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MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL E COLETIVO O art 5º, LXIX, da CF dispõe:

conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Esse remédio constitucional revela-se verdadeira criação nacional em forma de ação constitucional de natureza civil. A primeira Constituição a contemplá-lo foi a de 1934, sendo seguida pelas demais, com exceção à de 1937. As regras relacionadas ao seu procedimento e outras normas estão dispostas na Lei n. 12.016, de 07.08.2009, o qual nada mais fez do que incorporar algumas súmulas e enunciados do STJ e do STF. Revogou, expressamente, as Leis ns. 1.533/51, 4.166/62, 4.348/64, 5.021/66, entre outros dispositivos de normas esparsas relacionados à matéria.

Esse instrumento constitucional deve ser impetrado em face de autoridades públicas, ou a elas equiparadas, quando praticarem atos ilegais ou abusivos. O art. 1º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009 vedou expressamente a impetração desse remédio contra atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedades de economia mista e de concessionárias de serviço público.

O art. 5º, III, da Lei n. 12.016/2009, estabelece ainda vedações à impetração de MS em face de decisão transitada em julgado (Súmula n. 268 do STF). O § 3º do art. 6º estabelece ser a autoridade coatora “aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.”

Ampla é a aceitação do conceito oferecido por Hely Lopes Meirelles, para o qual o mandado de segurança

é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.9

2.1. Pressupostos do mandado de segurança

O controle jurisdicional, diante dos atos de ilegalidade e abuso de poder, pode ser oposto por qualquer pessoa, física ou jurídica, de forma individual ou coletiva, que sofra lesão ou ameaça de lesão ao denominado direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data.

Essa ação civil possui pressupostos específicos que podem ser identificados como:

a) ato comissivo ou omissivo de autoridade; b) ilegalidade ou abuso de poder;

c) lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo; d) caráter subsidiário.

O primeiro quesito diz respeito ao agente que realiza o ato ilegal ou que abusa do poder. Di Pietro considera ato de autoridade todo aquele que

for praticado por pessoa investida de uma parcela de poder público. Esse ato pode emanar do Estado, por meio de seus agentes e órgãos ou de pessoas jurídicas que exerçam funções delegadas. Isto quer dizer que abrange atos praticados pelos órgãos e agentes da administração direta e da indireta (autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviços públicos). E abrange também atos emanados de particulares que ajam por delegação do Poder Público.10

Responde pelo ato comissivo a autoridade que teve a iniciativa de efetivar o ato e pelo omissivo, quem deveria realizá-los e nada fez. Estas seriam

as autoridades coatoras contra quem se impetra o MS nos casos de ação e omissão.

Outra dificuldade que se impõe é a questão da posição de algumas normas existentes na Lei n. 12.016/2009:

a) o art. 5º, I, refere-se à impossibilidade de interposição de MS contra ato administrativo de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independente de caução;

b) o art. 5º, II, expõe a impropriedade do MS contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

c) no art. 5º, III, de decisão transitada em julgado.

Não obstante o comentário tenha sido feito antes da promulgação da Lei 12.016/2009, seguem válidas as observações por ela ter repetido, até no mesmo artigo, as disposições da lei anterior. Para Di Pietro, tais posições devem ser relativizadas em face do que dispõe a Constituição Federal, pois sempre será cabível o MS se as “três exceções previstas não forem suficientes para proteger o direito líquido e certo do impetrante”.11

Direito líquido e certo é aquele comprovado de plano. Entende-se como aquele que “se apresenta manifesto na sua existência, delimitado em sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração”, nas palavras de Hely Lopes Meirelles.12 Esse conceito, segundo José Afonso da Silva,13 é

aceito pela doutrina e jurisprudência. Ainda, sob seu escólio, entende que, no direito líquido e certo, o direito invocado, para ser amparável, deve vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante. Se sua existência for duvidosa ou ainda depender de fatos indeterminados, e sua extensão não delimitada, não será possível sua impetração.

