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Parte VI – Conclusões, contributos e recomendações

3. O conceito low cost e a sua relação com as low cost carriers 1 Introdução

3.2. O conceito low cost – sua génese e enquadramento conceptual

A tradução literária de low cost, ou seja, baixo custo não é, como define Combe (2014), suficiente para que uma empresa se torne ipso facto “low cost”. Do mesmo modo, baixar os preços também não a qualifica como “low cost”. Como considera, os fundamentos do low cost parecem assentar num paradoxo onde se olha, acima de tudo, para os custos e a oferta mas, por outro lado, parte da equação passa pelos consumidores e pela procura.

Combe (2014) caracteriza low cost como um movimento de abertura da oferta visando produtos funcionais, sem ostentação e sofisticação, com base na formulação de uma proposta simples, estandardizada, traduzida em baixos custos de produção e, como tal, em preços mais baixos. Como afirma “le low cost marque le retour à une forme de simplicité originelle des produits.” (p. 12).

Sendo certo que a terminología low cost surge, quase sempre, associada ao lançamento de companhias aéreas de baixo custo, existem alguns autores que consideram que o fenómeno low cost vai para além dessa caracterização redutora.

Rosenthal (1985) advogava que os processos de desindustrialização (passagem do setor dos produtos para o setor dos serviços) e de desenvolvimento das novas tecnologias levariam a uma polarização de rendimentos, com impacto direto na classe média na segunda metade dos anos 1990.

Gaggi e Narduzzi (2011) consideram que, com o fim da classe média, se entra numa nova era caracterizada por:

 Uma classe abastada e muito “patrimonializada”, com condições de consumo elevadas;

 Uma classe de tecnocratas com rendimentos médios ou altos e com capacidade de consumo (mais com base em consumos personalizados de valor acrescentado e aquisições decididas na conveniência do preço pedido);

 Um sociedade massificada de rendimentos médios ou baixos, mas à qual a indústria low cost garante acesso a bens e serviços anteriormente apenas reservados a classes sociais superiores (Ryanair society ou sociedade do “low cost”);

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 Uma sociedade com escasso poder de compra, com consumos de bens de primeira necessidade ou garantidos pelos serviços sociais (pp. 21-22).

Como referem os autores, “Se fosse necessário identificar um lugar ou uma região do planeta onde o desaparecimento da classe média é vivido, mais que em qualquer outra, com profunda dificuldade ou até com uma sensação difusa e comum de medo, essa seria, sem dúvida, a Europa.” (Gaggi & Narduzzi, 2011, p. 85).

Os autores advogam ainda que a difusão da oferta de produtos e serviços low cost aumenta o poder de compra dos salários, cujos consumidores estão muito mais interessados no binómio preço-teor prático do consumo. Aliás, o cliente low cost é um cliente nómada, mudando facilmente de fornecedor se e quando disso retirar vantagens, tentando maximizar o seu rendimento pelo maior número de bens e serviços (Gaggi & Narduzzi, 2011).

Também Beigbeder (2007) colocava a tónica do poder de compra dos franceses face ao crescente desemprego e à alteração profunda dos padrões de consumo, sendo que competia igualmente ao poder público assegurar uma resposta durável às reivindicações sobre esse mesmo poder de compra. Se, do ponto de vista do mercado, se poderia desenvolver ainda mais a concorrência com o acesso de novas empresas ao mercado, também era certo que, o desenvolvimento de um modelo económico low cost deveria ser difundido, no seu conjunto, na economia francesa.

Mas a força do “low cost” residia, acima de tudo, na manutenção de preços baixos de forma durável e, por outro lado, satisfazendo as exigências dos consumidores, cujo comportamento se alterou radicalmente: a procura de produtos simples com qualidade. A simplificação do produto não implica uma qualidade menor, mas sim uma otimização dos meios de produção, de distribuição ou de promoção visando oferecer um preço baixo (Beigbeder, 2007, p. 153).

O autor reconhecia, já nessa altura, que o low cost conhecia uma expansão em quase todos os setores da economia francesa. Com efeito, com exceção do luxo, o low cost tinha entrado na vida das pessoas desde os serviços de “(...) coiffure, la banque directe, les hôtels, les forfaits touristiques, etc mais également dans l’industrie de biens de consommation, avec notamment la voiture «low cost» et bientôt la maison «low cost». Enfin, le «low cost» connaît également une forte expansion dans le domaine de la

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distribution que ce soit avec le hard discount alimentaire ou le commerce en ligne” (p. 2).

