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1 PREMISSAS METODOLÓGICAS E DELIMITAÇÃO DO OBJETO

3.6 O critério prestacional – matérias em torno das quais podem ser

3.6.2 Quebra de sigilo bancário

Relembrando, é regra no procedimento fiscalizatório a obrigatoriedade do sujeito passivo fornecer à administração os documentos que lhe são solicitados. Este enunciado, contudo, alberga exceções desveladas nas situações em que as informações são pertinentes a garantias fundamentais. Aqui, trabalharemos uma hipótese deste tratamento diferenciado: a questão do sigilo bancário que, por suas particulares características, suscita, em algumas ocorrências, a mitigação da regra do dever de colaborar não só do contribuinte, mas também das instituições financeiras.

No mais das vezes, os dados bancários revelam detalhes íntimos daqueles que se utilizam dos incontáveis serviços prestados pelas instituições elencadas no inciso II do artigo 197292 do Código Tributário Nacional, pois viabilizam o conhecimento da situação econômico-financeira, a assoalhar, inclusive, diversos aspectos do indivíduo, entre os quais se destacam os hábitos pessoais, os projetos de vida e as opções religiosas. Em virtude dessas peculiaridades, essas específicas informações são protegidas pela ordem Constitucional, com

292 “Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as

informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros: […] II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras; […]”

supedâneo no artigo 5º, incisos X e XII293, que prescrevem a inviolabilidade da intimidade e dos dados, bem como pelo Código Tributário Nacional, o qual excetuou do dever de colaboração aqueles que detêm essa espécie de informações, nos termos do parágrafo único do artigo 197294.

Em razão dos mencionados enunciados prescritivos, que na verdade refletem os interesses de toda a sociedade 295 , já podemos adiantar que seria um contrassenso defender o acesso irrestrito de terceiros às informações bancárias em nome do interesse público. Sobre o assunto:

A rigor, inclusive, se faz equivocado enunciar sobre a rubrica “interesse público” pretensão que não encontre amparo constitucional. O interesse público não é o dos governantes de plantão, e sim o de toda a sociedade, cuja manifestação mais concreta se dá justamente no Texto Magno296.

Vige, então, o princípio pelo sigilo bancário, que, contudo, não é absoluto. Em que pese a defesa da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional pela inviolabilidade da intimidade e de dados pessoais, há situações concretas em que a conclusão de procedimento fiscalizatório depende vigorosamente de dados bancários. Nestas situações, é imprescindível a ponderação a respeito da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito297 da quebra do sigilo bancário em favor da atividade fiscalizatória.

293 “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; […] XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; […]”

294 “A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos

sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.”

295 Vide item 2.5.2. Legalidade.

296 MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial).

São Paulo: Dialética, 2014, p. 245.

Neste sentido, o artigo 38 da Lei nº 4.595/64298, recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com status de Lei Complementar, expressamente consagrava a proteção das informações bancárias. Com o advento da Lei nº 9.311/96299, que instituiu a CPMF, passou a ser exigível o fornecimento de informações bancárias para a constituição do mencionado tributo, posteriormente estendendo este dever para a constatação de demais créditos tributários, nos termos da Lei nº 10.174/01300. No mesmo diapasão, hodiernamente, a Lei Complementar nº 105/2001301 outorgou poderes ao Fisco para analisar a

298 “As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e

serviços prestados. § 1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma. § 2º O Banco Central da República do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo. § 3º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº 1579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central da República do Brasil. § 4º Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2º e 3º, deste artigo, deverão ser aprovados pelo Plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros. § 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente. § 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente. § 7º A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.”

299 “Art. 11. […] § 3° A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação

aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos.”

300 “Art. 11 […] § 3o A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação

aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.” (NR).

301 “Art. 6 As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.”

necessidade dos dados bancários para a conclusão do procedimento fiscalizatório e, ato contínuo, solicitar informações originariamente acobertadas pelo sigilo bancário e profissional. Com fundamento nessa disposição legal, desde que instaurado procedimento fiscalizatório e justificada a indispensabilidade dos documentos bancários, intentou-se tornar legítima a quebra do sigilo bancário pela autoridade administrativa.

