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Parte VI – Conclusões, contributos e recomendações

3. O conceito low cost e a sua relação com as low cost carriers 1 Introdução

3.4. Low cost carriers – A importância dos processos de liberalização para o desenvolvimento da aviação comercial

3.4.2. O processo de liberalização nos Estados Unidos da América

Em 1938, o President Roosevelt assinou a lei que iria, durante largos anos, servir de base ao desenvolvimento do transporte aéreo nos Estados Unidos da América, estabelecendo o Civil Aeronautics Board (CAB), uma entidade independente, cuja autoridade previa três principais áreas de regulação: 1) a aprovação de novas rotas (definindo quais as rotas a serem voadas e quais as companhias aéreas designadas para

9 Dada a importância para a compreensão do tema, apresentam-se no Anexo 3 as diferentes liberdades

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explorar esses serviços aéreos); 2) a aprovação e definição de preços (estabelecendo ou suspendendo os preços que deveriam ser considerados justos e razoáveis); e, 3) a definição das regras da concorrência (nomeadamente ao nível do antitrust) (Dempsey & Goetz, 1992, p. 167).

Como se compreende, muitos dos procedimentos do CAB assentavam em dois processos: 1) determinar o número de companhias aéreas que o mercado poderia suportar (com rentabilidade razoável); e, 2) designar, entre as várias companhias aéreas, aquela(s) que deveria(m) explorar esses mercados (grandfather certificates) (Dempsey & Goetz, 1992).

Apesar de o objetivo inicial, aquando da criação do CAB, fosse uma implementação cautelosa, mas liberal, do acesso ao mercado, permitindo às novas empresas aéreas que competissem num mercado em expansão, as práticas seguidas pelo CAB, pelas regras regulatórias extremamente restritivas, acabaram por condicionar – e muito – o acesso a esse mesmo mercado.

Em 1975, o congresso americano criou uma subcomissão, liderada pelo Senador Edward Kennedy, para avaliar a liberalização da indústria do tranporte aéreo americano. O forte controlo exercido pelo CAB na aprovação de novas companhias aéreas e rotas, o controlo exercido sobre os preços, mantidos administrativamente em níveis elevados e as restrições apresentadas ao nível da concorrência, com muitas rotas a serem mantidas artificialmente e com redução de serviço, apenas levaram a “aumentos de preços e pior serviço” (Dempsey & Goetz, 1992, p. 176).

Entre 1969 e 1974, o CAB impôs uma moratória recusando toda e qualquer autorização para novas rotas, reforçando o poder das quatro principais companhias aéreas americanas (big four) na época – United, American, Eastern e TWA –, um dos principais pontos de reflexão, como abordado no relatório da Subcomissão (Kennedy Report) (Caves, 1976).

Por outro lado, como referido por Caves (1976), aquando da sua análise ao Kennedy Report, a comparação efetuada com os Estados da Califórnia e do Texas, onde existiam companhias aéreas a efetuar voos inter-estaduais sem controlo regulamentar do CAB (como era o caso da Southwest Airlines no Estado do Texas e da Pacific Southwest Airlines – PSA – na Califórnia) e as rotas fixadas administrativamente, mostrava preços

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mais baixos nessas rotas inter-estaduais na ordem dos 30 a 50%, devido a melhores níveis de ocupação nesses voos. Do mesmo modo, melhores load factors, além de permitirem tarifas mais baixas, indiciavam tráfego adicional, sem perda de serviço e de voos nesses Estados (pp. 733-734).

Por último, o Congresso identificou igualmente que os consumidores desejavam voos com preços mais baixos e que o aumento de rotas e da competição no mercado, levaria as companhias aéreas a oferecer esses preços mais baixos (Dempsey & Goetz,1992). Como mencionado pelo Secretário de Estado dos Transportes dos Estados Unidos da América, John W. Barnum, aquando das audições públicas da subcomissão, “(...) Many passengers would prefer the opportunity to select carriers based on price in addition to type of service. Some passengers would prefer high-load factor, low-frill, low-fare service. Others are willing to pay for more comfortable and more costly service. Present procedures do not produce that variety of price and service options. Often, present regulation causes fares well above those which would occurring a more competitive air transportation market. With prices fixed at levels above market rates, carriers compete on the basis of service. (…)” (Kennedy Report, 1975, p. 6).

