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Capítulo 1 – Cadeias Globais de Valor: definições, contextualização, mensuração e impactos

1.2. Mensuração das Cadeias Globais de Valor

Há anos a literatura tem reconhecido algumas limitações das estatísticas oficiais do comércio internacional devido ao comércio de intermediários. Nos dados de comércio bruto, o valor de um produto intermediário é medido mais de uma vez durante o cruzamento de fronteiras internacionais. Como no cenário econômico atual, o comércio de bens intermediários e tarefas atingiu posição importante nas CGVs, o uso de dados de comércio bruto pode revelar algumas desvantagens. Desde então, diversos estudos para mensurar a participação nas CGVs têm surgido.

A divulgação das matrizes de insumo-produto globais teve papel fundamental no crescimento do número de trabalhos sobre CGVs, pois esses dados inauguraram a possibilidade de verificar o comércio de valor adicionado entre os países e o grau de participação dos países nas redes de produção globais. Afora os estudos com matrizes de insumo-produto internacionais, os trabalhos avançaram mais conceitualmente sobre o tema ou envolveram estudos de caso13 baseados em empresas e produtos.

Esta seção tem por objetivo, primeiramente, apresentar uma breve revisão da literatura sobre o desenvolvimento dos indicadores de participação nas CGVs que têm como fonte de dados as matrizes de insumo-produto globais14. Em segundo lugar, apresenta-se um comparativo dos indicadores tradicionais de participação nas CGVS e o indicador que se mostrou mais oportuno para análise pretendida neste trabalho.

1.2.1. Desenvolvimento dos indicadores de participação nas CGVs

Hummels et al. (2001) desenvolvem uma das primeiras medidas de participação dos países nas CGVs, o chamado índice de especialização vertical (VS). O índice VS desenvolvido pelos autores mede o valor adicionado estrangeiro (dos insumos importados) incorporado nos bens exportados de um país.

Essa definição é identificada pelos seguintes aspectos: a produção do bem envolve mais de uma etapa de produção, pelo menos dois países contribuem com valor adicionado na produção do bem, pelo menos um país utiliza insumo importado no processo de produção exportando pelo menos parte do resultado.

13 Como, por exemplo, Linden et al. (2009) e Dedrick et al. (2010).

14 O estudo das CGVs tem uma variedade de origens intelectuais que envolve também campos da sociologia,

gestão de negócios, teoria das firmas e contratos, organização industrial e podem envolver outras maneiras de mensuração das CGVs, como, por exemplo, a partir de micro dados de empresas. Algumas considerações neste aspecto são apresentadas em Inomata (2016).

Hummels et al. (2001) sugeriram que um país pode participar da especialização de duas maneiras: (i) usar insumos intermediários importados para produzir exportações (VS); (ii) exportar bens intermediários que são usados como insumos por outros países para produzir bens para exportação (VS1).

Usando tabelas de insumo-produto da OCDE de dez países desenvolvidos de diversos anos entre 1968 e 1990, Hummels et al. (2001) mostram as evidências do crescimento da fragmentação internacional de produção. Os autores mostram que o indicador VS do conjunto de 10 países cresceu 22% em 20 anos. Para a amostra total de 14 países, que inclui países fora OCDE, o crescimento do VS foi de 30% no período. Eles também verificam que países menores tendem a ter maiores proporções de VS e que os setores químico e de máquinas e equipamentos foram os que mais contribuíram para o aumento da integração vertical na maioria dos países.

O conceito de VS se tornou importante referência na área, sendo uma das principais medidas utilizadas na literatura de CGVs. Boa parte da literatura subsequente se referiu ao trabalho de Hummels para comparar as diferenças de sua medida em relação ao VS e a maior parte da literatura empírica também se baseia nos índices VS e VS1.

Daudin et al. (2011) calculam a medida VS1 originalmente proposta, mas não calculada por Hummels et al. (2001). VS1 mede a parte de valor adicionado doméstico nas exportações de intermediários reexportados indiretamente por outros países. Os autores mostram que essa medida revela igualmente que as CGVs estiverem em ascensão entre 1997 e 2004. Segundo Kummritz (2016), muitos destes resultados foram confirmados e expandidos usando dados mais amplos e recentes.

