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Low cost fares – a génese das companhias aéreas de baixo custo?

Parte VI – Conclusões, contributos e recomendações

3. O conceito low cost e a sua relação com as low cost carriers 1 Introdução

3.3. Low cost fares – a génese das companhias aéreas de baixo custo?

O presente ponto visa caracterizar não só os aspetos inerentes ao desenvolvimento dos voos/companhias aéreas low cost nos primórdios da aviação, mas igualmente evidenciar que, há muito, as companhias aéreas tradicionais estavam a tomar iniciativas idênticas

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visando oferecer preços mais baixos aos passageiros, de modo a estimular a procura nos seus voos, apesar das limitações impostas pela regulamentação da altura.

Como se constata nos pontos seguintes, o fenómeno low cost, em aviação, já perdurava desde os anos 1940, embora com outro tipo de enquadramento. Tratava-se, no fundo, de introduzir a classe turística (também conhecida como classe económica) nos voos, mas onde algumas das características atuais do produto das companhias aéreas de baixo custo foram, como se evidencia, desenvolvidas nesses anos.

Foi a Capital Airlines5 quem, em novembro de 1948, introduziu o primeiro serviço

aéreo em classe turística nos E.U.A., denominado por “nighthawk”, em voos entre Chicago e Nova Iorque, com tarifas 2.30 Usd superiores aos preços praticados pelos comboios, mas com poupanças de quase 12 horas no tempo de viagem.

O serviço era realizado durante a noite, com um serviço sem refeições e sem qualquer tipo de serviços adicionais (passengers were willing to fly at night, with no meals and no-frills) (Lloyd, 1977, p. 6). Hood (1948, citado em Lloyd, 1977) considerava, num artigo publicado na Aviation Week de 4 de outubro de 1948, que este novo serviço da Capital Airlines era o desenvolvimento mais importante na aviação doméstica (dos E.U.A.) desde a guerra.

Como mencionado por Lloyd (1977), os voos “nighthawk” foram um enorme sucesso, ajudando a empresa a sair de uma situação financeira menos favorável e tornando o serviço aéreo acessível a mais pessoas do que até aí tinha acontecido. Patterson (1956) considerou que a Capital beneficiou grandemente da nova política mais liberal do Civil Aeronautics Board (CAB), levando a que duplicasse o tráfego nos seus voos noturnos Do mesmo modo, “(...) The impact of Capital’s contribution is evident in today’s coach class, now used by the majority of air travelers, and in the existence of no-frills airlines such as People Express, Inc6. from the 1980s or today’s Southwest Airlines.” (Lloyd,

1977, p. 6)

5 Em 1961, a Capital Airlines entrou num processo de fusão com a United Airlines (Lloyd, 1977).

6 People Express foi uma companhia aérea de baixo custo americana que operou entre os anos de 1981

e 1987, ano em que foi integrada na Continental Airlines. A PEOPLExpress voltou ao mercado em 30 de junho de 2014 (Brancatelli, 2014), mas suspendeu os seus serviços a 26 de setembro desse mesmo ano (Langfield, 2014).

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Na reunião da IATA, nas Bermudas, em novembro de 1948, foi criado um comité executivo especial para estudar a problemática das tarifas turísticas, que poderiam entrar em vigor a partir de outubro de 1949 (estudo que deveria ser apresentado na reunião seguinte, em maio desse mesmo ano). Esse comité iria igualmente estudar a introdução de novas tarifas de época baixa (out-of-season travel), tarifas de excursão, assim como, outros meios de reduzir os custos com o transporte aéreo (Flight, 1948b, p. 654). Aliás, já em setembro, as companhias aéreas se tinham reunido informalmente, em Londres, para discutir a introdução de tarifas mais baixas nas rotas do Atlântico Norte (Flight, 1948a).

Foi também no ano de 1948 que a Pan American recebeu a autorização do CAB para a realização do primeiro cheap scheduled service entre Nova Iorque e Porto Rico. Em finais de 1951, nove companhias americanas já operavam 64 voos domésticos diários, entre 34 cidades, com preços mais acessíveis (Flight, 1952c).

Ainda em 1949, a 6 de maio, a Pacific Southwest Airlines (PSA) iniciou as suas operações aéreas, no Estado da Califórnia (E.U.A.), em voos inter-estaduais num voo entre San Diego e Oakland com escala em Burbank (Renga, Mentges & San Diego Air and Space Museum, 2010, p. 21). Atendendo ao seu modelo de negócio, oferecendo tarifas baixas e um serviço simpático (o seu slogan era “The World’s Friendliest Airline”) em rotas de médio curso, é considerada a primeira companhia aérea de baixo custo (Calder, 2006)7.

