• Nenhum resultado encontrado

Parte VI – Conclusões, contributos e recomendações

3. O conceito low cost e a sua relação com as low cost carriers 1 Introdução

3.4. Low cost carriers – A importância dos processos de liberalização para o desenvolvimento da aviação comercial

3.4.3. O processo de liberalização na Europa

O processo de liberalização na Europa foi mais complexo em relação ao dos E.U.A., devido à existência de diferentes países e diferente legislação aplicada em cada um deles, distâncias mais curtas dentro de cada país e pela existência das suas próprias companhias de bandeira. O mercado era regulado por acordos bilaterais que impunham regras restritivas ao nível tarifário, rotas e frequências, capacidades e acessos ao mercado (Almeida & Costa, 2012).

As alterações, em termos da regulamentação, aconteceram por duas vias: por um lado, através da renegociação dos acordos bilaterais de serviço aéreo entre os vários países europeus e, por outro lado, pelas ações levadas a cabo pela Comissão Europeia ou Tribunal Europeu de Justiça, favorecendo o multilateralismo (Doganis, 2010).

O Tratado de Roma, assinado em março de 1957, já previa a criação de uma “common transport policy for all modes of transport”, onde se incluía, em particular no seu art. 84º, n.º 2, o transporte aéreo (Haanappel, 1992).

O primeiro grande passo no processo de liberalização aconteceu em maio de 1984, entre o Reino Unido e a Holanda, a que se seguiram acordos bilaterais liberais com outros países europeus, como foram o caso dos acordos do Reino Unido com a Alemanha Federal (1984), a França, Bélgica e Suiça (1985) e a Irlanda em 1986 (Doganis, 2010; Morrell, 1998).

A livre entrada de novas companhias aéreas no mercado, livre acesso a qualquer ponto em qualquer dos países pelas companhias designadas, inexistência de controlo ao nível das capacidades (dos aviões) e um regime tarifário aberto (double disapproval, ou seja, as tarifas propostas por uma companhia aérea de um Estado para uma rota internacional consideram-se operativas, exceto se ambos os governos as desaprovarem (Doganis,

-66-

2006, p. 34)), foram as principais alterações aos acordos de serviço aéreo (Doganis, 2010).

Desde 1975 que a Direção Geral de Transportes da Comissão pretendia uma maior abertura nos processos de liberalização (Doganis, 2010), só conseguidos com a adoção, em 25 de julho de 1983, da Diretiva do Conselho 83/416/CEE, relativa à autorização de serviços aéreos regulares inter-regionais (Jornal Oficial da Comunidade Europeia [JOCE], 1983), onde se pretendia desenvolver o tráfego aéreo intracomunitário e em rotas regionais, de forma a contribuir para o desenvolvimento das regiões na Comunidade Europeia. A abertura a acordos mais liberais entre países, como aconteceu, em 1984/85, primeiramente entre a Holanda e o Reino Unido e rapidamente espalhando-se a outros países, veio dar mais força a novas medidas de liberalização impostas a partir de 1988 (Morrell, 1998).

No entanto, foi com a assinatura do “Acto Único Europeu”, a 28 de fevereiro de 1986, que entrou em vigor a 1 de julho de 1987, que foram criadas as bases para o desenvolvimento mais integrado da construção europeia. De acordo com o art. 13º que aprova o Ato Único Europeu (JOCE, 1986), “A comunidade adoptará as medidas destinadas a estabelecer progressivamente o mercado interno durante um período que termina em 31 de Dezembro de 1992 (...)”.

Em 31 de dezembro de 1987, foi publicado no JOCE, o primeiro de três pacotes de medidas para a construção do processo de liberalização do espaço aéreo (JOCE, 1987; 1990; 1992), cuja informação se resume na Tabela 3, na página seguinte. A Europa, decidiu, deste modo, implementar medidas graduais que criassem as condições para que as companhias aéreas se pudessem adaptar ao mercado e à concorrência (Scharpenseel, 2001), iniciando a abertura com bandas de variação tarifária e novos aeroportos a poderem ser operados sem restrições comerciais.

No dia 1 de abril de 1997, em função da prorrogativa concedida pelo n.º 2 do art. 3º do Regulamento (CEE) n.º 2408/92 do Conselho, de 23 de julho de 1992, onde “(...) nenhum Estado-membro será obrigado, antes de 1 de Abril de 1997, a conceder direitos de cabotagem dentro do seu território a transportadoras aéreas comunitárias licenciadas por outro Estado-membro (...)”, ficou concluído o processo de liberalização na Europa, permitindo às companhias aéreas aceder a toda e qualquer rota no espaço

-67-

europeu, determinar as capacidades a oferecer e fixar as tarifas que desejassem (Almeida & Costa, 2012).

Tabela 3

Pacotes de liberalização do transporte aéreo na Europa

1º Pacote 2º Pacote 3º Pacote

JOCE L374, 31 dez 1987 JOCE L217, 11 ago 1990 JOCE L240, 24 ago 1992

Regulamento (CEE) n.º 3975/87 do Conselho de 14 de dezembro de 1987 (regras de concorrência) Regulamento (CEE) n.º 3976/87 do Conselho de 14 de dezembro de 1987 (acordos e práticas concertadas) Directiva 87/601/CEE do Conselho de 14 de dezembro de 1987 (tarifas entre Estados- Membros)

Decisão do Conselho de 14 de dezembro de 1987 (partilha da capacidade e acesso às rotas)

Regulamento (CEE) n.º 2342/90 do Conselho, de 24 de julho de 1990 (tarifas dos serviços aéreos regulares)