Assim, no momento da impetração, deve o impetrante apresentar na inicial: o direito, seus requisitos e a prova cabal para seu reconhecimento. Na verdade, não se oferece a possibilidade de dilação probatória. Isso não impede, contudo, a possibilidade de a dilação ser proveniente das informações da autoridade, que darão base para o MS. Nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei n. 12.016/2009, se o documento necessário à prova do alegado se achar em repartição ou estabelecimento público ou ainda em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição do

documento em original ou em cópia autêntica, e marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de dez dias.

2.2. Possibilidade de impetração de mandado de segurança É possível, outrossim, a impetração de mandado de segurança em:

a) ato administrativo específico – desde que ilegal e ofensivo a direito individual ou coletivo, líquido e certo do impetrante;

b) lei de efeito concreto – ainda que emanada do Legislativo, não possui caráter genérico abstrato. Na verdade, mais se assemelha a um ato administrativo;

c) lei autoexecutória – também é cabível MS, eis que dispensa ato administrativo a posteriori para produção de efeitos.

Observa-se, nos casos assinalados, a possibilidade de impetração pelo sentido material do ato, independente de sua natureza.

Por sua vez, considera-se não cabível o mandado contra: a) lei em tese;

b) decisão judicial com trânsito em julgado e atos jurisdicionais do STF; c) atos legislativos interna corporis;

d) extensão de vantagens pecuniárias concedidas de uma categoria para outra;

e) ato que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo (independente de caução);

f) ato judicial passível de recurso, com efeito suspensivo;

g) atos de gestão comercial efetivados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público (art. 1º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009).

2.3. Peculiaridades processuais do mandado de segurança

O rito é do remédio é especial e possui peculiaridades próprias. A autoridade judiciária, ao receber a inicial, recebe-a normalmente, se houver ou não pedido liminar, despacha para que a autoridade coatora se manifeste em dez dias para prestar informações. Essas informações devem compreender todos os quesitos, provas e argumentos que a autoridade considerar importante pontuar. Não pode ser considerada contestação. A

autoridade deve manifestar-se pessoalmente, acompanhada ou não de procurador. Após a manifestação da autoridade, o Ministério Público será ouvido no prazo de cinco dias e o juiz deve proferir sentença também em cinco dias.

Nos termos do art. 7º, como previsão final inovadora da Lei em comento, ao despachar a inicial, o juiz ordenará:

III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

A legitimação ativa é conferida a toda e qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, ou ainda a outras entidades a exemplo da universalidade patrimonial.

Autoridade coatora, também denominada impetrado ou legitimado passivo, é aquela que tenha realizado o ato ilegal ou abusivo e contra quem se alega o dano que eivou a esfera de direitos do impetrante.

Sentença em MS – na hipótese de concessão da segurança, a sentença possui ordem dirigida à autoridade coatora para que cesse a lesão ou execute o que omitiu, por meio de ofício do juiz, transmitido pela própria parte, em alguns casos, oficial de justiça ou pelo próprio correio.

Prazo para impetração – O art. 23 da Lei n. 12.016/2009 indica o prazo de 120 dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. A Súmula n. 632 do STF já estabelecia esse prazo em face das discussões acerca da constitucionalidade ou não desse prazo legal. Importante observar que esse prazo é decadencial, não comportando interrupções ou suspensões.

Nos termos da Lei n. 13.676/2018, que modificou o art. 16 da Lei n. 12.016/2012, “nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão do julgamento do mérito ou do pedido liminar”.

Diante dessa modificação, tornou-se possível a sustentação oral na defesa do julgamento de mérito ou mesmo no pedido liminar. Ampliou-se, portanto, os mecanismos de defesa do remédio constitucional.

2.4. Mandado de segurança coletivo

A Constituição de 1988 trouxe novidade relacionada ao MS coletivo, o qual viabiliza a impetração dentro dos mesmos moldes do MS individual. O art. 5º, LXX, reiterado pelo art. 21 da Lei n. 12.016/2009, a qual trouxe regramento inexistente sobre a matéria, estabelece que o MS coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades.