A subcomissão presidida pelo Senador Edward Kennedy concluiu que o sistema tradicional de regulação aérea: (1) causou tarifas aéreas consideravelmente mais altas do que deveriam ser; (2) resultou numa séria má alocação de recursos; (3) encorajou a ineficiência nas companhias aéreas; (4) recusou aos consumidores o leque de preços e serviços que estes desejariam; e, (5) criou uma tendência crónica para um excesso de capacidade na indústria (Dempsey & Goetz,1992, p. 176).

Aliás, como referem estes autores, foram muitos os economistas que, ao longo dos anos 1960 e 1970 criticaram o excesso de regulação do transporte aéreo nos E.U.A., principalmente no que respeitava a preços e à sua concorrrência, a barreiras à entrada de novas companhias aéreas (o que levava a preços inflacionados) e a lucros mantidos artificialmente nas companhias aéreas existentes.

Em 1978, o Presidente Jimmy Carter assinou o Airline Deregulation Act que, além de desmantelar a base regulamentar que mantinha a indústria aérea pouco competitiva (apesar de, já ao longo de 1978, o CAB conceder inúmeras licenças e flexibilidade

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tarifária num esforço para encorajar as empresas a oferecerem preços mais baixos) previa igualmente o fim do CAB, a partir de 1985 (Dempsey & Goetz, 1992, p. 193). Até à assinatura do Airline Deregulation Act existiam apenas 3 companhias aéreas de baixo custo nos E.U.A., todas inter-estaduais e como tal não sujeitas às regras do CAB, como eram os casos da PSA e Air California, ambas na Califórnia, e Southwest Airlines no Texas (Chowdhury, 2007). Como referem Renga et al. (2010), com o Air Deregulation Act de 1978, a PSA foi finalmente autorizada a abrir rotas para outros Estados, como foram os casos dos voos para os Estados do Nevada, Utah e Arizona (p. 8).

O processo de liberalização trouxe benefícios evidentes para o mercado. De acordo com Button (1998), na década seguinte à desregulamentação, o tráfego cresceu 55% (se medido em Revenue Passenger Miles (RPM) o seu crescimento foi superior a 60 por cento), enquanto o emprego subiu 32 por cento.

Scharpenseel (2001) evidencia igualmente que o aumento da concorrência no setor da aviação comercial dos E.U.A. traduziu-se num decréscimo tarifário de 40%, em termos reais nas diferentes rotas, em todas as tarifas reguladas antes da desregulamentação. Em 1986, a tarifa média por passageiro (em milhas) era 25% menor que a tarifa média anteriormente regulada.

Também Borenstein e Rose (2013) constataram que, entre 1978 e 1988, o yield (receita por lugar ponderada pela distância voada) doméstico caiu, em termos reais, a uma taxa média ponderada de 2% ao ano, enquanto o tráfego de passageiros (RPMs) cresceu a uma taxa de 6,1% ao ano. Nas duas décadas subsequentes (23 anos seguintes), o yield, a preços reais, decresceu 1,9% ao ano, enquanto o tráfego (RPMs) cresceu a uma taxa média ponderada de 2,4%.

Robson (1998), que tinha sido chairman do CAB, entre 1975 e 1977, e que iniciou o processo de desregulamentação, ao fazer um balanço dos vinte anos (de sucesso) da implementação do Deregulating Act, salientou os ganhos havidos em termos de redução tarifária (cujas tarifas médias caíram consistentemente ao longo dos anos, com decréscimos superiores a 40%, ajustada a inflação); poupanças anuais aos clientes do transporte aéreo estimadas em 12,4 mil milhões de Usd, a que se juntariam mais 10,3 mil milhões de Usd de poupanças pela redução do tempo de viagem; crescimento do

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tráfego transportado, mais do que duplicando face aos 275 milhões de passageiros domésticos em 1978 (600 milhões de passageiros em 1997); maior concorrência no mercado, traduzida por um maior número de companhias aéreas a operar e um maior número de rotas; aumento do emprego em aviação em mais de 50%, desde 1978; e, aumento da presença de pequenas companhias aéreas a explorar rotas locais (commuters).