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MECANISMO DE AÇÃO

No documento Odontologia: temas relevantes (páginas 165-168)

Levobupivacaína: a nova bupivacaína

3 MECANISMO DE AÇÃO

O mecanismo de ação dos anestésicos locais tem sido mais bem esclarecido, nas últimas décadas, através de estudos realizados sobre a membrana e as interações químicas das formas moleculares ou ionizadas do anestésico local, bem como da sequência dos aminoácidos nos canais de sódio36.

Os neurônios são células, cujas membranas plasmáticas possuem características peculiares, e as fibras nervosas podem apresentar um reves- timento de mielina, que é formado pelas membranas plasmáticas de célu- las da glia, principalmente as células de Schwann. Entre as células gliais que envolvem o axônio, existem pequenos espaços denominados nódu- los de Ranvier, onde a membrana do neurônio fica exposta. A membrana do axônio é formada por uma bicamada lipídica e, principalmente, pelos glicerofosfolipídeos, esfingolipídeos e os esteróides. A porção hidrofílica desses lipídeos pode apresentar grupamento OH, álcoois polares ou gru- pos fosfato36.

Em relação à estrutura, os anestésicos locais são divididos em três partes: um grupo aromático, que confere lipossolubilidade; uma cadeia intermediária, responsável pela disposição espacial do anestésico, e um grupo amino, que permite a ligação desse agente com o receptor da mem- brana37, 38, 39, 40. Dessa forma, a levobupivacaína é um anestésico local do

tipo amida, constituído, portanto, de um anel benzênico (porção lipossolúvel), ligado a um grupamento amina (porção hidrossolúvel) atra- vés de uma ligação amida (-C-NH).5

O sal cloridrato do anestésico local injetado no organismo está na forma não- dissociada, e, para que ocorra a entrada dessa substância na fibra nervosa, é necessária a sua dissociação, que permite a interação com

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grupamentos negativos existentes na superfície interna no canal de sódio ou com os fosfolipídeos de membrana36, 40, 41. Entretanto, existem duas

teorias para explicar o mecanismo de ação desses agentes: a que atribui a ligação entre o anestésico local com aminoácidos do canal de sódio volta- gem-dependente, e outra que considera a interação dos anestésicos locais com lipídeos da membrana, denominada de hipótese do lipídeo.42

O local básico de ação dos anestésicos locais ocorre nos canais de sódio, os quais são glicoproteínas de membrana, que contêm uma subunidade maior, formada por subunidades protéicas alfa (260.000 Da), e uma ou duas subunidades menores beta 1 (36.000 Da) ou beta 2 (33.000 Da). A subunidade, formada por quatro domínios homólogos (D1-D4), cada um com seis segmentos transmembrana (S1-S6), é o local de condu- ção iônica e o sítio de ligação do anestésico local.43, 44

As afinidades de ligação dos anestésicos locais aos canais de sódio dependem da conformação do canal, que pode estar na forma ativada (aberto) ou inativada (fechado). No estado de repouso da membrana, os canais de sódio estão em equilíbrio entre os estados aberto e fechado.39, 43

3.1 BLOQUEIO DO IMPULSO NERVOSO

O potencial de repouso da membrana neuronal é de –70 a –90 mV, sendo o interior negativo em relação ao exterior. A membrana em repouso é totalmente impermeável ao sódio, de modo que altas concen- trações desses íons são mantidas no meio extracelular pela ação da bomba de sódio e potássio, que transporta sódio para o meio extracelular e o potássio para o intracelular, contra um gradiente de concentração e, por- tanto, com gasto de energia. A excitabilidade do tecido nervoso depende da instabilidade dos gradientes iônicos através da membrana.43

Durante um estímulo, ocorre a despolarização da membrana, o que ocasiona mudança na conformação do canal. Então, há súbito influ- xo de sódio para dentro da célula, e esse íon passa a penetrar mais facil- mente do que o potássio. Esses canais são estruturas glicoprotéicas locali- zadas na membrana celular, que funcionam como poros aquosos, apre- sentando diversas conformações, a depender da voltagem transmembrana, visto que, na fase de repouso, eles estão na conformação fechada, impe- dindo a entrada do sódio.43

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Após a despolarização, o potencial transmembrana atinge cerca de +20 mV, no caso do tecido nervoso, o que altera novamente a conformação do canal, permitindo a passagem do estímulo, ou seja, ocorre a propagação da sensação de dor. Logo após a propagação do impulso, inicia-se a repolarização, ou seja, os canais de sódio estão fechados e ocorre o efluxo dos íons potássio para o interior da célula, restaurando o potencial de repouso.43