Johnson e Noguera (2012) propuseram uma medida de “comércio em valor adicionado” que mensura o valor adicionado produzido no país de origem e é absorvido no país de destino. Chamado pelos autores de “VAX ratio”, o índice mede as exportações em valor adicionado sobre as exportações brutas de um país.

Koopman et al. (2014) combinam a literatura sobre especialização vertical (de Hummels et al., 2001 e Daudin et al., 2011) com a literatura sobre o comércio em valor adicionado (de Johnson e Noguera, 2012) em um sistema contábil que fornece uma estrutura conceitual unificada e abrangente na literatura de CGVs.

Dentro da cadeia de valor, cada produtor compra insumos e depois agrega valor, que está incluído no custo da próxima fase de produção. Em cada estágio, o valor adicionado é igual ao valor pago aos fatores de produção do país exportador. No entanto, como todas as estatísticas oficiais do comércio são medidas em termos brutos, incluem tanto os insumos

intermediários quanto os produtos finais, contando-se o valor dos bens intermediários que atravessam fronteiras internacionais mais de uma vez. Tal deficiência conceitual e empírica das estatísticas do comércio bruto é amplamente reconhecida atualmente.

Atentos aos problemas de dupla contagem do comércio bruto, Koopman et al. (2014) propõem um sistema contábil para decompor as exportações brutas em exportações de valor adicionado, valor adicionado doméstico que retorna ao país de origem, valor adicionado estrangeiro e termos com dupla contagem.

Segundo Koopman et al. (2014), as medidas de especialização vertical e comércio em valor adicionado existentes na literatura (Hummels et al., 2001; Daudin et al., 2011; Johnson e Noguera, 2012) podem ser derivadas deste sistema e expressos como algumas combinações lineares desses componentes.

Um exemplo é a medida “VAX ratio” de Johnson e Noguera (2012) que pode ser derivada da decomposição de Koopman et al. (2014), os quais a denominam de exportações de valor adicionado. Segundo Koopman et al. (2014) as exportações de valor adicionado, por sua vez, podem ser decompostas em VA doméstico nas exportações finais, VA doméstico nas exportações de bens e serviços intermediários absorvidos pelo importador direto e VA doméstico nas exportações de bens e serviços intermediários, reexportados pelo importador direto a terceiros.

Assim como Koopman et al. (2014), Los, Timmer e Vries (2015) também desenvolvem uma medida de fragmentação internacional das CGVs que não sofre problemas de dupla contagem. Essa medida, denominada pelos autores de FVA (foreign value added) é restrita, contudo, à abordagem das CGVs para trás.

O índice FVA desenvolvido por Los, Timmer e Vries (2015) mede o valor adicionado estrangeiro líquido dos bens e serviços intermediários usados em todas as fases anteriores da produção do bem final. Assim, a medida leva em consideração o valor adicionado por todos os fornecedores estrangeiros a montante, tornando possível decompor o valor de um produto final (no estágio final de produção) em contribuições de valor adicionado de qualquer país do mundo. Essa medida é muito semelhante à medida de participação na CGV para trás desenvolvida por Wang et al. (2016), que será definida no capítulo 2.

1.2.2. Comparativo do novo indicador de participação nas CGVs aos indicadores tradicionais

Nesta seção pretende-se traçar um comparativo do novo indicador de participação nas CGVs baseado em Wang et al. (2016) com os indicadores clássicos de integração nas CGVs

apresentados na seção anterior, a fim de justificar a escolha pelo primeiro neste trabalho. Dessa forma, esta seção não tem por objetivo definir o novo indicador de participação nas CGVs baseado em Wang et al. (2016), pois isto será realizado detalhadamente no capítulo 2.

Enquanto a literatura que se desenvolveu a partir de Hummels et al. (2001) prefere que um produto tenha cruzado pelo menos duas fronteiras para classificá-lo como parte de uma CGV, Wang et al. (2016) tem uma definição mais ampla de CGVs que inclui bens que não necessariamente atravessam duas fronteiras.

A adoção da regra de no mínimo duas fronteiras na medição padrão de participação nas CGVs leva à omissão de muitos fluxos de comércio relacionados à CGV, pois somente as exportações de VA doméstico que são reexportadas por outros países são consideradas inseridas nas CGVs, com o VA cruzando pelo menos duas fronteiras (Wang et al., 2016, Smichowski, Durand e Knauss, 2016).

