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Capítulo 1 – Cadeias Globais de Valor: definições, contextualização, mensuração e impactos

1.1. Aspectos históricos e conceituais das Cadeias Globais de Valor

1.1.5. Mudanças no comércio internacional

Nas seções anteriores vimos como a integração produtiva em escala mundial tem modificado a governança do processo produtivo e a geografia da produção mundial, configurando uma nova divisão da produção e do trabalho. Esta seção visa mostrar como as redes de produção globais têm transformado significativamente o comércio internacional e como as CGVs tem contribuído para mudanças na elasticidade renda do comércio internacional. Como diferentes estágios de produção são frequentemente conduzidos por vários produtores localizados em diversos países, com partes e componentes que atravessam fronteiras nacionais várias vezes, o crescimento das CGVs se refletiu no aumento do comércio de produtos intermediários (materiais, partes e componentes).

Fontes de dados apontam que o comércio de bens intermediários superou e cresceu mais rapidamente do que o comércio de bens finais nos últimos anos, como o Gráfico 1. O Gráfico 1 mostra a evolução da razão das exportações de bens e serviços intermediários sobre as exportações de bens e serviços finais dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento11.

11 Foram considerados como países em desenvolvimento: Brasil, Bulgária, China, Croácia, Hungria, Índia,

Indonésia, México, Polônia, Romênia, Rússia e Turquia; e como países desenvolvidos: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chipre, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Eslováquia, Eslovênia, EUA, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Noruega, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Suécia, Suíça, Taiwan, conforme classificação do FMI.

Gráfico 1 – Razão entre exportações de bens e serviços intermediários e exportações de bens e serviços finais (2000-2014)

Fonte: WIOD (World Input-Output Database). Elaboração própria.

Algumas constatações interessantes podem ser depreendidas da análise do Gráfico 1. Em primeiro lugar, o montante das exportações de bens intermediários já superava o montante de exportações de bens finais desde 2000 em ambos os grupos de países pois a razão foi superior a 1 desde o início da série mostrada no Gráfico 1.

Em segundo lugar, a razão entre a exportações de bens e serviços intermediários e as exportações de bens e serviços finais nos países desenvolvidos foi maior do que nos países em desenvolvimento em todo o período. Isso pode ser um indicativo de que os países desenvolvidos estão mais integrados nas redes de produção global do que os países em desenvolvimento.

Em terceiro lugar vale destacar a trajetória crescente de ambas as linhas do Gráfico 1 mostrando que as exportações de bens e serviços intermediários ganharam cada vez maior importância nas exportações dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nos países em desenvolvimento, contudo, as exportações de bens e serviços intermediários deixam de crescer acima do crescimento das exportações de bens e serviços finais a partir de 2011, apresentando uma razão quase estável até 2014.

Considerando o ritmo de crescimento do comércio internacional, independentemente da separação entre bens finais e intermediários, verificam-se elevadas taxas de crescimento comercial desde 1980, conforme se observa no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Taxa de Crescimento Anual do PIB Mundial e das Exportações Mundiais de Bens e Serviços de 1980 a 2017 (% a.a.)

Fonte: FMI e Banco Mundial. Elaboração própria.

Ao comparar o crescimento das exportações mundiais de bens e serviços com o crescimento do PIB mundial no Gráfico 2, observa-se que nas últimas décadas o crescimento do comércio mundial foi superior ao crescimento do PIB. Contudo, a crise internacional de 2008/2009 abalou fortemente o comércio mundial e nos anos subsequentes, a taxa de crescimento do comércio mundial tendeu a se aproximar do crescimento anual do PIB.

O declínio da elasticidade renda do comércio depois dos anos 2000, mas especialmente após a crise financeira internacional, tem sido amplamente debatido. Segundo Constantinescu et al. (2015), antes da crise financeira internacional, no período de 2001 a 2007, associava-se um aumento de 1,5% no comércio para cada 1% de aumento da renda mundial, mas no período pós crise, de 2008 a 2013, esta relação caiu para 0,7% de aumento no comércio mundial.

Constantinescu et al. (2015) mostram que o comércio cresceu mais lentamente, não só por causa da redução do crescimento do PIB, mas também devido a uma mudança na relação comércio-PIB nos últimos anos.Os autores testam diversos fatores que poderiam explicar o declínio na elasticidade do comércio em relação ao PIB: mudanças na estrutura de comércio e demanda agregada, aumento do protecionismo e redução da especialização vertical internacional. A conclusão dos autores foi de que o ritmo lento de expansão das CGVs foi o fator preponderante.

Diversos outros autores12 chamaram a atenção para as mudanças na elasticidade do comércio internacional em relação à renda e analisaram a desaceleração do comércio mundial principalmente pós crise financeira internacional, questionando se estaria relacionada a um declínio temporário ou uma mudança estrutural no padrão das CGVs.