Os anestésicos locais atuam bloqueando reversivelmente os canais de sódio, evitando que esses íons penetrem na célula e, por consequência, impeçam a geração e a condução dos impulsos nervosos, devido ao au- mento do limiar de excitação elétrica no nervo, a diminuição da propaga- ção do impulso nervoso e a redução da taxa do potencial de ação41, 45, 46. A

ligação do anestésico local com o canal é favorecida pelos potenciais de ação e por repetidas despolarizações, sendo esse último fenômeno chama- do de “uso-dependente”, ou bloqueio fásico, ou ainda bloqueio frequência- dependente.39

3.2 EFEITOS DA SOLUÇÃO ANESTÉSICA NAS FIBRAS NERVOSAS

O ínicio de ação do bloqueio do impulso está relacionado com altas concentrações e maior lipossolubilidade do agente. Em geral, a pro- gressão da anestesia está relacionada ao diâmetro, à mielinização e à velo- cidade de condução das fibras nervosas afetadas37. Clinicamente, a ordem

de perda da função nervosa é a seguinte: 1º) dor; 2º) temperatura; 3º) tato; 4º) propriocepção; 5º) tônus músculo-esquelético.47

Ainda permanece desconhecida a percentagem de decréscimo no po- tencial de ação para que ocorra bloqueio, mas estudos recentes em animais sugerem que o potencial de ação precisa ser reduzido em 50%, para que ocorra déficit de função neuronal47. Quando se aplica um anestésico local

em um nervo periférico, inicialmente a sensação de temperatura é perdida, seguida de dor e toque. Assim, foi postulado que as fibras inicialmente bloqueadas e mais suscetíveis são as com menor diâmetro, desmielinizadas, que conduzem sensação de temperatura41. As fibras A, que são mais calibrosas

e responsáveis em transmitir os impulsos táteis, são bloqueadas mais tardi- amente. Uma extensão mínima das fibras nervosas mielinizadas precisa ser exposta a uma adequada concentração de anestésico, para que ocorra blo-

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queio. Por exemplo, se apenas um nodo de Ranvier é bloqueado, o impul- so nervoso pode saltar esse nodo e se propagar. Assim, para a condução do bloqueio numa fibra A, é necessário expor, pelo menos, dois ou até três nodos sucessivos (aproximadamente 1 cm).47

Ambos os tipos de fibras que conduzem dor, como as fibras C não- mielinizadas e as fibras A-delta mielinizadas, são bloqueadas com concen- trações similares de anestésicos locais39.As fibras B pré-ganglionares são as

mais rapidamente bloqueadas pelos anestésicos locais, apesar de serem mielinizadas. Entretanto, estudos experimentais sugerem que o mecanis- mo é mais complexo e, quando um bloqueio local é realizado numa ex- tensão menor ou igual a um centímetro de um nervo, as fibras A exibem uma suscetibilidade maior ao bloqueio tônico do que as fibras C, as quais são mais suscetíveis ao bloqueio uso-dependente47. Esse fenômeno relaci-

ona-se ao fato de que, quanto mais estimulada é uma membrana, mais canais de sódio ficarão abertos e, portanto, mais anestésico local penetra nesses canais, impedindo sua reabertura numa próxima estimulação43.

Seletivamente, os anestésicos locais podem ligar-se aos canais inativados e, dessa forma, estabilizá-los nessa configuração (fechados), mesmo na presença de um potencial de ação. Nesse estado, os canais são impermeá- veis ao sódio e, portanto, não há despolarização da membrana.47

Em relação à duração de ação, ela está na dependência do tempo em que a substância permanece bloqueando os canais de sódio da fibra. Além disso, os anestésicos locais causam vasodilatação, o que permite rápida difu- são para o local de ação e resulta em uma curta duração de ação, principal- mente nos tecidos bucais, quando administrados sozinhos. Dessa forma, essa difusão pode ser reduzida com a adição de vasoconstrictores, como, por exemplo, a epinefrina37, 48. De acordo com Ferreira e colaboradores36,

quanto mais volumoso o substituinte alquila da amina ou do anel aromáti- co, mais estáveis são as interações físicas com os aminoácidos do canal de sódio e, como consequência, mais prolongada a anestesia.

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