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O NEOCONSTITUCIONALISMO E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO

As constituições no mundo passaram a ser o referencial jurídico fundamental para as sociedades atuais. Cada grupo social leva em consideração determinados marcos essenciais que puderam trazer para aquele Estado um determinado número de características que o peculiarizam diante de suas próprias necessidades.

Em relação a esse fato, Luiz Roberto Barroso16 esclarece que a

reconstitucionalização da Europa, após a 2ª Guerra Mundial, inicialmente, na Alemanha, em 1951, e na Itália, em 1956, trouxe uma nova dimensão à Constituição e sua influência em face das instituições contemporâneas. Na visão do autor, “a aproximação das ideias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política”. Esta pode ser reconhecida por Estado democrático ou constitucional de direito.

Para o autor, a Constituição vigente “[...] passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Esse fator gerou três ocorrências fundamentais: a) o reconhecimento da força normativa da Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional e c) o desenvolvimento de uma dogmática própria”.

Nesse sentido, os princípios gerais e os conceitos jurídicos indeterminados, em que se plasmam entendimentos de plurissignificação, passaram a ter uma valoração própria sobretudo dada pelo Judiciário, sobretudo de sua Corte

Suprema, que veio a preencher lacunas e, como afirmou o atual Ministro, “superar o déficit de legitimidade dos demais Poderes”.

Não é nova a vertente de publicização do direito privado, que tende a ser uma corrente em sentido semelhante, notada sobretudo na França e países europeus. Porém, a constitucionalização do direito privado é movimento que segue o reconhecimento da legitimidade da Constituição e de sua interpretação, sobretudo no âmbito dos direitos privados cujo manejo pode infringir dispositivos superiores. Exemplo típico é o ocorrido na legislação civil em vigor relacionado ao manejo de reitegração de associado excluído, em que “[…] entendeu-se ser, na espécie, hipótese de aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas (RE n. 201.819/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, rel p/ ac. Min. Gilmar Mendes, j. 11.10.2005).17

QUESTÕES

1. (Concurso Magistratura SP 186) O “constitucionalismo moderno”, com o modelo de Constituições normativas, tem sua base histórica

A) a partir da Magna Carta inglesa e no Bill of Rights da Inglaterra.

B) com o advento do “Estado Constitucional de Direito”, com uma Constituição rígida, estabelecendo limites e deveres aos legisladores e administradores.

C) a partir das Constituições do México e de Weimar, ao estabelecer o denominado “constitucionalismo social”.

D) a partir das revoluções Americana e Francesa.

2. (Concurso Magistratura SP 186) A expressão “constitucionalização do Direito” tem, de modo geral, sua origem identificada pela doutrina

A) nos julgamentos dos MI 712/PA, 670/ES e 708/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, alterando entendimento anterior para reconhecer sua competência para editar texto normativo diante da omissão legislativa, a fim de concretizar previsão constitucional.

B) na Alemanha, especialmente sob a égide da Lei Fundamental de 1949. C) na Constituição Federal brasileira de 1988, com seu conteúdo analítico e casuístico.

D) nos EUA, com o precedente firmado no julgamento do caso Marbury v. Madison, em 1803.

3. (Atividade notarial e de registro – SC 2008) Assinale a alternativa que contém uma afirmativa correta a respeito do constitucionalismo.

A) O constitucionalismo teve seu marco inicial com a promulgação, em 1215, da Magna Carta inglesa.

B) O constitucionalismo surge formalmente, em 1948, com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.

C) A doutrina do Direito Constitucional é uníssona no entendimento de que o constitucionalismo surgiu com a revolução norte-americana resultando, em 1787, na Constituição dos Estados Unidos da América.

D) É possível identificar traços do constitucionalismo mesmo na antiguidade clássica e na Idade Média.

E) O constitucionalismo brasileiro inspirou-se fortemente no modelo constitucional do Estado da Inglaterra.

RESPOSTAS 1. D

2. B 3. D

3

A Constituição

O conceito de constituição formou-se paulatinamente. As primeiras ideias limitadoras surgidas no medievo, as revoluções, os movimentos de independência e os novos ideais concebidos após a Segunda Guerra Mundial colheram tendências que, atualmente, refletem-se nos diversos textos constitucionais. Tem-se no Estado a ideia do “governo recto”, ou melhor, o poder político subordinado à moral, ao direito natural e à justiça. Bodin é contrário a qualquer forma de tirania e chama a atenção ao fato de o governo ter os mesmos interesses comums das diferentes famílias.1

Antes desse período, existiam pactos entre o monarca e o seu reino com o intuito de eliminar alguns conflitos ou mesmo alcançar a limitação do poder e a reserva ao povo de certas zonas de liberdade, participação e mesmo controle. O exemplo típico desse tipo de restrição é o Bill of Rights da Inglaterra.2

