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MAS, E AGORA, O QUE É QUE EU FAÇO?

No documento Mulher, história, psicanálise (páginas 106-110)

Em 1898 Freud publica um texto intitulado A sexualidade na etiologia das

neuroses. Após anos de pesquisas exaustivas, diz poder afirmar que as causas mais

importantes de todos os casos de neurose poderiam ser encontradas na vida sexual. Deixando claro não ser esta uma teoria original, advoga, contudo, a necessidade de que deixe de ser negada (Freud, 1987, p. 236).

Neste texto, Freud promove a diferenciação entre neurastenia e neurose de angústia – que irá nominar de "neuroses atuais" – e as psiconeuroses. Na neurastenia e na neurose de angústia, os fatores etiológicos pertencem à vida sexual atual do paciente ou, ao menos, ao período de sua vida desde a maturidade sexual até o presente (vale lembrar que um dos fatores preponderantes nas dificuldades sexuais deste período histórico é a inexistência de contraceptivos adequados). Por outro lado, as dificuldades sexuais que se encontram na etiologia das psiconeuroses terão sua ocorrência num período anterior ao desenvolvimento da maturidade sexual. Ora, isso irá determinar o resultado da inquirição feita pelo médico, ou seja: apenas nas neuroses atuais pode-se esperar obter do paciente respostas claras e imediatas que permitam desvendar os fatores sexuais etiológicos de sua "doença". Para se chegar ao conhecimento da etiologia das psiconeuroses, o caminho será mais tortuoso (Freud, 1987, pp. 236-240).

Nesta obra, Freud irá também pontuar os sintomas e a etiologia da neurastenia e da neurose de angústia, a saber:

9 Recalcamento ou recalque: operação pela qual a pessoa procura manter inconscientes determinadas

representações (que podem aparecer em forma de pensamentos, imagens, recordações), devido ao fato destas provocarem algum tipo de desprazer – culpa, por exemplo (Laplanche & Pontalis, 2000, p. 430).

Neurastenia: pressão intracraniana, propensão à fadiga, dispepsia, constipação, etc.; etiologia: masturbação excessiva.

Neurose de angústia: ansiedade, inquietação, vertigem locomotora, agorafobia, insônia, grande sensibilidade à dor, etc.; etiologia: abstinência sexual ou satisfação incompleta – devida ao coito interrompido, à excitação "não consumada", e outros motivos, incluindo aí também a masturbação (Freud, 1987, p. 240).

Há casos também em que os sintomas, bem como as situações motivadoras dessas duas formas de neurose atuais, se combinam. Sendo a masturbação, na opinião de Freud, a fonte causadora da neurastenia e, por vezes, da neurose de angústia, ele irá posicionar-se duramente quanto ao tratamento recomendado:

A masturbação é muito mais comum entre as meninas crescidas e os homens maduros do que se costuma supor, e tem efeito nocivo não só por produzir sintomas neurastênicos, mas também por manter os pacientes vergados sob o peso do que eles consideram ser um segredo vergonhoso. [...] Arrancar o paciente do hábito da masturbação é apenas uma das novas tarefas terapêuticas impostas ao médico que leva em conta a etiologia sexual dessa neurose; e parece que precisamente essa tarefa, tal como a cura de qualquer outro vício, só pode ser efetuada numa instituição e sob supervisão médica. [...] Pois a necessidade sexual, uma vez despertada e satisfeita por algum tempo, não pode mais ser silenciada; só pode ser deslocada10 por outro caminho. Aliás, o mesmo se aplica a todos os

tratamentos para romper com um vício (Freud, 1987, p. 246).

Se a masturbação é a causa da neurastenia na juventude e se, mais tarde, ela adquire importância etiológica também para a neurose de angústia, devido à redução de potência que acarreta, então a prevenção da masturbação em ambos os sexos é uma tarefa que merece mais atenção do que tem recebido até agora. Quando refletimos sobre todos os danos, dos mais graves aos mais insignificantes , que provêm da neurastenia [...] verificamos que, positivamente, é de interesse público que os homens ingressem nas relações sexuais com toda sua potência. Em matéria de profilaxia, entretanto, o indivíduo está relativamente desamparado. Toda a comunidade precisa interessar-se pelo assunto e dar seu apoio à criação de regulamentos genericamente aceitáveis. No momento, estamos ainda muito longe dessa situação que prometeria alívio, e é por esse motivo que podemos justificadamente considerar a civilização como também responsável pela difusão da neurastenia (Freud, 1987, p. 248).

Pode-se também justificadamente considerar que Freud não encontra a resposta para esta questão por considerá-la um problema unicamente dos homens, não das

10 Deslocamento: possibilidade da importância ou da intensidade de uma representação destacar-se dela

para passar a outras, ligadas à primeira por uma cadeia associativa, segundo uma teoria econômica da libido. O deslocamento ocorre nos sonhos, na formação dos sintomas neuróticos, e nas formações do inconsciente de modo geral (Laplanche & Pontalis, 2000, p. 116).

mulheres. Se os homens precisam de sexo, se não é possível esperar até o casamento sem nenhum tipo de satisfação sexual (dentro do casamento há o problema da concepção indesejada, que será visto em seguida), então com quem os homens deveriam ter relações sexuais? Com as prostitutas? Mas elas não são, também, mulheres? E não parece o caso de Freud defender a prostituição. Parece então que, neste texto, o criador da psicanálise se encontra dividido entre aquilo que considera saudável, recomendável e "normal", e aquilo que considera moralmente adequado. Além disso, parece dar pouco valor ao fato de ser justamente a repressão social da masturbação o que leva o praticante do onanismo a sentir-se tão envergonhado e culpado por seu ato, sendo de longe estes sentimentos o que de pior pode ocorrer como conseqüência desta atividade.

