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Participação dos GPEDs nas CGVs no período de rápida expansão global

Capítulo 2 – Análise da participação dos GPEDs nas CGVs

2.2. Análise de Resultados

2.2.2. Análise da participação dos GPEDs nas CGVs para frente e para trás

2.2.2.1. Participação dos GPEDs nas CGVs no período de rápida expansão global

Um dos diferenciais da abordagem utilizada neste trabalho é que engloba a produção do país que utiliza bens intermediários provenientes de outros países para produção de bens finais como atividade integrada à CGV, independentemente desses bens serem exportados posteriormente ou não. Isso é importante porque se mede a integração do país nas CGVs em relação ao seu valor adicionado (caso da CGV para frente) ou em relação à produção de bens finais (caso da CGV para trás), não em relação às exportações brutas do país como convencionalmente.

Principalmente para análise de economias grandes que tendem a ter um mercado doméstico relevante, a abordagem adotada neste trabalho se mostra mais oportuna, caso contrário, todo o VA estrangeiro incorporado na produção interna para atender a demanda doméstica seria desconsiderado. Essa é uma das bases da metodologia empregada neste trabalho.

A fim de comparar como a utilização desse método altera a interpretação e conclusão dos dados em relação a metodologias tradicionalmente utilizadas, aqui serão apresentados os resultados em comparação a indicadores comumente usados para avaliar participação nas CGVs.

Alguns dos indicadores mais utilizados na análise de participação nas CGVs para frente e para trás são indicadores divulgados pela OCDE (TiVA – Trade in Value Added). Diversos estudos (Banga, 2016; Constantinescu, Mattoo e Ruta, 2017; Criscuolo e Timmis, 2017; Kummritz, 2016; Taglioni e Winkler, 2016) se baseiam em índices divulgados pela OCDE para avaliar o impacto da integração dos países nas CGVs.

O indicador de participação na CGV para frente calculado e divulgado pela OCDE como EXGR_DVAFXSH, o qual chamaremos de TiVA_f, corresponde ao valor adicionado doméstico incorporado nas reexportações de outros países, medido em relação às exportações brutas do país de origem do valor adicionado, compatível com a definição de VS1. O indicador de participação na CGV para trás calculado e divulgado pela OCDE como EXGR_FVASH, chamado neste trabalho de TiVA_t, mede a parcela de VA estrangeiro nas exportações do país analisado em relação às suas exportações brutas, compatível com o conceito de VS.

A Figura 6 mostra a comparação dos indicadores de integração nas CGVs estimados neste trabalho, baseados em Wang et al. (2016) e os indicadores divulgados por TiVA/OCDE.

Figura 6 – Indicadores de participação nas CGVs para frente e para trás: metodologia de Wang et al. (2016) x TiVA (em %)

Participação na CGV para frente

Participação na CGV para trás

Nota: Os resultados de cada gráfico estão organizados, da esquerda para a direita, do maior para o menor valor de integração a CGV segundo a metodologia utilizada neste trabalho, de Wang et al. (2016).

Para facilitar a compreensão da Figura 6, ordenou-se os indicadores baseados em Wang et al. (2016) de maneira decrescente. Como as metodologias divergem entre si por atender a objetivos diferentes, os indicadores não podem ser diretamente comparados, mas a comparação é útil para analisar o ranking entre os países em cada metodologia. Vale mencionar que as duas metodologias não são substitutas entre si, mas complementares.

Tanto do ponto de vista da metodologia utilizada neste trabalho, baseada em Wang et al. (2016), quanto da metodologia TiVA/OCDE, os países mais integrados às CGVs para frente em 2000 e 2008 foram Rússia e Indonésia, conforme Figura 6. Contudo, os países menos integrados a CGV para frente segundo o método aplicado neste estudo foram Brasil e Índia, diferentemente do que aponta a metodologia TiVA/OCDE, cujos países menos integrados nas CGVs para frente foram México, China e Turquia.

Essa discrepância decorre das diferenças entre as metodologias. Enquanto a metodologia TiVA/OCDE mede a participação nas CGVs para frente em relação às exportações brutas dos países, a metodologia utilizada neste trabalho mede em relação ao PIB. Como Brasil e Índia exportam relativamente pouco em relação ao seu PIB (14% e 19% respectivamente, na média entre 2000 e 2014), comparativamente às outras economias em desenvolvimento (média de 29% no mesmo período), ocorre essa diferença. Assim, Brasil e Índia podem ser considerados mais integrados às CGVs para frente do que México e China pela metodologia TiVA/OCDE, mas pela metodologia de Wang et al. (2016) Brasil e Índia exportam menos VA doméstico em relação ao tamanho de suas economias (PIB) do que os demais GPEDs.