Direito coletivo, nos termos desse remédio, para Hely Lopes Meirelles,14 é

o que pertence a uma coletividade ou categoria representada por partido político, por organização sindical, por entidade de classe ou por associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano. Este só se presta a defender direito líquido e certo da categoria e não de um ou de outro membro da entidade representativa. Nele, postular-se-á direito de uma categoria ou classe, não de pessoas ou grupo.

José Afonso da Silva,15 comentando afirmações de Celso Agrícola Barbi,

refere-se aos debates da constituinte que decidiram excluir a expressão “direito líquido e certo” na proposta inicial da redação do inciso LXIX do art. 5º da CF, mas manteve-se nas discussões posteriores. Outro aspecto que pontua é o fato de a alínea b do inciso LXX referir-se a “interesses” e não a “direitos”. Seria isso suficiente para excluir do remédio a prova de plano na inicial, ou seja, o direito líquido e certo? Para ele, esse requisito será sempre exigido quando a entidade impetrar o MS coletivo na defesa de direitos subjetivos individuais.

Nos termos da jurisprudência do STF, não se trata de nova ação constitucional, mas sim de forma diversa de legitimação processual. E assim, “os princípios básicos que regem o mandado de segurança individual informam e condicionam, no plano jurídico-processual, a utilização do writ mandamental coletivo”.16

Podem ser destacadas as seguintes particularidades que diferenciam o mandado de segurança individual do coletivo:

Legitimação ativa – Partido político com representação no Congresso Nacional é aquele que possui pelo menos um representante na Câmara ou no Senado Federal. Pode ser em um dos dois ou em ambos. Se o parlamentar perder o mandato, o partido ainda mantém a capacidade. Outro aspecto relevante é a desnecessidade de o partido discutir apenas na seara dos direitos políticos. O entendimento é de que essa competência é mais ampla. Contudo, não pode discutir assuntos que fujam do âmbito de interesses daquele grupo. A jurisprudência oferece o exemplo do partido político (PSB-MA) que buscou valer-se desse mandamus para proteger direito líquido e certo da coletividade, impugnando exigência tributária (IPTU) diante da municipalidade. Nessa hipótese, o STF considerou inviável o MS para o partido substituir os contribuintes.17

A exigência de a entidade estar em funcionamento há pelo menos um ano refere-se unicamente às associações e não aos partidos políticos, entidades de classe e organizações sindicais.18

Relativamente à autorização dos associados, as Súmulas ns. 629 e 630 do STF confirmam que “a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes”. Ainda que existam súmulas dispensando a autorização dos associados, sublinha-se que o writ coletivo objetiva a defesa coletiva de direitos e não a defesa de direitos coletivos, como visto no exemplo jurisprudencial citado. Por esse motivo, deveria ser imprescindível a anuência expressa dos membros da entidade impetrante.

O principal argumento em prol da criação desse instrumento seria evitar eventuais situações controvertidas que poderiam gerar grande número de ações tratando sobre tema de objeto semelhante, colaborando com o princípio da segurança jurídica. Outro aspecto relaciona-se com a economia que pode gerar para o Judiciário diante da desnecessidade de manifestações múltiplas em face da interposição por meio de entidade associativa ou partido político.

O STJ entendia que o ajuizamento de mandado de segurança coletivo por entidade não inibe o exercício individual do mandamus individual, o que foi incorporado por meio do § 1º do art. 22 da Lei n. 12.016/2009. Assim, os efeitos da litispendência não operam em sede de mandado de segurança coletivo.

Os direitos protegidos pelo MS coletivo, nos termos dos incisos I e II do parágrafo único do art. 21 da Lei n. 12.016/2009, com redação semelhante à do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, referem- se tanto aos coletivos (transindividuais de natureza indivisível) como aos individuais homogêneos (decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica).