular competência fiscalizatória administrativa, em sentido estrito – competência para averiguar a configuração do fato jurídico ensejador da produção do ato do lançamento tributário e, eventualmente, da lavratura do Auto de Infração ou, ainda, da introdução de norma que homologa a atividade do sujeito fiscalizado –, comprometemo-nos, nos tópicos seguintes, a uma análise minuciosa dos

183 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da

critérios informadores da norma da qual deriva a fiscalização, que descreve o fato de determinada pessoa, em respeitadas coordenadas espaçotemporais, adotando específico procedimento, instaurar uma relação jurídico-fiscalizatória entre dois sujeitos.

3.1 O critério pessoal – Sujeito competente para aplicar as normas de