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Imprópria é a designação desse poder com adjetivação “constituinte”. Somente um Poder pode possuir tal característica, por ser soberano e ilimitado. Os demais poderes, apesar da designação usual, são constituídos, tendo em vista as limitações que acompanham sua manifestação e caracterizam-lhe a essência. Ao contrário do poder constituinte, que se discute sua natureza como poder de fato, não pairam dúvidas que esse é um poder de direito. É a própria Carta Maior que designa as condições e formas de seu exercício.

Existem discussões acerca de sua natureza e possibilidade de ser ou não considerado constituinte. Porém, correta é a posição de Carlos Ayres Britto15 ao afirmar que não existe Poder Constituinte Derivado, pela simples

constatação de que se é poder derivado não é constituinte. Se o poder é exercitado por órgãos do Estado, de maneira a retocar o Estado e sem esse poder de plasmar ex novo e ab novo o Estado, então de poder constituinte já não se trata. O verdadeiro e único Poder Constituinte é um poder de construção e ao mesmo tempo de demolição normativa. Este comporta divisões e subdivisões próprias a partir de elementos que os compõem:

Poder Constituinte decorrente – Referente aos estados-membros. Está previsto no art. 25 da CF, o qual consigna que “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. O art. 11 do ADCT estabelece o prazo de um ano, sem previsão de sanção para quem o descumpra, para que este poder seja exercido. Poder Constituinte reformador ou de reforma – O primeiro está estabelecido no art. 60 da CF e prevê as limitações e condições em que o texto pode ser alterado. O segundo, previsto no art. 3º do ADCT, refere-se à possibilidade de readequar a CF após cinco anos de sua vigência. Quanto a esta última, promulgou-se seis emendas de revisão.16

6.1. Características

Secundário – De modo a dar sequência ao aperfeiçoamento do Estado federal, o Poder Reformador tem como característica própria ser realizado após a manifestação do Poder Constituinte Originário. Ademais, a efetivação desse poder só é possível graças à sua previsão constitucional, sem a qual não teria cabimento. Por esse motivo recebe outras designações que lhe imprimem seu caráter posterior como instituído ou de segundo grau.

Subordinado – A competência é exercida dentro dos estritos limites do Poder Constituinte Originário; é hierarquicamente inferior ao mesmo. Seu exercício está previsto17 na Constituição e deve se restringir ao que ali está

consignado, sob pena de inconstitucionalidade. O Congresso, ao ser cometido como Poder Reformador, deve submeter-se, integralmente, às normas constitucionais.

Condicionado – A manifestação do poder e todas as peculiaridades a serem observadas constam em normas expressas, de forma a alertar o poder reformador acerca de eventuais limitações possíveis de existir em seu exercício. As constituições modernas contam com mecanismos próprios destinados ao seu ajuste do texto nas hipóteses em que os interesses maiores se manifestarem nesse sentido. Portanto, o texto deve exibir quais matérias não devem ser objeto de alteração e quais as condições a serem obedecidas no exercício do poder reformador. A seguir, serão relacionadas as principais limitações.

6.2. Poder Constituinte reformador ou de revisão

Em princípio cabe afirmar que o Poder de Reforma Constitucional (Poder Constituinte derivado) pode manifestar-se por duas formas básicas previstas na Constituição. O poder de emenda, de um lado; e o de revisão, do outro. Antes de se ingressar nessa análise, importa observar que o Poder Constituinte Originário manifesta-se por meio de Assembleia ou Congresso Constituinte. Essa, nas palavras de Sieyès, seria a única missão desse órgão colegiado. Uma vez elaborada a constituição, a Assembleia deveria dissolver-se, pois está terminada sua única e exclusiva missão. A questão de aproveitamento dela para outras finalidades, a exemplo do que ocorreu com a Constituinte de 1988, dá-se mais por motivos de ordem econômica e prática.

O poder de reforma ou emenda já é um poder ordinário do órgão legislativo, que, nas constituições rígidas, deve deliberar com quórum especial. Pode manifestar-se a qualquer tempo e sofre, certamente, limitações que serão observadas ulteriormente tendo em vista a classificação das mesmas em sede constitucional. A reforma se dá com o intuito de adequar a constituição às modificações necessárias à sua exequibilidade e adaptação social.

A revisão, além dos limites que serão posteriormente observados, ainda deve possuir um quarto limite que nada mais é do que a limitação concernente ao tempo, designada Limitação Temporal. Isso porque há uma periodicidade prescrita ou ainda uma previsão única de manifestação, sendo-lhe vedado manifestar-se mais que uma vez. Na Constituição portuguesa, há previsão de manifestação desse poder a cada cinco anos. Na brasileira, a autorização foi única e expressa de que se efetivasse de uma única vez. Estabeleceu o art. 3º do Ato das Disposições Transitórias18 a possibilidade de exercício da revisão

após cinco anos da promulgação da constituição. O intuito desse ato é a revisão sistêmica com o intuito de adaptar o texto, por exemplo, à mudança por voto plebiscitário que poderia resultar, nos termos do art. 2º do ADCT, na modificação da forma e sistema de governo. Na época, não obstante a permanência da mesma forma e sistema governamental, as revisões foram promulgadas.

