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Parte VI – Conclusões, contributos e recomendações

2. Turismo e transportes: evidências e referências conceptuais 1 Introdução

2.4. O reconhecimento dos efeitos de deslocação no turismo

Se olharmos para as definições técnicas de turismo ao longo do tempo, circunscritas aos trabalhos da Sociedade das Nações e, mais recentemente, pela OMT, não será difícil verificar que os transportes – medidos pelos efeitos de deslocação – estão nelas representados.

Conforme citado em Jayapalan (2001), a Sociedade das Nações, definiu, em 1937 (mais tarde reconfirmada pelas Nações Unidas, em 1945), mesmo que para efeitos estatísticos, turista como “any person visiting a country, other than that in which he usually resides for a period of at least 24 hours”. De acordo com Jayapalan (2001), seriam considerados turistas, de acordo com a definição supra: a) pessoas viajando em lazer, por razões de saúde, etc.; b) pessoas viajando para reuniões ou por outras razões (científicas, administrativas, diplomáticas, religiosas, desportivas, etc.); c) pessoas viajando por motivos de negócios; e, d) pessoas chegando em viagens de cruzeiro, mesmo ficando menos de 24 horas.

No âmbito do Conselho Económico e Social das Nações Unidas, reunido em abril de 1962 para a sua 33ª sessão, foi adotado, por unanimidade, realizar no ano seguinte, uma

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conferência mundial sobre turismo. O Conselho adotou, igualmente por unanimidade, uma resolução onde sublinhava “l’importance que représente les voyages internationaux pour promouvoir la compréhension et les relations culturelles entre les pays, favoriser le commerce et encourager le développement économique, en particulier dans les pays en voie de développement.” (World Travel-Tourisme Mondial, 1962, p. 3).

Na primeira Conferência das Nacões Unidas sobre Turismo e Viagens, realizada em Roma (Itália), em 1963, foram introduzidas novas definições para visitor, tourist e excursionist (conforme proposta da International Union of Official Travel Organizations – IUOTO – mais tarde transformada em Organização Mundial de Turismo), definições que foram adotadas a partir de 1968, após aprovação da United Nations Statistical Commission (WTO, 1995). Assim, a definição de visitante, sempre para fins estatísticos, descrevia a pessoa que visita um país que não seja o da sua residência, por qualquer motivo, e que nele não venha a exercer ocupação remunerada, sendo que a grande diferença nos critérios de distinção entre turista e excursionista, se resumia ao período de visita (superior ou inferior a vinte e quatro horas).

Na conferência foi ainda reconhecida a “promordial importância” dos transportes (públicos ou privados) como elemento crucial ao desenvolvimento do turismo, considerando-se que a redução das tarifas, assim como a introdução da classe turística ou económica nos transportes aéreos e marítimos, eram essenciais para a continuidade do crescimento do turismo (World Travel-Tourisme Mondial, 1963).

Como refere Theobald (2005), só em 1994, no âmbito da Conferência de Otava (Canadá), organizada sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1991, se encontra uma nova definição para turismo que “compreende as atividades das pessoas durante as suas viagens e estadas fora do seu ambiente habitual, por um período de tempo consecutivo inferior a um ano e tendo por base fins de lazer, de negócios ou outros”.

Por último, em 2008, as Nações Unidas (United Nations, 2010a) reviu as Recommendations on Tourism Statistics de 1994, adotando as International Recommendations for Tourism Statistics 2008, visando uma melhor compreensão e sistematização da recolha e compilação das estatísticas de turismo entre os vários países (o anexo I do novo documento da OMT faz uma rápida comparação das principais

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diferenças introduzidas por esta nova metodologia face à anterior proposta de 1994). De acordo com o documento citado, turismo é definido, no seu ponto 2.9., como “A visitor is a traveller taking a trip to a main destination outside his/her usual environment, for less than a year, for any main purpose (business, leisure or other personal purpose) other than to be employed by a resident entity in the country or place visited. These trips taken by visitors qualify as tourism trips. Tourism refers to the activity of visitors.” (p. 10).

Mais do que as definições de per se, constata-se, em todas elas, a importância da deslocação, o que pressupõe a utilização de transportes. Aliás, a Standard classification of modes of transport apresentada pela UN International Recommendations for Tourism Statistics 2008 (United Nations, 2010a, p. 28) categoriza todos e quaisquer modos de deslocação, incluindo, como último meio, o transporte a pé (“on foot”).