O ramo jurídico aqui enfocado foi concebido como ciência construída de modo autônomo da linha geral de evolução histórica das ideias políticas e possui origem recente. Isso não quer dizer que os povos antigos desconheceram as formas organizativas de Estado. Na verdade, o atual estágio de desenvolvimento da matéria deve-se à construção científica, de origem predominantemente francesa, local em que o direito público muito desenvolveu-se; em termos constitucionais, o panfleto intitulado Qu’est-ce

que le tiers-État?, atribuído a Emmanual Joseph Sieyès, que chamava a

atenção de um poder soberano pertencente ao povo. Antes disso, como verdadeiros antecedentes pode-se citar os pactos (do direito inglês: outorgava-se ao representante do burgo para gerar algumas garantias individuais), forais (encontrados em toda a Europa, na Idade Média, tratava- se de um plexo de poderes para o governo do burgo) e cartas de franquia (documentos que asseguravam independência a determinadas atividades), consubstanciavam-se em documentos adequados para proteção a determinados direitos humanos que surgiram logo no início da Idade Média. Para Troper, somente a partir das constituições escritas provenientes do século XVIII é que se pode contar como o início efetivo da ocorrência histórica de

um direito constitucional, pois só a partir delas é que se estabeleceu algum equilíbrio entre as forças políticas e a criação de sistemas jurídicos próprios que resultaram em limitações impostas aos governados.3

A constituição atual refere-se a um instrumento normativo fundamental que, sob a perspectiva sociopolítica, conforma a vida social, estabelece os objetivos estatais de maior relevância, circunscreve a tripartição dos Poderes, as funções típicas e atípicas dos mesmos, os meios de se exercer a cidadania de forma ativa e passiva; refere-se, sem exaurir, os direitos e garantias fundamentais, mecanismos de defesa do Estado e das instituições democráticas. Para Paulo Bonavides, ao contrário do que dizem alguns juristas que a ela se opõem, é a melhor das Constituições brasileiras de todas as épocas constitucionais. Para ele, o setor que mais avança é aquele em que o Governo busca retrogradá-la.4 Realmente, como outorga de direitos fundamentais

individuais e coletivos e da proteção jurídica da sociedade, e diante de garantias que proporciona, poderia ser considerada a melhor. Contudo, existem falhas, sobretudo no mecanismo de composição dos tribunais superiores, que gera verdadeiro retrocesso no processo democrático brasileiro. O fundamento do constitucionalismo se lastreia na limitação do poder imposta pelas normas constitucionais que reconhecem o âmbito de liberdade pessoal por meio dos direitos e garantias fundamentais; na restrição gerada a partir da tripartição dos Poderes, bem como do reconhecimento dos entes federativos – no Estado federal – e de outras entidades estatais – nos estados unitários descentralizados.

A limitação do poder seria essencial, segundo Rousseau, que entendia ser a constituição um verdadeiro contrato social; por meio dela buscava-se estabelecer novos fundamentos sobre os quais a sociedade política deveria se organizar e nascer, a partir da negação das desigualdades, responsáveis pelos problemas da vida social; sua construção é fundada sobre os princípios da igualdade e da liberdade. Assim, propõe o estabelecimento desse “contrato social”, representativo de “uma forma de associação” cujo intuito seria defender e proteger “a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contudo, a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”.5

Esse contrato de Rousseau baseia-se fundamentalmente na união entre iguais e não na submissão de uma classe por outra. O poder soberano deveria

exsurgir da renúncia dos interesses de cada pessoa em favor da coletividade. Dessa feita, a comunidade política se expressaria por meio de leis fundamentais que o povo, como corpo soberano que é, institui. Essa é a forma pela qual o homem perde a “liberdade natural” e alcança a “liberdade civil”, limitada pela “vontade geral”.

O conceito do Contrato Social rousseauniano subsidiava as lutas reivindicatórias de uma constituição. Assim consolidou-se o ideal do “contrato social”. O liberalismo como doutrina, no final do século XIX, propiciou meios para combater o absolutismo da época e promoveu as conquistas liberais. O resultado da implantação da ideologia liberal resultou na primeira geração de direitos, ou melhor, “dimensão de direitos”. Esta geração nada mais é do que a afirmação dos direitos e garantias individuais que, por sua vez, se subdividem em direitos civis e políticos. Os civis são aqueles atrelados às liberdades de locomoção, expressão, pensamento, religião, propriedade, amplo acesso ao Judiciário, entre outras; os políticos nada mais são do que a caracterização da cidadania ativa e passiva, ou seja, a pura capacidade de votar e de ser votado, respectivamente.