6.3. Limitações ao Poder Reformador

As duas espécies previstas na Constituição Federal destinadas à reforma constitucional estão consignadas nos arts. 60 (emenda) e 3º (revisão) do ADCT, que estabelecem limitações de caráter expresso.

Complementando, Araújo e Nunes afirmam ainda existir implícitas duas espécies de limitação. As primeiras estariam inseridas de forma expressa no texto constitucional e as outras não. Os implícitos são aqueles que “por decorrência do sistema, algumas mudanças constitucionais não podem ser toleradas, apesar de não estarem previstas de forma clara”.19

O STF já se pronunciou acerca das limitações implícitas e explícitas20 do

poder reformador, manifestando-se sobre a antecipação do plebiscito previsto no art. 2º do ADCT.

6.3.1. Limites formais ou procedimentais

Referem-se às características relacionadas à forma constitucional, ou seja, aos meios aos quais os parlamentares devem recorrer para a aprovação de emendas à constituição. A característica rígida imputada à Constituição brasileira faz com que ela possua mecanismos diferenciados das normas infraconstitucionais para aprovação de eventuais alterações ou supressões.

Do art. 60 é possível extrair algumas limitações dessa natureza:

Quórum – Só poderá ser emendada mediante proposta de, no mínimo, um terço dos deputados ou senadores (I).

Competência para propor – Presidente da República (II); mais da metade das assembleias legislativas dos estados-membros, pela maioria relativa (simples) de seus membros (III). Aqui não cabe iniciativa popular, eis que o § 2º do art. 61 referiu-se unicamente a projeto de lei.

Votação – A proposta de emenda à Constituição deve ser discutida e votada em dois turnos, considerando-se aprovadas as que obtiverem três quintos dos votos dos deputados e senadores (§ 2º).

Promulgação – É a Mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, observado o respectivo número de ordem, que promulgará as emendas à Constituição (§ 3º). O presidente da República não se manifesta nesse momento do procedimento legislativo, apenas recebe a emenda para ser publicada. Via de regra, entra em vigor na data da publicação.

Proposta rejeitada ou prejudicada – Uma vez rejeitada ou prejudicada a proposta não poderá ser discutida na mesma sessão legislativa. Assim, deve aguardar para ser proposta no ano seguinte (§ 5º). Importante observar que essa vedação não se aplica a eventuais substitutivos à emenda constitucional, conforme se manifestou o STF.21

6.3.2. Limites circunstanciais

Referem-se a determinadas situações em que se presumem estarem os parlamentares envolvidos no processo de aprovação de emendas sob coação ou violenta emoção. São situações que fogem à normalidade e há turbulência institucional gerando ambiente não propício à alteração constitucional.

Assim, não é possível emendar a Constituição na vigência de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio. Essas situações recomendam cautela

quanto às decisões tomadas; ademais, presume-se existir um executor22 a

quem o Congresso deve acompanhar proximamente, fator que também necessita de extrema atenção, e determina a Constituição que o Congresso deve permanecer em funcionamento, sem recesso, em tais períodos (arts. 136, § 6º, e 138, § 3º, da CF).

6.3.3. Limites materiais (cláusulas pétreas)

Aqui se examina o próprio conteúdo das normas constitucionais. Por esse meio veda-se a alteração de cláusulas constitucionais que, em decorrência de sua imutabilidade, foram adjetivadas como pétreas.

Assim, percebe-se que se lavrou no § 4º do art. 60 o núcleo duro da Constituição, com o intuito de mantê-las íntegras em sua vigência; isso por terem os deputados constituintes deliberado acerca da intangibilidade das mesmas em face de sua relevância em termos de estabilidade das instituições estatais.

Nesse sentido, Mendes afirma terem tais cláusulas uma perspectiva de perpetuidade sob o argumento de que

elas perfazem um núcleo essencial do projeto do poder constituinte originário, que ele intenta preservar de quaisquer mudanças institucionalizadas. E o poder constituinte pode estabelecer essas restrições justamente por ser superior juridicamente ao poder de reforma.23

Não se trata de algo absolutamente imposto, cuja modificação esteja fora da disposição de seus titulares. Uma vez observada a necessidade de modificação de tais cláusulas, nada impede que uma nova constituição seja promulgada. Portanto, se a população se resigna com as limitações materiais imposta pelos constituintes originários, elas vão permanecer em vigor até que se reúna nova Assembleia com o propósito de modificá-las.

Outro ponto que merece ser observado é o fato alertado por Jorge Miranda,24 no sentido de que a cláusula pétrea não objetiva unicamente

albergar determinado número de dispositivos constitucionais, mas também os princípios neles modelados. Estes seriam as decorrências normativas implícitas que as expressas trariam em seu conteúdo.