Contudo, o juízo acerca da imprescindibilidade dessas informações está restrito ao Judiciário. É exclusivamente o Estado-Juiz, que atua de maneira imparcial, capaz de tomar conhecimento da situação concreta e escolher a solução que homenageia o tão prezado princípio da proporcionalidade302. No Estado Democrático do Direito, é o Judiciário o órgão apto a qualificar a medida da quebra do sigilo como essencial e indispensável para a consecução da fiscalização tributária, sendo que a Administração não guarda, em relação ao fiscalizado, posição equidistante, já que é parte diretamente interessada na constituição do crédito tributário303.

302 Ressalvando as situações submetidas ao crivo do Judiciário, são as palavras de James

Marins pela proteção aos dados bancários: “O dever de colaborar vai até o limite legal concernente às mesmas garantias que limitam os poderes de investigação da Administração tributária. Não estão os particulares, empresas ou instituições, obrigados a colaborar quando estiver em jogo a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, da residência, da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas. Exceto em obediência à ordem judicial” (MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 177).

303 Acerca da atuação do Estado em suas três esferas Legislativa, Judiciária e Executiva, são

as lições de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: “Naquelas ações, legislativa e executiva, na função que se denomina administrativa, o Estado-poder pratica atos jurídicos como ‘parte’, isto é, em obra própria, espontânea, através da função pública que lhe compete, ao passo que nesta ação judicial, na função que se denomina jurisdicional, como ‘terceiro’, substituindo de maneira eminente, através da função pública, a atividade das próprias partes, que não conseguiram, por si mesmas, harmonizar os respectivos interesses.” (MELO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 25).

E, especificamente sobre o papel desempenhado pela Administração: “Atente-se que, se caso fosse permitido à Administração tributária a possibilidade de quebrar o sigilo dos cidadãos estar-se-ia a centrar na mesma figura os papéis de parte e de juiz, o que não se admite em se tratando de respeito a direitos fundamentais da pessoa humana” (MARINS, James, op. cit., p. 251).

Assim, não é demais reforçar: nas relações entre os fiscalizados e a Administração rege a regra do dever de colaborar e informar. Contudo, específicas informações, mormente as bancárias, são protegidas constitucionalmente, sendo legítima a recusa no fornecimento de tais dados. Excepcionalmente, em virtude da essencialidade da referida documentação à fiscalização, é necessária a delimitação concreta da extensão das garantias individuais, eventualmente fazendo voltar a valer a regra pela obrigatoriedade do dever de colaborar e informar. Essas situações extraordinárias apenas podem ser concretizadas por meio de pronúncia jurisdicional, visto que apenas o Estado-Juiz é órgão capaz de ponderar imparcialmente os interesses das partes e aplicar, ao caso individualizado, a solução que melhor atenda aos interesses gerais.

No mesmo sentido do raciocínio exposto é a solução conferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 15 de dezembro de 2010, nos autos do Recurso Extraordinário nº 398.808304. Observe-se, entretanto, que há decisões judiciais em sentido contrário305 e que a questão teve a repercussão geral reconhecida,

304 “SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º

da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte” (RE 389808, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05- 2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218 RTJ VOL-00220- PP-00540) Em agosto de 2014, o recurso ainda se encontrava pendente de julgamento de Embargos de Declaração.

305 Inclusive submetida ao rito dos recursos repetitivos, em sede do qual a legalidade do

preceito legal restou implícita, uma vez que a análise se restringiu à aplicação das normas no tempo: REsp nº 1134665/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009.

Considerando julgada a questão pelo Superior Tribunal de Justiça, é a recente ementa: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. IRPF. EXTRATOS BANCÁRIOS. RENDIMENTOS NÃO JUSTIFICADOS. ARBITRAMENTO. APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 42 DA LEI N. 9.430/96. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI N. 8.021/90. PRECEDENTES. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. SIGILO BANCÁRIO. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LC N. 105/01 E DA LEI N. 10.174/01. POSSIBILIDADE. […] 5. O Tribunal de origem firmou

em 22 de outubro de 2009, afetando o Recurso Extraordinário nº 601.314, pendente de qualquer manifestação. E, ainda, que são cinco as Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas contra o artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001306, todas pendentes de julgamento.

entendimento no sentido de que a quebra do sigilo bancário, prevista na Lei Complementar n. 105/01 e na Lei n. 10.174/01, não depende de prévia autorização judicial e que é possível sua aplicação, inclusive retroativa. 6. O entendimento está em harmonia com a jurisprudência do STJ, firmada em recurso repetitivo, no julgamento do REsp 1.134.665/SP (DJe 16.3.2011), relatoria do Min. Luiz Fux, no sentido de que “as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores.” Agravo regimental improvido” (AgRg no AREsp 473.896/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 02/04/2014).