No caso da neurose de angústia provocada pelas tentativas conjugais de evitar filhos, usando para isso de métodos que, como já visto, Freud condena, caberia ao médico induzir o paciente a adotar relações sexuais "normais". Ou seja, o médico deverá tomar a si a tarefa de decidir em que condições se justifica o uso de técnicas preventivas de concepção – tendo em vista que alguns casais já as utilizam após o nascimento do primeiro filho, ou mesmo a partir da noite de núpcias – e também orientar no sentido de quais técnicas são prejudiciais ou não. Mas aí ele esbarra no fato de nenhum método contraceptivo da época ser capaz de satisfazer inteiramente os requisitos – ser ao mesmo tempo seguro e cômodo, não diminuir a sensação de prazer e "não ferir a sensibilidade da mulher". Assim, Freud considera uma tarefa importante para a comunidade médica o desenvolvimento de métodos contraceptivos adequados: "Quem preencher esta lacuna em nossa técnica médica terá preservado o prazer da vida e mantido a saúde de inúmeras pessoas, muito embora, é verdade, tenha também preparado o terreno para uma drástica mudança em nossas condições sociais" (Freud, 1987, pp. 247-248).

Freud afirma também que, ao solicitar do paciente acometido de uma neurose atual a confirmação de suas suspeitas quanto à etiologia sexual de seus sintomas, o médico deve insistir, não se deixando enganar pelas recusas iniciais. A idéia de que se poderia, por insistência, levar um paciente "psiquicamente normal" a acusar-se falsamente de "delitos sexuais", pode ser descartada como perigo imaginário. Nos raros casos em que a etiologia sexual está realmente ausente, trata-se de algum problema físico, não sendo, portanto, um caso de neurose (Freud, 1987, p. 241).

Há casos em que a psiconeurose aparece associada a uma neurose atual, o que Freud chama de neurose mista. Diante deste quadro, deve-se separar os quadros clínicos, levando-se em conta que a predominância da neurose de angústia demonstra que a doença surgiu sob a influência de uma perturbação atual, mas que o paciente estava predisposto ao aparecimento da psiconeurose – devido a um fator etiológico do passado. Deve-se tratar da neurose atual, ignorando a psiconeurose, pois ela possivelmente irá ser superada concomitantemente. Caso isto não aconteça, deve-se proceder à busca pelo motivo desencadeante no passado do paciente (Freud, 1987, p. 250).

Neste texto, Freud irá também posicionar-se contrariamente ao uso comum de uma justificativa hereditária para as neuroses, afirmando que, com isto, poder-se-ia desistir de levar ao paciente alguma ajuda. Reafirma a existência da vida sexual nas crianças, mas, afirma também que:

[A] organização e a evolução da espécie humana se esforçam por evitar uma ampla atividade sexual durante a infância. Aparentemente, no homem, as forças pulsionais sexuais destinam-se a ser armazenadas, de modo que, com sua liberação na puberdade, possam servir a grandes fins culturais. (W. Fliess.) Uma consideração dessa espécie possibilita compreender por que as experiências sexuais na infância estão fadadas a ter um efeito patogênico. Mas, no momento em que ocorrem, elas só produzem efeito em grau muito reduzido; muito mais importante é seu efeito retardado, que só pode ocorrer em períodos posteriores do crescimento (Freud, 1987, p. 250).

Esta afirmação parece mostrar que, se Freud considera usual algum tipo de atividade sexual infantil, também considera que ela deve ser socialmente inibida. E, a não ser que esteja se referindo novamente a sua "teoria da sedução", a idéia de que a atividade sexual infantil é prejudicial, e de que a pulsão sexual pode ser armazenada desde a infância até a puberdade não irá condizer com suas futuras formulações a este respeito.

Ainda neste texto, Freud irá nominar o seu método de psicanalítico, e dirá que, com as mudanças introduzidas no método de sugestão, pode-se esperar a cura real da histeria, e não apenas a eliminação dos seus sintomas. Aproveita para rebater as críticas quanto a seu método (descrito sumamente em Estudos sobre a histeria), dizendo ser este extremamente difícil e que deveria ser aprendido, não deduzido deste seu texto anterior (Freud, 1987, p. 251).

Em 1899, baseado em sua nova teoria sobre o inconsciente, centrada, como já visto, no recalcamento e no complexo de Édipo, Freud escreve A interpretação dos

sonhos, um de seus livros mais importantes, a ser publicado neste ano, em novembro,

porém com a data do ano seguinte (Gay, 1999).

No documento Mulher, história, psicanálise (páginas 106-110)