Outro ponto que merece ser destacado em sede de cláusulas pétreas é o controle do Judiciário no que tange ao poder de reforma da Constituição, sobretudo na matéria em comento. Para a decisão tomada no ADI n. 466/DF:

As limitações materiais explícitas, definidas no § 4º do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático, acaso desrespeitada, pode legitimar o controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta, de constitucionalidade.25

Também as implícitas foram objeto de análise do STF; conforme este Tribunal decidiu, “o parâmetro de aferição de sua constitucionalidade é estreitíssimo, adstrito às limitações materiais, explícitas ou implícitas, que a Constituição imponha induvidosamente ao mais eminente dos poderes instituídos, qual seja o órgão de sua própria reforma”.26

Cláusulas pétreas no § 4º do art. 60 da CF

As cláusulas pétreas, conforme se pode observar, é objeto de grande número de decisões do STF, o que fornece subsídios para uma análise mais pontual do tema. A seguir estão as limitações materiais explícitas e sua respectiva análise em sede constitucional.

Forma federativa de Estado

Forma é tipo de Estado, conforme Ferreira Filho,27 uma das características

mais marcantes do Estado federal que o diferencia do Estado unitário descentralizado é o fato de a estrutura federativa estar disposta como intocável. Nesses estados, os estados-membros participam do poder central por meio do Senado e se reconhece a auto-organização deles; para o Estado federal é possível limitar esse poder de auto-organização a quase nada, como ocorre no Brasil atual.

Segundo decisão do STF a “forma federativa de Estado” – elevado a princípio intangível por todas as constituições da República – não pode ser conceituada diante de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou e, como o adotou, erigiu em limite material imposto às futuras emendas à Constituição; de resto as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da

respectiva disciplina na constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege.28

Assim, ainda que o ADCT tenha possibilitado a manifestação plebiscitária quanto à forma e ao sistema de governo, o tipo permaneceu inalterável. O tipo de Estado federativo é uma das formas limitadoras do poder, no qual os estados cedem parcela de sua soberania em prol de um poder central. Assim, há distribuição de competência entre tais entes, delegáveis ou não.

A separação dos Poderes

Montesquieu aprofundou seu trabalho na obra O espírito das leis e trouxe base doutrinária ao que John Locke, filósofo liberal inglês, já havia desenvolvido sobre o tema e Aristóteles, observado na comunidade de sua época. Na verdade, foram os Estados Unidos os primeiros a consignar tal separação em sua constituição e, doravante, outros estados passaram a incluí- la.

A atual Constituição estabeleceu a tripartição dos poderes como mais outra cláusula pétrea e, assim, tornando-se imutável por via de emenda.

Interessante a discussão acerca do tema por ocasião da criação do Conselho Nacional da Justiça. A Associação dos Magistrados Brasileiros questionou a constitucionalidade da criação de tal órgão e afirmou ser atentatório ao princípio da tripartição dos poderes. Isso foi imediatamente refutado pelo plenário ao afirmar que a criação do CNJ mantinha a “subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições do seu exercício imparcial e independente”.29

O voto direto, secreto, universal e periódico

Essa cláusula, pioneiramente introduzida entre as cláusulas pétreas da Constituição brasileira, quer impedir o retorno do sistema indireto existente anteriormente no sistema jurídico nacional, mormente pela ampliação da participação popular por meio de referendo, plebiscito e iniciativa popular.

Porém, está consagrado definitivamente em nosso sistema a inviolabilidade dessa obrigação legal a todos imposta: o direito de votar. Discute-se, pela proposição de cerca de vinte emendas à Constituição, pela facultatividade desse direito de cidadania. Contudo, isso também não violaria a cláusula pétrea que simplesmente estabelece a votação universal e direta, de forma periódica.

Direitos e garantias individuais

Como afirmado pelo Ministro Celso de Mello do STF, em decisão sobre a matéria, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.30

Em outra decisão de relevo, o relator com precisão afirmou ser o prestígio desses direitos o elemento essencial de realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica, impedindo que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais. Para ele, os direitos de caráter penal, processual e processual-penal cumprem papel fundamental na concretização do moderno Estado democrático de Direito. A aplicação escorreita ou não dessas garantias é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de barbárie. A diferença entre um Estado totalitário e um Estado democrático de Direito reside na forma de regulação da ordem jurídica interna. O âmbito de proteção de direitos e garantias fundamentais recebe contornos de especial relevância em nosso sistema constitucional.31

Além dos direitos concernentes ao direito penal e processual penal, não se pode olvidar que os direitos humanos também abrangem os direitos de segunda dimensão (econômicos e sociais), de terceira (difusos e coletivos), além dos outros que surgirem. Ademais, a Constituição referiu-se, no § 2º do art. 5º, à previsão de que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais dos quais o Brasil faça parte. Portanto, difícil circunscrever os direitos fundamentais aos estabelecidos expressamente no art. 5º da CF.

Como exemplo dessa ampliação dos direitos individuais, importante a decisão do Ministro Lewandowsky, reconhecendo a garantia do duplo grau de jurisdição como englobado no princípio do devido processo legal. Afirmou o Ministro que o

[...] acesso à instância recursal superior consubstancia direito que se encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e garantias fundamentais. Ainda que não se empreste dignidade constitucional ao duplo grau de jurisdição, trata-se de garantia prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, cuja ratificação pelo Brasil deu-se em 1992.32