Marcato (2018) investiga se as mudanças na relação comércio-PIB estão relacionadas a fatores cíclicos ou estruturais, com destaque para os efeitos da participação dos países nas CGVs sobre o comportamento da elasticidade renda do comércio. A autora analisa dados de 1989 a 2014 e conclui que a elasticidade do comércio global diminuiu nos anos 2000, ou seja, o comércio tornou-se menos sensível a mudanças na renda e a elasticidade foi mais baixa para as economias emergentes do que para os países avançados.

Considerando as variáveis de participação das CGVs de 1995 a 2011, Marcato (2018) encontra evidências de que a menor elasticidade renda do comércio está associada ao ritmo mais lento da participação dos países nas CGVs. Portanto, corrobora-se a hipótese de que diferentes padrões de participação nas CGVs têm provocado diferentes comportamentos na elasticidade renda do comércio especialmente nos anos mais recentes. Isso pode ser o resultado de uma maturação do processo de fragmentação internacional dos processos de produção, dado o aumento nos custos de mão-de-obra das economias emergentes e as decisões de empresas de retornar sua produção ao país de origem da empresa.

Para Bems, Johnson e Yi (2011), por exemplo, o colapso no comércio internacional após a crise financeira internacional pode ter efeitos duradouros nos processos de fragmentação, uma vez que os governos podem adotar políticas para proteger as indústrias domésticas, levando as empresas a realocar etapas de produção para o próprio país de conclusão ou para o bloco comercial em que pertence.

Segundo Timmer et al. (2015), de 2000 a 2008 havia uma tendência de aumento da fragmentação internacional, um dólar da produção final de bens gerou 25% das importações mundiais em 2000, aumentando para 33% em 2008. Contudo, esta rápida fragmentação internacional da produção de bens foi dramaticamente revertida em 2008. O colapso global do comércio foi seguido por uma recuperação gradual e em 2011, praticamente retornava ao nível de 2008. De 2011 a 2014, o processo de fragmentação estagnou e parece ter revertido em alguns casos.

Por meio de uma análise de decomposição de matrizes insumo-produto internacionais, Timmer et al. (2015) concluem que o crescimento do comércio mundial no

período de 2000 a 2008 foi devido a uma combinação de duas forças: alta demanda por produtos intensivos em comércio e contínua fragmentação da produção internacional. Entre 2008 e 2011 ambas as forças contribuíram para o colapso e, de 2011 a 2014, estagnaram.

Detalhando cada uma das cadeias industriais, Los, Timmer e de Vries (2015) estudam se a crise financeira global em 2008 causou uma quebra estrutural no ritmo de crescimento da fragmentação internacional, comparando o período pré-crise (1995 a 2008) e pós crise (2008 a 2011). Os autores analisam todas as cadeias industriais dos 40 países de WIOD e mostram que todos os setores manufatureiros apresentaram um crescimento da participação de valor adicionado estrangeiro na produção final de 1995 a 2008. Contudo, o grau de fragmentação dos diferentes segmentos industriais cresceu de maneira distinta entre estes. O setor de produtos de petróleo foi o que apresentou maior crescimento da parcela de valor acionado estrangeiro na produção final e também o que apresentava maior grau de fragmentação entre todos os setores em 1995 e em 2008. Esse aumento não é surpreendente dado o crescimento dos preços do petróleo bruto no período e o fato de que a maioria dos países depende de intermediários importados para produzir produtos refinados do petróleo.

A parcela de valor adicionado estrangeiro no produto final também aumentou rapidamente entre 1995 e 2008 em produtos de metal, eletrônicos, produtos químicos, transporte e máquinas e equipamentos, que são indústrias importantes em termos de valor de produção final. Em contraste, a fragmentação das cadeias de valor de couro, têxteis e alimentos avançaram lentamente (Los, Timmer e de Vries, 2015).

A crise internacional de 2008 induziu uma queda importante na fragmentação internacional de todas as cadeias industriais, mas de curto prazo na visão de Los, Timmer e de Vries (2015), pois em 2011 (último ano da análise dos autores) os índices de fragmentação das CGVs praticamente retornavam ao nível de 2007.

Com a disponibilidade de dados de integração nas CGVs para um período mais longo depois da crise financeira internacional até 2014 será possível observar se de fato houve uma redução do crescimento das CGVs nos anos que se seguiram à crise financeira internacional, o que será observado no capítulo 2. Dada a maior relevância do mercado interno dos GPEDs, é possível que esses países tenham reagido de maneira particular nesse período. Nesse aspecto, se evidencia mais uma vez a importância da análise centrada nos GPEDs.