Dessa forma, todas as exportações do penúltimo país de uma CGV são classificadas como não relacionadas a CGV. Isso significa que o exportador final de um insumo intermediário que é absorvido no processo produtivo do país importador direto, sem mais comércio internacional, não é considerado comércio relacionado à CGV na literatura tradicional. O mesmo raciocínio vale para as importações de bens e serviços intermediários, que não são consideradas relacionadas às CGVs se forem usadas no processo produtivo e consumo interno do país importador direto.

Outra importante diferença da medida de CGV de Wang et al. (2016) e o padrão na literatura é que optam por obter a razão da participação da CGV através da divisão pelo PIB (valor adicionado) ou pela produção final, em vez de seguir a prática usual de dividir pelas exportações brutas. Isso porque o propósito não é avaliar quanto do comércio mundial torna-se comércio em CGV, mas medir o nível de inserção nas CGVs em relação à própria economia15. Essa distinção é particularmente importante para a amostra utilizada neste trabalho, que considera somente as grandes economias em desenvolvimento e ao propósito de avaliar os efeitos da integração nas CGVs sobre a captura de valor.

Além disso, usando as exportações brutas como denominador, as medidas de especialização vertical podem ser muito altas para setores com pouca exportação direta como, por exemplo, os setores de serviços. Nesses casos, a medida existente pode superestimar a participação de CGV para esses setores do país, resultando em indicadores acima de 100%. Por

15 Essa é uma prática semelhante à adotada por Smichowski, Durand e Knauss (2016) na construção de seu índice

esse aspecto, a metodologia de Wang et al. (2016) se mostra mais apropriada para análise setorial da participação dos países nas CGVs.

Outro aspecto do indicador de Wang et al. (2016) é que o comércio de bens finais que não envolve compartilhamento internacional de tarefas ou estágios de produção não é considerado parte do comércio em CGV. Esse tipo de comércio é chamado pelos autores de comércio tradicional, tipo ricardiano.

A Figura 1, a seguir, ilustra algumas das principais diferenças entre o indicador de participação nas CGVs de Wang et al. (2016) e os indicadores clássicos VS e VS1.

Figura 1 – Quadro comparativo-resumo da abordagem de Wang et al. (2016) com medidas tradicionais (VS e VS1)

CGV para trás CGV para frente

Importações de: Exportações de:

• Insumos intermediários absorvidos domesticamente

• Insumos intermediários absorvidos pelo importador direto

• Insumos intermediários para produzir exportações (VS)

• Insumos intermediários reexportados pelo importador direto ou por países terceiros (VS1)

Fonte: Wang et al. (2016) e Hummels et al. (2001). Elaboração própria.

As medidas VS e VS1 ignoram as importações de insumos intermediários absorvidas domesticamente e as exportações de insumos intermediários absorvidas pelo importador, mesmo que sejam substanciais. Essa parte do comércio em CGV, considerada pela metodologia de Wang et al. (2016), é particularmente importante para grandes economias como fonte e destino de comércio. No caso dos países grandes, esse é um fator importante pois o papel da escala do mercado interno é deixado de lado pela metodologia convencional que também costuma tratar os países em desenvolvimento como um todo homogêneo. Como o objetivo da análise neste trabalho é preencher esta lacuna da literatura e avaliar a inserção das maiores economias em desenvolvimento nas CGVs, isso reforça a escolha da abordagem de Wang et al. (2016).

Além disso, a metodologia de Wang et al. (2016) permite separar a integração simples da integração complexa nas CGVs. A integração simples na CGV corresponde ao comércio que cruza fronteira apenas uma vez. A integração simples na CGV para trás considera as importações de insumos intermediários absorvidos domesticamente e a integração simples

na CGV para frente trata das exportações de insumos intermediários absorvidos pelo importador direto. A parte complexa da integração nas CGVs envolve o comércio que cruza fronteiras mais de uma vez, conforme será detalhado no capítulo 2. Por esse conjunto de fatores, optou-se por utilizar, neste trabalho, a metodologia desenvolvida por Wang et al. (2016).