Se, em 1937, se colocava a tónica na visita de outro país, as mais recentes definições são mais objetivas ao categorizar o visitante como um viajante que realiza uma viagem (taking a trip to) para um destino fora do seu ambiente usual (“Tourism is a social, cultural and economic phenomenon related to the movement of people to places outside their usual place of residence” – United Nations, 2010a, p. 1).

São muitas as definições de autores onde a tónica da deslocação, até por inerência da própria definição da OMT, se encontra devidamente espelhada, destacando-se, neste caso, a definição de Cunha e Abrantes (2013) ao considerarem turismo como “o conjunto de atividades desenvolvidas pelos visitantes em razão das suas deslocações, as atrações e os meios que as originam, as facilidades criadas para satisfazer as suas necessidades e os fenómenos resultantes de umas e de outras.” (p. 17).

Do mesmo modo que as várias definições colocam em destaque o papel dos transportes, também a Conta Satélite do Turismo (CST) reflete essa importância. De acordo com Meis (1999), citado em Cunha (2013), a CST é uma ferramenta que permite medir a atividade económica gerada pelo turismo num país, tendo por base a procura de bens e serviços e os meios produtivos necessários à sua satisfação.

Tal como aconteceu com as International Recommendations for Tourism Statistics 2008, a Comissão de Estatísticas das Nações Unidas aprovou, em 2008, em conjunto com a OMT, o documento Tourism Satellite Account: Recommended Methodological

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Framework 2008 onde deixa claro que “the purpose of a Tourim Satellite Account is to analyse in detail all the aspects of demand of goods and services associated with the activity of visitors; to observe the operational interface with the supply of such goods and services within the economy; and to describe how this supply interacts with other economic activities” (United Nations, 2010b, p. iii).

De acordo com Silva (2009), da ligação entre a procura (visitantes que adquirem bens e serviços turísticos) e a oferta (produtos colocados à disposição pelos produtores de bens e serviços), podemos caracterizar os produtos específicos, que constituem o foco da atividade turística, os produtos conexos (bens e serviços alvo de procura turística) e os produtos não específicos, que não estão diretamente relacionados com o turismo, mas podem ser alvo do consumo turístico.

A figura seguinte reflete a organização da Conta Satélite do Turismo, com especial relevância para o serviço de transporte de viajantes, no contributo dado para a dinâmica das restantes naturezas que lhe estão direta ou indiretamente associadas, como são os casos mais importantes do alojamento, da restauração e dos serviços de distribuição turística (agências de viagens e operadores turísticos):

Fonte: Retirado de Silva (2009, p. 53)

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Dados recolhidos junto do INE (s.d.) relativos ao ano de 2008 (últimos dados disponíveis), evidenciam que o transporte de passageiros – onde o transporte aéreo é responsável por 67,8% do valor total – liderou no consumo dos diferentes produtos (em especial ao nível dos produtos específicos, onde se incluem igualmente o alojamento e a restauração e bebidas). Em termos globais, os transportes de passageiros são responsáveis por 3,83 mil milhões de euros de consumo turístico (2,55 mil milhões imputados diretamente ao transporte aéreo), seguidos de perto pela restauração e bebidas (3,77 mil milhões de euros) e alojamento (3,69 mil milhões de euros) num total de consumo turístico, para o ano de 2008, na ordem dos 15,8 mil milhões de euros. Projeções efetuadas para 2010 apontavam para um crescimento do consumo turístico, rondando os 16 mil milhões de euros, retomando os níveis de crescimento anteriores à queda verificada em 2009 (Turismo de Portugal, 2011):

Fonte: Retirado de Turismo de Portugal (2011)

Fig. 8. Evolução do Consumo do Turismo – Conta Satélite do Turismo (2000-2010) Como anunciado pelo Presidente do Turismo de Portugal, a CST irá ser retomada visando “afirmar o turismo” e “estimular a procura turística”, ao mesmo tempo que irão ser reativados os inquéritos nos movimentos nas fronteiras (Barradas, 2015).

Deste modo, e apesar da quebra verificada na série estatística, a implementação de métodos e processos que permitam acompanhar os movimentos da procura, com reflexos positivos na contabilização dos consumos turísticos efetuados será uma mais- -valia para um melhor conhecimento da realidade turística nacional. Por outro lado, esta será uma excelente oportunidade para a inclusão do alojamento local (AL) na CST, do

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qual os hostels são parte integrante, reforçando o peso da conta relativa a “hotéis e outros meios de alojamento”.