Também em 1949 (Flight, 1949) a American Airlines anunciava que iria fazer uma redução generalizada das suas tarifas transcontinentais, após o sucesso do “first low-fare service between New York and Los Angeles” (p. 654). Esses novos voos estariam, embora sujeitos a aprovação do CAB, previstos começar a 27 de dezembro desse ano. A mesma notícia refere que “elimination of the meals usually served in flight and simplified reservation, ticketing and loading arrangements have been worked out specifically for this plan (...)”.

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Na Conferência de Tráfego da IATA (Flight, 1951b), ocorrida em dezembro de 1951, em Nice (França), uma das principais decisões tomadas pelas companhias aéreas presentes foi a introdução de tarifas mais económicas na classe turística entre a Europa e a América do Norte e dentro da Europa, com aplicação a partir de maio de 1952 (inicialmente previstas a partir de outubro de 1952, como tinha sido aprovado na anterior reunião, em maio de 1951 – Flight, 1952c).

Mesmo assim, a notícia refere que as companhias aéreas representadas na reunião de Nice tinham acordado que as tarifas mais baixas nos serviços em classe turística só poderiam ser possíveis desde que eliminassem algumas das mais luxuosas concessões (some of the more luxurious amenities) oferecidas aos passageiros. Deste modo, a concessão de bagagem seria reduzida para os 20 kgs nos voos do Atlântico Norte, o catering seria simplificado e as refeições seriam pagas pelos passageiros (Flight, 1951b, p. 817). Por outro lado, também os agentes de viagens veriam a sua comissão reduzida dos 7,5% para bilhetes de primeira classe para os 6% para as reservas mais económicas. Também nos voos da Europa se previam as mesmas situações, com as companhias aéreas a eliminarem as refeições a bordo, assim como, o transporte gratuito entre o aeroporto e o terminal de passageiros na cidade (Flight, 1951a).

Entrava-se numa nova era da aviação, com a introdução dos novos aviões a jato (high speed first-class jet-airliner services), que proporcionavam maior rapidez e comodidade e, por outro, a introdução de tarifas mais baixas (nos voos do Atlântico Norte), o que levava a um aumento do número de passageiros (Flight, 1952b).

Dados apurados, na altura, apontam para o sucesso da introdução destas novas tarifas. A companhia inglesa British Overseas Airways Corporation (BOAC) informava, em agosto de 1952, que os dois primeiros meses após a introdução do serviço trans- atlântico mostravam um aumento do volume de passageiros na ordem dos 37%, sendo mais significativo na rota Nova Iorque – Londres, onde tinha atingido um crescimento de 64% (Flight, 1952a).

Na Europa, como aprovado na conferência de Cannes (França), em novembro de 1952, os novos níveis tarifários entrariam em vigor a partir de abril de 1953, com as tarifas a serem 20 a 30 por cento mais baratas que no verão anterior (Flight, 1953). A generalização das novas tarifas e o novo serviço turístico generalizou-se a outras regiões com a BOAC a anunciar cortes tarifários, a partir de abril, nas suas rotas para o Médio

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Oriente, a partir de outubro para a Índia, Paquistão, Ceilão (atual Sri Lanka) e África do Sul e para a região da Ásia e Pacífico, a partir de abril de 1954.

O desenvolvimento da aviação, nesses anos, como espelhado no editorial da revista Flight de 18 de abril de 1958 (Flight, 1958a) não deixava grandes dúvidas quanto ao processo de expansão da aviação mundial. A conferência da IATA em Cannes, em 1956, tinha aprovado mais uma vaga de novas tarifas, com a criação, a partir de abril de 1958, de uma “high-density low fare” tourist class (Flight, 1956), mais tarde, ratificada em Paris (França), e redenominada como “economy” fare, com um nível tarifário 20% abaixo da tarifa turística8. Dados apresentados num artigo na revista da OMT (World

Travel-Tourisme Mondial, 1958) mostravam que, nas rotas do Atlântico Norte e para os meses de abril a junho, a nova classe económica tinha absorvido 59,6% do tráfego, com 19,4% do tráfego na classe turística e 21% na primeira classe.

