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Capítulo 3 – Análise do impacto da participação dos GPEDs nas CGVs sobre a captura de valor

3.1. Especificação do Modelo

3.1.2. Método econométrico de estimação

Foi usada, neste trabalho, a técnica de estimação de painel em Efeitos Fixos. O modelo de Efeitos Fixos é um método de estimação consistente sob a hipótese de existência de correlação entre o efeito não observado constante no tempo e as variáveis exógenas.

Uma gama de determinantes não observados, como, por exemplo, particularidades do mercado de trabalho, fatores históricos, instituições e diferenças tecnológicas invariantes no tempo entre os países e setores são considerados no modelo de Efeitos Fixos.

A principal motivação para utilizar o modelo de Efeitos Fixos é levar em consideração a heterogeneidade dos setores e países, pois pode-se admitir a existência de fatores específicos a cada setor de cada país constantes no tempo, que afetam a variável dependente e que são correlacionados com as variáveis explicativas.

Assim, características particulares de cada setor e país são levadas em consideração na estimação de Efeitos Fixos. Outra vantagem da estimação por Efeitos Fixos é que estes fatores não observados são muitas vezes difíceis de serem mensurados, e com este método de estimação eles podem ser capturados.

Além disso, Kummritz (2016) destaca que estimar a equação em nível setorial, como é feito neste trabalho, é altamente vantajoso para lidar com a possibilidade de variáveis omitidas, pois permite a inclusão de vários conjuntos de efeitos fixos que respondem por muitos fatores que se destacam na área e estão relacionados ao valor adicionado, como desenvolvimento financeiro, infraestrutura e outros.

O método de estimação por Efeitos Fixos é amplamente conhecido e consiste na estimação da subtração da equação de interesse pela sua média ao longo do tempo, o que gera uma nova equação a ser estimada por MQO.

O modelo de Efeitos Aleatórios não seria adequado às estimações deste trabalho, pois exigiria ausência de correlação entre o efeito fixo e as variáveis explicativas. Esta hipótese é inadequada quando se sabe que os setores têm características específicas como, por exemplo, a intensidade tecnológica e a intensidade de conhecimento, além de diferenças tecnológicas conhecidas entre países, caracterizando os efeitos fixos.

Segundo Kummritz (2016), a estimação em nível setorial com adoção de efeitos fixos país-setor, país-ano e ano-setor limita os ganhos potenciais da integração CGV aos ganhos dentro de cada setor e, assim, representa um limite inferior das estimativas pois desconsidera ganhos entre setores.

Apesar disso, pode-se supor que a estimação da equação (10) por Efeitos Fixos é capaz de capturar efeitos inter-setoriais pois se uma etapa da produção de um setor passa a ser realizada fora do país, aumenta a integração desse setor na CGV para trás. Ao mesmo tempo, os fatores de produção domésticos que antes eram empregados nessa produção e ficaram disponíveis, são realocados para outro setor, e isso é capturado na equação por meio das variáveis estoque de capital e pessoal ocupado relacionadas ao outro setor.

Isso vai ao encontro de Grossman e Rossi-Hansberg (2006), que mostraram que o declínio no custo do comércio de tarefas tem efeitos muito parecidos com o progresso tecnológico, ou seja, aumenta diretamente a produtividade do fator cujas tarefas se tornam mais fáceis de serem transferidas para o exterior. Como consequência, reduções no custo do comércio de tarefas podem gerar ganhos compartilhados para todos os fatores domésticos.

Para lidar com a possibilidade de endogeneidade por causalidade reversa, alguns autores como Taglioni e Winkler (2016) e Constantinescu, Mattoo e Ruta (2017) testaram estimações com variáveis de integração nas CGVs defasadas. Essa prática foi testada na elaboração deste trabalho, mas como a correlação da variável dependente com as variáveis defasadas se mostrou próxima a zero e os coeficientes estimados foram não significativos, tais estimações foram descartadas.

Constantinescu, Mattoo e Ruta (2017) testaram também a utilização da técnica de variáveis instrumentais (VI) para contornar a possibilidade de endogeneidade da integração nas CGVs, assim como Kummritz (2016). Em Constantinescu, Mattoo e Ruta (2017) a abordagem de variáveis instrumentais baseia-se no trabalho de Baldwin e Lopez-Gonzalez (2015) que argumentam que existe uma assimetria tecnológica nas redes internacionais de produção entre as economias “sede” e “fábrica” nos dados de especialização vertical para trás. Com base nisso, Constantinescu, Mattoo e Ruta (2017) desenvolveram um instrumento para cada país, setor e ano, que computa o valor adicionado estrangeiro médio dos EUA, Japão e Alemanha incorporado nas exportações industriais de três países da amostra que estão mais próximos geograficamente ou em renda ao país em análise.

Nas especificações de Constantinescu, Mattoo e Ruta (2017) que utilizam variáveis instrumentais, concluiu-se que um aumento de 10% no nível de comércio relacionado a CGV esteve associado a um aumento da produtividade do trabalho de 1,2% ou 1,7%, dependendo do instrumento utilizado (com base na proximidade geográfica e com base na proximidade de renda, respectivamente). Enquanto na estimativa por MQO com dummies de efeitos fixos, sem variável instrumental, para 10% de aumento no nível de importações relacionadas a CGV aumentou a produtividade do trabalho em 0,8%. Se considerar o desvio-padrão maior nas

estimações por variáveis instrumentais, observa-se que o coeficiente da variável de integração na CGV pode englobar o valor da estimativa por MQO. Além disso, observa-se que o impacto da integração na CGV sobre a produtividade se manteve positivo e significante tanto na estimação por MQO quanto por VI.