Regulamento (CEE) n.º 2343/90 do Conselho, de 24 de julho de 1990 (acesso às rotas e partilha da capacidade) Regulamento (CEE) n.º 2407/92 do Conselho, de 23 de julho de 1992 (concessão de licenças) Regulamento (CEE) n.º 2408/92 do Conselho, de 23 de julho de 1992 (acesso às rotas) Regulamento (CEE) n.º 2409/92 do Conselho, de 23 de julho de 1992 (tarifas aéreas) Regulamento (CEE) n.º 2410/92 do Conselho, de 23 de julho de 1992, que altera o Regulamento (CEE) n.º 3975 /87 (regras de concor-rência) Regulamento (CEE) n.º 2411/92 do Conselho, de 23 de julho de 1992, que altera o Regulamento (CEE) n.º 3976 /87 relativo (acordos e de práticas concertadas)

Fonte: Elaboração própria a partir do Jornal Oficial da Comunidade Europeia (JOCE)

Tal como nos E.U.A., também a Europa sentiu que o processo de liberalização foi positivo quer para as companhias aéreas quer para os consumidores. Numa análise empreendida pela ICAO (2003), no período entre 1993 (pré-liberalização) e 2000 (pós- liberalização), assistiu-se ao aumento do número de companhias aéreas europeias (mais 6%, passando, nesse ano, para as 131), ao aumento do número de pares de cidades servidas (12%), ao aumento anual do número de voos domésticos (49%) e intracomunitários (88%), ao aumento da capacidade anual disponibilizada em voos

-68-

domésticos (44%) e intracomunitários (138%) e ao aumento da quota de mercado das companhias aéreas de baixo custo (de 0,6% em 1993 para os 12,9% no verão de 200210).

O estudo da ICAO coloca grande tónica no desenvolvimento que a liberalização do espaço aéreo europeu permitiu às companhais aéreas de baixo custo, ao salientar que “Perhaps of greatest importance in the start-up activity has been the emergence of low- -fare no-frills airlines which have now taken 10% of the total domestic and intra-EU market and which are rapidly expanding. For the present the no-frills airlines are mainly based in the UK and Ireland where their share is even more significant; in 2001, for example, the no-frills airlines carried 25% of the traffic on routes between the UK and other EU Member States and 22% of the total domestic traffic in the UK” (ICAO, 2003, p. 6).

Dados da Intervistas (2006) evidenciam que a criação do mercado único veio criar 44 milhões de novos passageiros, até 2002, em 681 voos adicionais, ou seja, um crescimento na ordem dos 33%, contrastando com os aumentos históricos entre 4 a 6 por cento. Do mesmo modo, o mesmo estudo aponta para impactos económicos de 85 mil milhões de Usd no crescimento do PIB europeu e para a criação de 1,4 milhões de novos postos de trabalho (Full Time Equivalents – FTEs).

No entanto, Scharpenseel (2001) considera que o processo de liberalização na Europa não levou a alterações tão profundas como as que se verificaram nos E.U.A.. Mesmo assim, salienta que os principais efeitos fizeram-se sentir na maior flexibilidade tarifária e num maior número de rotas operadas dentro da Europa.

Mas o impacto mais significativo do processo de liberalização do espaço aéreo comunitário foi o estímulo às companhias aéreas de baixo custo. O grande crescimento dá-se a partir de ano de 2001 (nesse ano, a capacidade de lugares disponibilizada pelas companhias aéreas de baixo custo era de 6,4%, mais 0,4 pontos percentuais que em 2000). O grande motivo para esse crescimento decorreu da abertura da primeira base operacional da Ryanair fora do Reino Unido, mais precisamente em Charleroi (Bélgica) em abril de 2001, com o baseamento de dois aviões e a abertura de seis novas rotas,

10 No caso das companhias aéreas de baixo custo os dados apresentados referiam-se ao verão iata 2002.

As companhias aéreas representativas eram a Bmibaby, Buzz, Debonair, easyJet, Go, Ryanair e a Virgin Express (ICAO, 2003). Atualmente só a easyJet e Ryanair operam no mercado.

-69-

levando a que o número de passageiros, nesse aeroporto, tenha aumentado dos 200 mil em 2000 para os 773,4 mil em 2001 (Echevarne, 2010). Em abril de 2015, a Ryanair abriu a sua 72ª base operacional, no aeroporto de Ponta Delgada (Ryanair, 2014), tendo já anunciado a abertura de novas bases em Berlin-Schoenefeld, em Gotemburgo, em Milão-Malpensa, em Santiago de Compostela, em Corfu e em Ibiza, naquela que será a sua 76ª base operacional (tendo igualmente encerrado as suas duas bases na Dinamarca, por discordância laboral naquele país).

De modo a enfatizar a importância destes processos de liberalização e atendendo ao número elevado e crescente de companhias aéreas de baixo custo em todo o mundo, optou-se por apresentar uma análise sobre duas companhias aéreas líderes em cada um dos continentes (e que já têm vindo a ser objeto de enquadramento nos pontos anteriores).

A escolha sobre a Southwest Airlines (Anexo 5) e sobre a Ryanair (Anexo 6) teve em atenção critérios de antiguidade e liderança no mercado, assim como, a manutenção da sua atual operação. Se é certo que nos E.U.A. existiram companhias aéreas pioneiras no modelo de operação low cost, também é sabido que essas companhias há muito deixaram de operar. No caso da Europa, pela importância para a investigação, a escolha da Ryanair teve implícito o mesmo critério – companhia low cost mais antiga em operação – juntando-se-lhe um outro fator não menos importante, ou seja, o facto de ter sido a primeira companhia aérea a criar uma base operacional em Portugal.