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LEVANDO DESTINOS TÃO ILUMINADOS DE SIM

No documento Mulher, história, psicanálise (páginas 168-170)

Em 1915, Freud publica um artigo intitulado Os instintos e suas vicissitudes41, onde afirma que a pulsão pode ser vista como um "estímulo psíquico" que surge de dentro do próprio organismo (Ferenczi?). Trata-se de um impacto constante sobre o psiquismo, do qual não é possível fugir. O estímulo pulsional pode ser definido como uma necessidade, só podendo ser eliminado através da satisfação. Freud exprime então o "princípio da constância", segundo o qual "o sistema nervoso é um aparelho que tem por função livrar-se dos estímulos que lhe chegam, ou reduzi-los ao nível mais baixo possível; ou que, caso isso fosse viável, se manteria numa condição inteiramente não estimulada" (Freud, 1974c, p. 140).

Se, para livrar-se dos estímulos externos, o sistema nervoso precisa apenas comandar movimentos musculares de fuga, não é possível aplicar este mecanismo aos estímulos pulsionais, que se originam de dentro do organismo. Nesse caso, é preciso modificar o mundo externo de forma a obter satisfação. Freud afirma que a pulsão exibe uma "pressão" (quantidade de força), um "alvo", um "objeto" e uma "fonte". O alvo da pulsão é sempre a satisfação, que pode ser obtida através de vários caminhos (alvos intermediários). O objeto é aquilo que permitirá a satisfação, sendo bastante variável, podendo ser parte do corpo do indivíduo, e também modificar-se com o fim de atingir a satisfação. Havendo, contudo, uma ligação muito rígida entre uma pulsão e determinado objeto, isto irá representar uma fixação. A fonte da pulsão é o processo somático que provoca o estímulo (Freud, 1974c, pp. 140-143).

Quanto aos tipos de pulsão, Freud afirma que, embora seja possível usar os conceitos de pulsão lúdica42, de pulsão de destruição, de pulsão gregária, etc., trata-se de motivações pulsionais tão especializadas que permitem uma decomposição, de acordo com as suas fontes. Somente as pulsões primordiais, que não podem ser ulteriormente decompostas, é que são importantes. Propõe que se distingam dois grupos de pulsões primordiais: as do ego, ou autopreservativas, e as sexuais. Afirma, contudo, que isso não

40 Da música As minhas meninas, de Chico Buarque.

41 O título deste artigo, no original em alemão, é Triebe und Triebschicksale que, na tradução para o

espanhol, torna-se Pulsiones y destinos de pulsión (Freud, 1998b, p. 105). Em português seria, portanto, algo como: "A pulsão e seus destinos" ou "Pulsões e destinos da pulsão".

é um postulado, mas uma suposição, uma hipótese de trabalho, surgida no tratamento das "neuroses de transferência", que revelam um conflito entre as exigências sexuais e as do ego. Analisando as pulsões pelo foco da biologia, afirma que, na relação sexual, estariam em atividade as duas pulsões, pois a busca de prazer relaciona-se à pulsão sexual e a função de perpetuação da espécie relaciona-se à pulsão do ego (Freud, 1974c, pp. 144-145).

Segundo Strachey (1974b), Freud utiliza, pela primeira vez, a expressão "pulsão egóica", em um artigo de 1910: A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica

da visão. Nesse texto, identifica a "pulsão do ego" tanto com os impulsos de

autopreservação, quanto com a função recalcadora. Passa a haver, desde então, sob a pena de Freud, um conflito entre a "pulsão sexual" e a "pulsão do ego". Em O caso

Schreber, de 1911, Freud diferencia libido de "investimentos do ego" ("interesses em

geral"). Ao introduzir, no artigo Sobre o narcisismo: uma introdução (de 1914), o conceito de narcisismo, surge uma complicação, pois Freud apresenta a idéia de "libido de ego", em contraste com a "libido objetal". Apenas em Além do princípio do prazer, de 1920, Freud irá reconhecer explicitamente que a "libido de ego" é uma manifestação da força da pulsão sexual, devendo ser identificada com a necessidade de autopreservação, mas irá continuar sustentando a existência de pulsões do ego e pulsões objetais não libidinais. Surgirá, então, seu conceito de "pulsão de morte". Somente em

O mal estar na civilização, de 1930, dispensará especial atenção aos impulsos

agressivos e destrutivos, que irá considerar derivados da pulsão de morte pois, antes disto, a agressividade estará ligada a elementos libidinais, como no sadismo e no masoquismo (pp. 133-134).

Tendo sido feita, anteriormente, a discussão sobre a autopreservação como um instinto sem relação com o narcisismo, resta ver a oposição, feita neste texto (de 1915), entre "pulsão egóica" e "pulsão libidinal". A serem levadas em conta as asserções de Strachey, o próprio Freud irá reconhecer, posteriormente, que a "pulsão egóica" é também uma pulsão sexual. Até porque, o termo "libido de ego", deixa claro que se trata de um investimento sexual em si mesmo. Vale contudo ressaltar que, já em seus Três

ensaios... (1989b, p. 176), Freud falava de uma "pulsão de dominação". Se,

posteriormente, Freud irá considerar que os impulsos agressivos se encontram em relação com a pulsão de morte, isto demonstra o abandono de uma posição, e não

apenas a introdução de uma nova hipótese. A pulsão de dominação parece ser, contudo, a única a estar realmente desvinculada da sexualidade. Nos animais irracionais, o instinto de dominação aparece em toda a sua conduta, independente do cio, visando especificamente sua predominância sobre os outros membros da espécie. Evidentemente, este instinto pode aparecer também ligado ao coito. No ser humano, pode-se chamar este instinto de pulsão, pois os caminhos e objetos possíveis para a obtenção de sua satisfação (tal qual na pulsão sexual) são os mais diversos possíveis.

Segundo Gay (1999), a mudança que Freud realiza, desde seu texto Sobre o

narcisismo..., da divisão entre "pulsões do ego" e "pulsões sexuais" (explicitada desde

1910) para "libido do ego" e "libido do objeto", provoca uma certa reação nervosa em seus discípulos mais próximos, especialmente em Jones. O nervosismo decorreria do fato de que, a partir dessa modificação, não haveria para Freud nada no ser humano que não tivesse uma base sexual. Ao menos até o desenvolvimento da noção de "pulsão de morte" (pp. 316-317).

Freud prossegue seu texto afirmando que a pulsão pode ter os seguintes destinos: reversão a seu oposto; retorno em direção ao próprio eu; recalcamento; sublimação. Considerando a existência de forças motoras que podem impedir que uma pulsão atinja seu alvo sem modificações, Freud identifica, nos dois primeiros destinos possíveis, formas de defesa contra a pulsão (Freud, 1974c, p. 147).

No documento Mulher, história, psicanálise (páginas 168-170)