Se, por um lado, se assistia à necessidade de empreender novas discussões sobre diferenciais de preços, devido à introdução de novos aviões a jato versus os aviões turbo-hélice, também era igualmente reconhecido que, para que a indústria se expandisse, o maior requisito para aumentar os volumes de tráfego seria através da redução das tarifas e o único meio para reduzir tarifas era reduzir custos (Flight, 1958a). Em novembro de 1958, a companhia aérea Eagle Aviation anunciava que tinha solicitado ao Air Transport Advisory Council (Reino Unido) autorização para operar voos em certas rotas coloniais com um preço que era cerca de metade das tarifas aéreas existentes na altura (Flight, 1958b). Estavam lançadas as bases para aquilo que se viria a designar por V.L.F. – Very Low Fares –. O pedido da Eagle Airways foi acompanhado, já em 1959, pelas empresas Airwork e Hunting-Clan (Flight, 1959). No entanto, estas tarifas estavam inicialmente circunscritas às empresas aéreas dos territórios coloniais. A entrevista do chairman da British European Airways (BEA), Lord Douglas, em 1960, deixava claro os progressos feitos na aplicação de conceitos “no-frills” numa comparação com o que acontecia com os caminhos-de-ferro britânicos: “we think we have gone a long way already towards implementing no–frills bus travel. Our high-

8 Esta nova tarifa começou inicialmente, nas conferências de Cannes e Miami (E.U.A.), por ser

apelidada de tarifa de 3ª classe (third-class fare), tendo sido redenominada, como referido, para tarifa económica (economy fare) na reunião de Paris (Flight, 1957).

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density Viscounts are now operating, without catering, on the London-Glasgow and London-Edinburgh routes at off-peak fares. There are no drinks, no food or refreshments, but there is adequate room. Stewardesses are not carried, but there is a flight clerk. I expect that these no-frills services will be generally extended by next spring.” (Flight, 1960, p. 483).

Nessa mesma entrevista, o chairman da BEA focou ainda alguns aspetos operacionais importantes quanto ao ticketing (com a possibilidade de compra de bilhetes até embarcar no avião – may be possible to buy tickets “at the bottom of the steps”), assim como, ao transporte de bagagem, cuja situação estava em estudo e onde se deveria encontrar um equilíbrio entre a redução dos custos de manuseamento de bagagens e o aumento dos tempos de rotação dos aviões.

Já em 1971, a British Caledonian solicitou a aprovação de uma tarifa descontada para voos domésticos (low-fare domestic price), para voos sem reservas, sem serviço de bordo e com possibilidade de descontos para grupos (tal como já acontecia nos E.U.A. com a Eastern Shuttle ou a Allegheny Commuter) (Flight, 1971a).

Mas tal como acontecia para voos regionais ou de curta duração, como aquando do lançamento da Southwest Airlines no interior dos E.U.A., criada em 1967, mas com início das suas operações apenas em 1971, também a tendência de voos low cost se estendeu aos voos de longo curso.

Foi a Laker Airways (empresa criada em 1966 por Freddie Laker – Flight, 1966) que, em 1971, deu o “pontapé de saída” para os primeiros voos de baixo custo de longo curso entre Londres e Nova Iorque. Tal como noticiado pela revista Flight da época (8 de julho de 1971 – Flight, 1971b) “Mr. Freddie Laker, chairman and managing director of Laker Airways, announced his airline application last week for a new low-fare, no- -frills scheduled service between London and New York”.

O preço proposto, para tarifas one-way, era de 37,50 libras esterlinas no verão e de 32,50 libras no inverno (Flight, 1971b).

No entanto, após uma longa batalha legal, por causa do protecionismo às companhias aéreas instaladas, só a 26 de setembro de 1977, a Laker Airways e o seu serviço Skytrain, entretanto batizado, conseguiu iniciar as operações, período que se mostrou

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crítico à empresa com milhões de prejuízos acumulados devido às indefinições no arranque das operações (Flight, 1977).

Em fevereiro de 1982, a Laker Airways cancelou todos os seus voos tendo entrado em processo de falência. Dos motivos alegados para esta situação, além dos prejuízos acumulados ao longo dos anos de espera de início das operações, também as restantes companhias aéreas regulares começaram a oferecer serviço idêntico no mercado, o que levou à perda de diferenciação da Laker Airways (Flight, 1982).

Como se verifica, mesmo que não intencionalmente nos primódios do seu aparecimento, a problemática das companhias aéreas de baixo custo, surge da necessidade de adequar a oferta de serviços para estimular novas realidades da procura. Os modelos mais elaborados e construídos numa lógica de baixo custo, para rotas de proximidade, rapidamente evoluíram para outros padrões, nem sempre conseguidos, na altura, como o caso emblemático da Laker Airways.

3.4. Low cost carriers – A importância dos processos de liberalização para o