Além disso, o indicador proveniente de TiVA/OCDE considera somente as exportações de VA doméstico que se transformam em reexportações de outros países. A metodologia utilizada neste trabalho considera que as exportações de VA doméstico são parte da CGV mesmo que não sejam exportadas pelo país parceiro, mas sejam usadas no processo produtivo deste para posterior consumo final.

Outra diferença importante entre as metodologias WIOD e TiVA/OCDE é que na construção do modelo ICIO da OCDE, que subsidia os indicadores TiVA, há controle de heterogeneidade das firmas na China e no México. Empregam-se diferentes coeficientes de insumo-produto para empresas exportadoras que fazem parte ou não da cadeia global de processamento, e empresas não exportadoras. Essa diferenciação é usada a fim de fornecer estimativas mais precisas para essas economias onde o comércio de processamento é muito importante (OCDE-OMC, 2017). Esse é um refinamento dos dados que não ocorre no modelo ICIO da base WIOD.

Na comparação da integração dos países às CGVs para trás, também se verificam diferenças nos resultados entre as duas metodologias. Enquanto na metodologia TiVA/OCDE a China e o México foram os países mais integrados nas CGVs para trás em 2000 e 2008, na metodologia aplicada neste estudo foram Indonésia e México em 2000 e Turquia e Índia em 2008.

Isso ocorre devido ao tratamento diferenciado de China e México nas matrizes da OCDE conforme mencionado, e porque a metodologia TiVA/OCDE mede a parcela de VA estrangeiro contido nas exportações brutas do país, desconsiderando o VA estrangeiro utilizado pelo país importador direto para produzir para consumo interno. Na metodologia de Wang et al. (2016), esse VA estrangeiro também é considerado na participação nas CGVs para trás, medido em relação à produção de bens finais do país analisado, revelando-se um índice mais oportuno para os fins deste trabalho conforme seção 1.2.2.

Agora que já foram apresentadas as diferenças entre as metodologias, será analisada mais detalhadamente a evolução da participação dos GPEDs nas CGVs para frente e para trás entre 2000 e 2008 de acordo com a metodologia baseada em Wang et al. (2016). Além disso, a integração nas CGVs será decomposta em participação simples e complexa, conforme apresentado na seção 2.1.

De acordo com o Gráfico 4, é possível observar que todos GPEDs ampliaram sua participação nas CGVs para frente entre 2000 e 2008, com exceção da Indonésia e da Rússia.

Gráfico 4 – Participação dos GPEDs na CGV para frente 2000/2008 (total, simples e complexa) em % do VA doméstico

Apesar disso, Rússia e Indonésia foram os que apresentaram maior integração nas CGVs para frente nesse período. A Rússia foi a economia mais integrada a jusante, com índice de participação na CGV para frente de 32,6% em 2000 e de 25,8%, em 2008. A despeito da queda acentuada, a participação russa nas CGVs é muito maior do que os demais GPEDs relativamente ao tamanho de suas economias. O destaque russo nas CGVs para frente decorre principalmente do fornecimento de petróleo para o mundo.

A Indonésia inserida num dos três principais blocos regionais da rede de produção global, o do Leste e Sudeste Asiáticos, se destaca na integração para frente da CGV especialmente no fornecimento de produtos primários, média-baixa e média-alta tecnologia, tendo também decrescido sua integração na CGV a frente de 2000 a 2008.

O Brasil que era o país menos integrado na CGV para frente em 2000, se manteve nessa posição em 2008. A produção primária tem sido a principal responsável pela integração do país nas CGVs para frente. O boom de commodities que aconteceu em meados dos anos 2000 provavelmente ajudou o país a ampliar sua participação nas CGVs para frente, de 5,7% para 8,3% do PIB, mas ainda se manteve na posição de menor integração global a jusante entre os GPEDs. Isso significa que o Brasil ainda exportou pouco VA doméstico integrado a CGV em relação ao seu PIB.

Nesse período de 2000 a 2008, a China experimentou um forte crescimento da sua participação na CGV para frente, de 8,1% para 12,1%. Apesar de o índice de participação chinês nas CGVs para frente não ultrapassar os índices de Indonésia e Rússia, o comércio chinês integrado às CGVs representa um valor monetário muito superior ao dos demais GPEDs pela própria dimensão do PIB chinês. Vale destacar que nos anos 2000 a China emergiu como gigante regional a dominar o fluxo de comércio asiático e cresceu muito como potência econômica mundial, tanto que em 2008 concentrava cerca de 15% do valor adicionado global da indústria, mais do que os demais GPEDs juntos que somaram aproximadamente 11% no mesmo ano, como será mostrado no capítulo 3.