O mesmo raciocínio é desenvolvido por Combe (2011) ao considerar que, além do setor aéreo, o low cost tende a difundir-se para numerosas atividades, com especial incidência para a distribuição alimentar, jardinagem, cabeleireiro, automobilismo, publicidade, banca direta, seguros, artigos de desporto, etc.. Como refere o autor, as empresas low cost tendem a inspirar-se nas receitas aplicadas pelas companhias aéreas de baixo custo, ou seja, redefinição dos contornos do produto ou serviço, simplificação levada ao extremo e “opcionalização” dos atributos considerados como secundários (p. 69). Com exceção dos produtos de luxo e de alta tecnologia, a maior parte das atividades dedicadas ao consumo das famílias oferecem, com maior ou menor desenvolvimento, produtos low cost.

Deste modo, Combe considera a “lógica do modelo low cost”, partindo da redefinição das necessidades dos consumidores, que leva à simplificação dos produtos e “opcionalização” dos atributos (pagos à parte, como suplemento), à baixa dos custos de produção, o que implica a baixa de preços e, por conseguinte, ao aumento dos volumes vendidos (p. 6).

Nota-se, no entanto, uma evolução no sentimento de Combe (2014) quanto à difusão do low cost, considerando mesmo, que o low cost é afinal uma revolução paradoxal passando de um modelo dominante de consumo e produção para uma realidade mais limitada onde, além do transporte aéreo e, em menor escala, no setor dos telefones móveis ou do hard discount, é um mercado de nicho. Como menciona, de forma clara, “En dehors des secteurs de l´aérien et, dans une moindre mesure, de la téléphonie mobile et du hard discount, le low cost reste encore un business model assez marginal (...)” (pp. 16-17).

Para Valls (2013), a procura e oferta low cost generalizaram-se transversalmente a todo o tipo de produtos e foi a tendência dominante na primeira década do século XXI. De acordo com o autor, numa alusão às companhias aéreas de baixo custo, as novas companhias começaram a oferecer estruturas simplicadas de preço (no-frills prices), assentes num serviço básico, dinâmico, produtos baratos e com redução de custos em todas as áreas. Esta nova realidade alterou decisivamente o comportamento dos

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consumidores e as suas perceções, ou seja, os consumidores procuram produtos, caros ou baratos, que lhes ofereçam valor.

Aliás, Valls (2008) advoga que foi a alteração da conceção dos consumidores sobre a variável preço, que deixou de ser apenas um atributo do produto, para se tornar na variável fundamental enquanto impulsionadora para a tomada de decisão na compra. Como refere o autor, primeiramente nas companhias aéreas de baixo custo, depois nas empresas turísticas, hoje em dia, todos os setores de atividade são candidatos a terem preços baixos. Se é certo que a guerra de preços ajudou a impulsionar a sensibilidade ao preço por parte dos clientes, foi a crise económica que veio generalizar a procura de preços baixos, catapultando o “fenómeno low cost”.

Valls (2013) destaca, contudo, duas fases do fenómeno low cost na Europa:

a) Uma primeira fase, entre 1997 e 2004, decorrente do processo de liberalização do transporte aéreo na Europa, que levou ao aparecimento das companhias aéreas de baixo custo e posterior aplicação do conceito aos vários setores do turismo (e alargamento contido aos demais setores de atividade), assente na liderança no preço e com uma oferta de valor reduzida ou inexistente (no-frills); b) Numa segunda fase, após 2004, assiste-se a um alargamento agressivo do

mercado, com o aparecimento do low cost no mercado de massas, assente em campanhas agressivas de descontos, promoções e ofertas a clientes, o que tornou o cliente mais sensível ao preço. Se, até aqui, o fenómeno low cost estava mais assente na oferta, estas alterações, tornaram-no igualmente sensível para o lado da procura.

Esta situação levou a que a procura, pela redução de preços, tenha afetado todas as categorias de produtos e serviços (gama baixa, média e alta) e, por outro lado, a filosofia low cost foi adotada por outros setores de atividades, não só ligados aos serviços (banca, seguros, telecomunicações, consultoria, serviços de saúde, etc.) como também à indústria e à logística.

Kachaner, Lindgardt e Michael (2011) assinalam a importância dos novos modelos (low cost business models) salientando o empenho que as empresas locais e multinacionais vêm colocando no desenho de novos modelos para servir um amplo segmento de clientes com recursos financeiros limitados. Segundo os autores trata-se, acima de tudo,

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de uma nova proposta de valor assente em clientes novos e atuais e num novo modelo operativo.

Muitas das características deste modelo de negócio, encontram-se espelhadas na figura abaixo4, numa conjugação entre a proposta de valor e o modelo de operação assente na

cadeia de valor, organização e gastos.

Fonte: Retirado de Kachaner et al. (2011)

Fig. 14. Low cost business model

Deste modo, low cost não significa margens baixas (low margin), qualidade baixa (low quality), imitações baratas (cheap imitation) ou produtos sem marca ou de marca branca (unbranded products).