CONCLUSÕES

Os estudos desenvolvidos nesta dissertação não esgotam os questionamentos que o tema afeto ao regime jurídico da fiscalização tributária propicia, tampouco pretendem acenar para a definitividade dos raciocínios desenvolvidos. Com arrimo nessas ponderações, é a síntese conclusiva:

Capítulo 1 – Premissas Metodológicas e Delimitação do Objeto

01. Para o desenvolvimento de uma pesquisa que se pretende científica são fundamentais a indicação do método adotado para a aproximação do objeto de estudo e a demarcação do assunto que será analisado. A fixação das premissas metodológicas confere uniformidade ao pensamento e possibilita o controle da coerência do raciocínio construído, e a delimitação do objeto marca de maneira acurada os limites da experiência sobre a qual incide a proposta cognoscitiva. (O conhecimento e o constructivismo lógico-semântico)

02. O método proclamado neste trabalho é o constructivismo lógico- semântico, cujo primeiro fundamento é a filosofia da linguagem, à qual se acrescenta o estudo da sintaxe e semântica dos elementos que compõem o discurso, imprescindivelmente perpassando pelo aspecto pragmático da língua, para a construção de sentido da realidade.

(O estudo do Direito a partir das premissas metodológicas do constructivismo lógico-semântico)

03. Na senda do constructivismo lógico-semântico podemos diferençar quatro planos que podem ser objeto de estudo: do evento, do fato, do direito positivo e da ciência do direito. É objeto do nosso estudo o âmbito do direito positivo, composto por um conjunto de enunciados prescritivos, mais especificamente dos dispositivos legais que tratam da fiscalização tributária.

04. As disposições prescritivas carecem da atuação de um intérprete, o qual, percorrendo o percurso gerador de sentido proposto por Paulo de Barros Carvalho, entra em contato com as marcas de tinta no papel (S1), construindo proposições isoladas (S2), estruturadas na fórmula lógica hipotético- condicional (S3) e organizadas em relações de coordenação e subordinação (S4).

05. Numa acepção ampla, a expressão norma jurídica pode designar as três diferentes unidades do sistema jurídico em seus domínios S1, S2, S3 e S4: enunciados do direito positivo, significação deles construída e significação deonticamente estruturada. Já sob um viés estrito, as normas jurídicas são as significações de sentido deôntico completo, estruturadas na forma lógica hipotético-condicional, construídas a partir da linguagem prescritiva do direito, verificadas nos estágios S3 e S4 do percurso gerador de sentido.

06. A norma jurídica completa é formada por duas normas em sentido estrito: uma norma primária, que estatui direitos e deveres materiais, e outra secundária, que sanciona o inadimplemento da primeira.

07. A norma primária contém, no seu antecedente, a descrição de um fato e, no seu consequente, uma relação diádica entre sujeitos com direitos e deveres materiais correlatos.

08. Adotando o esforço classificatório de Aurora Tomazini de Carvalho, podemos fracionar as normas primárias em: precedente, derivada punitiva e derivada não punitiva. A norma primária precedente prescreve na sua hipótese um fato lícito e na sua consequência uma relação entre sujeitos com direitos e deveres. As normas primárias derivadas pressupõem a existência de uma norma primária precedente e vinculam as mesmas partes envolvidas na relação adjacente à incidência e aplicação da norma primária precedente, sendo que a punitiva descreve um ilícito decorrente do inadimplemento da obrigação constituída pela incidência e aplicação da norma primária precedente e prescreve uma relação sancionatória, e a norma primária derivada não punitiva

descreve o cumprimento da obrigação constituída pela norma primária precedente e instaura uma relação sem as notas da punibilidade.