Em Kummritz (2016), a estratégia de instrumentação tem como base Feyrer (2009) que usa Frankel e Romer (1999) para identificar variáveis instrumentais que avaliam o efeito do comércio sobre o PIB per capita. Assim, o autor desenvolve um índice de resistência ao comércio de valor adicionado bilateral e bi-setorial que combina custos de comércio de países terceiros com variáveis tecnológicas específicas do setor levando a uma variação exógena na participação de CGV.

As estimativas de Kummritz (2016) utilizando variáveis instrumentais sugerem que um aumento de 1% na participação das CGVs para frente causa um aumento estatisticamente significante no valor doméstico adicionado de 0,6% e o aumento de 1% na participação das CGVs para trás gera ampliação no valor doméstico adicionado de 0,10%. As estimativas de Kummritz (2016) por MQO com dummies de efeito fixo também apontam um crescimento de 0,6% no valor adicionado doméstico para um aumento de 1% na integração nas CGVs para frente e para trás de 0,18%. Portanto, quanto ao impacto da participação nas CGVs para frente no VA não houve diferença entre as estimativas do método VI e MQO e quanto ao efeito da participação na CGV para trás sobre o VA há uma ligeira mudança de magnitude sem alteração de sinal.

Portanto, o uso de variáveis instrumentais para controlar a possibilidade de endogeneidade da variável de integração a CGV não alterou de maneira decisiva as conclusões do impacto das CGVs sobre o valor adicionado e a produtividade nesses trabalhos. Ademais, mesmo na estimação com variáveis instrumentais há o risco de o instrumento não ser completamente exógeno ou de não prever corretamente o comportamento da variável supostamente endógena, gerando viés nas estimativas. Constantinescu, Mattoo e Ruta (2017) alertam para a possibilidade de que os instrumentos poderiam estar correlacionados com determinantes não observados da integração nas CGVs caso, por exemplo, a expansão de CGVs em países vizinhos ocorresse em detrimento da participação do país analisado, ou se houvesse repercussões da produtividade que beneficiassem a expansão das CGVs em países vizinhos.

Na ausência de instrumentos adequados, uma alternativa de estimação na presença de endogeneidade seria a estimação pelo Método de Momentos Generalizados (Generalized

Method of Moments – GMM em inglês). Esse método é apropriado para dados em painel com

seja, a variável dependente seja influenciada pela sua própria defasagem. No modelo GMM algumas variáveis podem ser endógenas e os instrumentos são baseados em defasagens destas variáveis.

Na elaboração deste trabalho, foram testadas estimações da equação (10) por meio de GMM em diferenças36 e GMM sistêmico37, este último é mais indicado em casos de variáveis

persistentes ao longo do tempo. Contudo, os resultados das estimações demonstraram muita instabilidade diante da adoção de diferentes defasagens dos instrumentos.

Portanto, as estimações apresentadas neste trabalho são baseadas no método de Efeitos Fixos que possibilita os benefícios já mencionados. Como a variável dependente se refere à participação do setor de um país no valor adicionado mundial do mesmo setor, reduz- se a probabilidade de endogeneidade da estimação. Vale mencionar também que a correlação entre a variável dependente e as variáveis de integração nas CGVs é baixa, o que reforça a viabilidade da estimação por Efeitos Fixos.

Além disso, a fim de confirmar a consistência das estimações, foram comparados os resultados das regressões empregando-se indicadores de integração nas CGVs (calculados no capítulo 2 com base em Wang et al., 2016) com os resultados das regressões com base em indicadores tradicionais de integração nas CGVs (extraídos de TiVA/OCDE). As conclusões da comparação apontam para a robustez do modelo.

Outro aspecto que corrobora a robustez do modelo estimado neste trabalho é a consistência dos dados que serviram de insumo para o cálculo dos indicadores em CGVs. As matrizes de insumo produto utilizadas para mensurar a integração nas CGVs têm como fonte a base WIOD cujo diferencial é manter a consistência com as estatísticas oficiais das contas nacionais de cada país. WIOD realizou um tratamento de dados de alta qualidade38 e na construção das matrizes utilizou dados reais de comércio para obter os fluxos de comércio intermediário.

Para alocação de importações por categoria de uso e desagregação por país-setor de origem, WIOD não adotou a suposição comum de proporcionalidade de importação, aplicando a quota de importação de um produto em todos os usos do bem, pois os índices de importação variam significativamente com o uso, conforme apontam críticas39 na literatura.

36 Arellano e Bond (1991).

37 Arellano e Bover (1995) e Blundell e Bond (1998).

38 A consistência temporal das matrizes insumo-produto em WIOD foi alcançada por meio de um procedimento

que estima coeficientes das tabelas de recursos e usos dadas as restrições de dados das estatísticas de Contas Nacionais, usando um método de mínimos quadrados restritos, semelhante ao método biproporcional de atualização conhecido como RAS (Temurshoev e Timmer, 2011).

WIOD utilizou estatísticas de comércio bilateral e descrições detalhadas de produtos a 6 dígitos da base de dados UN COMTRADE para alocar três categorias de uso: uso intermediário, consumo final e investimento. Assim, diferentes produtos podem ter múltiplas categorias de uso final. Também foram utilizados dados sobre o comércio bilateral de serviços, que, ao contrário dos dados de mercadorias não estão prontamente disponíveis, foram recolhidos, integrando várias fontes de dados. Isso inclui pagamentos para vários tipos de serviços comerciais, royalties e taxas de licença.40