Contudo, o avanço das propostas burguesas dos séculos XVIII e XIX e a conquista de um rol de liberdades e restrições em face do absolutismo não lograram alcançar as reais necessidades dos cidadãos não proprietários. Estes se mantinham sujeitos aos proprietários. É desse contexto que se extrai a denominada “liberdade formal”, que desconsidera eventuais diferenças entre os indivíduos.

A partir dessa configuração, Marx efetiva sua crítica ao caráter formalista dos consagrados direitos humanos. Isso pelo fato de que a igualdade legal convivia com a flagrante desigualdade sofrida pela massiva população, submetida a uma extenuante jornada de trabalho e nenhum reconhecimento de direito social. Ainda que tal situação pudesse ser considerada um avanço frente à servilidade existente no período feudal, a nova realidade social gerava outro contexto tão insatisfatório quanto este: a necessidade do cidadão submeter-se a tais mazelas e deixar-se explorar para garantir a própria sobrevivência e a de sua família.

A valorização do indivíduo como centro e vetor fundamental do jogo político e econômico; o estabelecimento do poder legal, baseado no direito estatal, e o progresso econômico são consequências do projeto liberal.

Contudo, esse contexto falhou quanto à possibilidade de distribuição de rendas e de acesso ao capital. É nesse contexto que ganham espaço as ideias keynesianas. Para Keynes, o Estado deveria intervir para viabilizar uma mudança nesse cenário, criando condições para a acumulação lucrativa dos capitais privados e a manutenção das condições de harmonia social, sem o que as bases da existência da organização social seriam colocadas em perigo. Surge, assim, o Estado intervencionista, complementando o liberal ou mínimo. Para Scaff,6 os institutos caracterizadores do Estado liberal circunscrevem-

se nos seguintes: a) o princípio da legalidade; b) a separação de Poderes; c) o voto censitário; d) a liberdade contratual; e) a propriedade privada dos meios de produção e o fator “trabalho”; f) a separação entre os trabalhadores e os meios de produção.

Esses mecanismos já não se mostravam suficientes para suprir os anseios dos componentes da sociedade liberal que almejavam alcançar melhor nível de vida. Diante desse quadro de injustiça e, sobretudo, após as críticas das diversas encíclicas papais, passou-se a ter nova visão do Estado, o qual passou a ser fundamental no âmbito econômico e social. Com isso comprovou-se que a “mão invisível” defendida por Adam Smith não era suficiente para disciplinar per si a ordem econômica. Assim, o Estado passou a prestar serviços sociais, a disciplinar a economia de maneira a ajustá-la ao interesse social, estimulando ou restringindo sua manifestação por medidas de incentivo ou desestímulo. Esse novo modelo passou a ser conhecido como Welfare State ou Estado do Bem-Estar Social.

Ainda que o Estado liberal do Laissez faire laissez passer tenha prestado, de alguma forma, mecanismos básicos de assistência social e tenha desenvolvido contribuições de relevo para a afirmação de uma sociedade mais justa (liberdade comercial, religiosa, de imprensa etc.), os movimentos operários observaram que a liberdade e a igualdade prometidas eram teóricas; não poderiam ser alcançadas por eles. Dessa forma, reivindicaram do Estado ações que alcançassem esses interesses até então desprezados, surgiu dessa feita o Estado do bem-estar.

O compromisso de um Estado social nada mais representa do que uma transmutação estrutural, de forma a superar a contraposição entre igualdade política e a desigualdade social. O liberalismo não criava nenhuma resposta às contradições sociais representadas por famílias vivendo à margem daquilo que

era considerado satisfatório em termos de qualidade de vida. O acontecimento histórico considerado ponto de partida do Estado social foi a Revolução Russa de 1917, da mesma forma que a Revolução Francesa alavancou os processos relacionados ao Estado liberal.

Os principais eventos viabilizadores da passagem do Estado liberal à nova fase de Estado social foram: a) a Revolução, geradora de aumento da classe proletária, trazendo alterações substanciais na habitação, na previdência e mesmo nas condições de trabalho; b) o crack da bolsa de Nova Iorque, em 1929, momento da maior crise do liberalismo econômico, causando a grande depressão; devido às suas nefastas consequências, acarretou indispensável intervencionismo estatal na economia, sobretudo com o lançamento do New Deal;7 c) a Segunda Guerra Mundial fez com que o Estado assumisse funções

sociais e passasse a agir com maior eficiência nas esferas relacionadas ao bem- estar da população.

Dentro do contexto teórico keynesiano, foram repassadas ao Estado funções com vistas a incrementar os sistemas básicos garantidores do bem-estar da população. Isso, consequentemente, onerou a previdência, a folha salarial dos servidores públicos e os cofres do ente central com aumento de repasses aos governos subnacionais sem a transferência de encargos. Novos estudos foram propostos de forma a manter as conquistas com um modelo mais adequado às exigências atuais.