Combe (2014) considera que a revolução do low cost, além de trazer novos comportamentos para os consumidores, polarizou o consumo, pois o mesmo cliente pode consumir, ao mesmo tempo, produtos low cost e produtos de luxo (p. 9).

4 Este artigo foi publicado inicialmente pela The Boston Consulting Group (BCG), em outubro de

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Como refere Cuesta (citado em Porras, Vilarasau, Hinojosa, Rosa, Vargas e Canalis, 2014) “(...) pode-se dizer que os níveis de qualidade e serviço são direitos adquiridos e que o consumidor não está disposto a renunciar a eles”, pelo que, o repto das empresas é serem capazes de responder a esta exigência de preço e qualidade (p. 6). Estamos perante um consumidor sensato que “só quer pagar o que consome”.

Aliás Valls (referido em Porras et al., 2014) advoga que, de acordo com estudos realizados em Espanha, dois terços dos consumidores procuram, primeiro, uma proposta de valor e só depois um preço adequado. Para este autor, “low cost não é baixa qualidade ou má qualidade, mas sim a prioritização de fatores produtivos para oferecer valor a um determinado preço.

Também Santi e Nguyen (2012) colocam grande ênfase sobre os três modelos históricos do low cost, ao nível da aviação, hard discount e hotelaria. Para os autores, tendo em atenção que todo e qualquer modelo de negócio apresenta uma proposta de valor, uma arquitetura de valor e uma equação económica de valor, o modelo de negócio de baixo custo deriva, antes de mais, num controlo baixo da qualidade percebida e numa redução significativa de preços, naquilo que designam por “diferenciação por baixo”. Esta situação leva ao difícil equilíbrio entre a redução de custos, que permite obter os preços baixos e a degradação de valor.

O modelo ganhador (win-win) de Santi (Santi & Nguyen, 2012), traduzido no acréscimo de valor percebido pelo cliente (VPC) que será superior ao acréscimo de preço e, por sua vez, ao acréscimo de custos (∆ VPC > ∆ Preço > ∆ Custo) representa um acréscimo de valor criado, correspondente à diferença entre o valor percebido pelo cliente e os custos. É este valor criado que permite aumentar, por sua vez, o valor para o cliente e para a empresa low cost. Esta combinação oferece às empresas low cost simultaneamente taxas de crescimento – o valor captado pelo cliente facilita a sua preferência pela oferta low cost – e rentabilidade, largamente superior às atuais empresas (p. 33).

Valls (2013) considera que as estratégias que reinventarão o modelo de negócio low cost passarão pela inovação (e a sua ligação à produção pelo contributo para a redução de custos), pela formulação do lucro e pelos processos (em especial ao nível da desmaterialização do produto, preço dinâmico, internet, canais de distribuição e outlets).

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Apesar da importância da internet, Kosciusko-Morizet, aquando do prefácio de Santi e Nguyen (2012), relembra que os modelos low cost remontam aos anos 1970 e que se pode inclusive, falar na génese do conceito low cost aquando do lançamento do Ford T: um modelo único, satisfazendo as necessidades de transporte automóvel de uma maioria de clientes, com um preço bastante mais baixo, graças à redução de custos obtidos pela sua cadeia de produção.

No entanto, Valls considera que o low cost vive um novo paradoxo com “as empresas a quererem fugir agora dos preços baixos” (Hosteltur, 2015b). De facto, como mencionado em entrevista à Hosteltur (revista técnica de turismo espanhola), em abril de 2015, “(...) las grandes compañias low cost cada vez tienen menos interés en competir por los precios más bajos. Y así vemos cómo se están reposicionando a la búsqueda de precios medios más elevados.”. Valls considera igualmente que as empresas da indústria turística têm percebido que podem aumentar os seus preços médios juntando elementos (e valor) ao preço básico do bilhete (de avião).

Se o conceito low cost apareceu inicialmente muito associado às companhias aéreas de baixo custo, verificou-se, pelo levantamento efetuado, que muitos são os autores que defendem o seu alargamento a todos os setores da economia, com especial incidência e adequação ao setor dos serviços. Apesar do seu aparecimento recente (anos 1970) é já possível verificar evoluções no modelo low cost (Valls, 2013) ou modelos que evidenciam a criação de valor e a sua repartição entre a empresa e o cliente (Santi & Nguyen, 2012).

Uma última referência ao paradoxo defendido por Valls com as empresas a “quererem fugir agora dos preços baixos” (Hosteltur, 2015b), o que evidencia, como salientado por Combe, Cuesta ou Valls, uma profunda alteração dos padrões de consumo com a oferta a responder continuadamente a propostas de valor que maximizem o valor percebido pelos consumidores.