Mesmo com a intensa presença da China nos mercados globais nos anos 2000, a maior parte do VA doméstico integrado às CGVs para frente correspondeu a integração simples. Isso significa que a maior parte do VA doméstico exportado pela China, 9,2% do PIB em 2008, foi usada no processo produtivo dos parceiros comerciais diretos para consumo interno. Apenas 2,9% do PIB chinês destinou-se a exportações de VA doméstico utilizado no processo produtivo de outros países com fins de exportação ou consumo interno (exceto pelo parceiro comercial direto da China), o que corresponde à participação complexa da China nas CGVs para frente em 2008.

Não é somente na China que a participação simples na CGV para frente é predominante. Para todos os países em ambos os anos 2000 e 2008, a participação simples foi predominante e representou em média 79% do índice de participação na CGV para frente.

Assim como na evolução dos índices de participação nas CGVs para frente, a maioria dos países ampliou sua integração nas CGVs para trás entre 2000 e 2008, exceto Indonésia, México e Rússia, conforme Gráfico 5.

Na análise da integração dos GPEDs às CGV para trás (Gráfico 5), os países apresentaram um padrão de inserção na rede de produção global semelhante entre si, pois os índices de participação nas CGVs para trás de todos os GPEDs se encontraram pouco acima ou pouco abaixo do patamar de 15% em 2000 e 2008.

Gráfico 5 – Participação na CGV para trás 2000/2008 (total, simples e complexa)

Fonte: WIOD. Elaboração própria.

Em 2000, a Indonésia, seguida pelo México eram os países com maior integração à CGV para trás, com respectivamente 18,0% e 16,7% de VA estrangeiro incorporado na produção final. Em 2008, contudo, a liderança foi ocupada pela Turquia com 18,8% de VA estrangeiro incorporado na produção final e em segundo lugar pela Índia, com 17,8% de participação na CGV à montante.

O Brasil, por sua vez, não tem sido pouco integrado à CGV como costuma se concluir com base nas metodologias que decompõem o valor adicionado das exportações brutas do país e desconsideram o VA estrangeiro usado para processamento e consumo interno do país importador direto. O Gráfico 5 mostra que, nessa ótica, o Brasil tem sido tão integrado às CGVs para trás quanto os demais GPEDs.

Chama atenção o fato de o Brasil ter se apresentado mais integrado a CGV para trás do que China, Índia e Rússia em 2000, e mais do que China, Indonésia, México e Rússia em 2008. Enquanto no Brasil, a parcela de VA estrangeiro incorporado na produção de bens finais atingiu o valor de 14% em 2000, na China, Índia e Rússia foi de 12,0%, 13,2% e 13,5% respectivamente. Em 2008, o Brasil superava a Rússia em 3,8 p.p., o México em 1,8 p.p., a China em 1,1 p.p. e a Indonésia em 0,3 p.p. em termos de integração à CGV para trás.

Diferentemente da integração dos países nas CGVs para frente predominantemente simples, a integração dos GPEDs nas CGVs para trás se dá de maneira mais complexa. No Brasil, a maior parte da integração nas CGVs se deu de maneira complexa tanto em 2000 quanto em 2008, cerca de 65% da participação na CGV à montante foi complexa. Em 2008, 11,0% da produção final do Brasil esteve relacionada à participação complexa na CGV à montante e 5,9% à participação simples na CGV à montante. Isso significa que a maior parte do VA estrangeiro incorporado na produção final brasileira, não foi importada diretamente do parceiro comercial para processamento e uso doméstico.

Nos demais GPEDs, a participação complexa na CGV para trás representou em média 50% do índice de participação na CGV para trás nos anos 2000 e 2008, ou seja, um percentual menor relativamente ao Brasil.

De maneira geral, como esperado, o período de 2000 a 2008 foi um período de expansão da integração nas CGVs para frente e para trás para a maioria dos GPEDs, exceto Indonésia e Rússia que reduziram suas participações nas CGVs nos dois sentidos (para frente e para trás).

Comparativamente aos demais países, parece que o Brasil perdeu a oportunidade se se integrar mais às CGVs para frente entre 2000 e 2008, deixando de exportar VA doméstico na mesma intensidade que seus pares em relação ao PIB, pois seus índices permaneceram inferiores ao dos GPEDs. Por outro lado, na integração para trás na CGV, o Brasil apresentou índices de integração semelhantes aos dos demais países, empregando VA estrangeiro como proporção da produção final de maneira semelhante aos GPEDs, demonstrando um grau de integração à fragmentação da produção internacional compatível com o das demais economias analisadas. Isso indica que a maior integração na CGV para trás não resultou necessariamente em maior integração na CGV para frente.

Alguns riscos desse fenômeno são apontados por Morceiro (2018) que salienta que se o maior nível do coeficiente de importação de insumos e componentes comercializáveis não for acompanhado do aumento do coeficiente de exportação pode-se fragilizar elos produtivos, reduzir encadeamentos intersetoriais e limitar o desenvolvimento tecnológico.