09. A norma secundária, por sua vez, prescreve uma providência coercitivo- sancionatória aplicável pelo Estado-juiz na hipótese de descumprimento das normas primárias. No antecedente da norma secundária é descrito um fato ilícito, representado pela inobservância de um dever constituído pela incidência de uma norma primária, instituindo uma relação entre o sujeito ativo da relação jurídica não adimplida e o órgão judicial, que atuará coercitivamente forçando o sujeito passivo da relação jurídica surgida com a aplicação da norma primária a satisfazê-la.

10. Partindo do referencial teórico que adotamos, podemos afirmar que as normas jurídicas não produzem os seus efeitos de maneira automática e infalível, como propunha Pontes de Miranda. O processo de positivação do direito positivo pressupõe a existência e atuação de um sujeito, que interpreta os enunciados prescritivos, construindo e escolhendo a norma aplicável ao caso concreto, segundo a versão que ele próprio desenha do fato social, com base nos enunciados que o relatam.

(A delimitação do objeto)

11. O signo é uma relação triádica entre um suporte físico (parte material do signo), um significado (representação individualizada do signo) e uma significação (ideia suscitada na mente daquele que entra em contato com o signo). As palavras são signos da espécie simbólica, arbitrariamente construídas: daí a relevância da explicitação do sentido que se lhes atribui. 12. O conceito de um termo é a significação suscitada na mente do intérprete, e a definição é o conceito demarcado linguisticamente.

13. Para a definição do conceito da expressão fiscalização tributária são imprescindíveis algumas anotações a respeito das relações jurídico-tributárias. Da incidência e aplicação da legislação tributária nascem duas espécies de

relações jurídicas: obrigação tributária e dever instrumental. Sob um ponto de vista, ambas têm a mesma finalidade, qual seja, constituir o tributo. As normas prescritivas de deveres instrumentais são aplicadas para inserir na realidade jurídica linguagem que viabiliza o conhecimento acerca dos acontecimentos factuais e o controle do fiel cumprimento da prestação tributária; e as normas que enunciam obrigações principais, que pressupõem o tecido de linguagem produzido pelo cumprimento dos deveres instrumentais, são positivadas, constituindo o crédito tributário.

14. São exemplos de espécies de obrigações tributárias aquelas decorrentes da incidência e aplicação das regras-matrizes de incidência do ISS e do ICMS, e, de deveres instrumentais, a escrituração de livros, inscrição em cadastro de contribuintes, apresentação de declarações, promoção de levantamentos físicos, econômicos ou financeiros, não recebimento de mercadorias desacompanhadas de nota fiscal, manutenção de dados e documentos fiscais e, inclusive, a sujeição à fiscalização realizada pela Administração, que é o objeto de estudo do presente trabalho.

15. A fiscalização tributária pode acontecer em dois momentos distintos: antes da constituição inaugural do crédito tributário, pretendendo afirmar a ocorrência do fato jurídico tributário, ou posteriormente à constituição da relação obrigacional pelo próprio contribuinte, daí com o objetivo de infirmar a atividade do fiscalizado (e aplicar sanções administrativas) ou confirmá-la (e homologar a conduta do particular).

16. Numa acepção estrita, a fiscalização tributária é o conjunto de atos investigativos concretizados pela Administração, necessariamente vinculados a uma forma prevista na lei, que, no mais das vezes, culmina com a produção de uma norma individual e concreta que constrói fatos jurídicos (tributários ou sancionatórios) ou homologa a atividade desempenhada pelo particular, pois subsome o relato do fato social à descrição normativa presente na hipótese de uma norma primária tributária. Sob uma perspectiva ampla, a fiscalização

compreende todos os atos realizados a pretexto de afirmar o fato jurídico tributário e os seus exatos contornos, ou infirmar ou confirmar a atividade do particular, sem a imprescindibilidade de vinculação do ato investigativo a um procedimento específico, tampouco a uma finalização conclusiva acerca dos fatos fiscalizados. O discrímen escolhido para a diferenciação entre a fiscalização tributária em sentido amplo e em sentido estrito repousa na vinculação da atividade administrativa a um procedimento específico, que geralmente se encerra com a introdução no sistema jurídico de uma norma